Em 23 de fevereiro de 1887, toda a região da Ligúria, na Itália, foi sacudida por um poderoso terremoto. Era Quarta-feira de Cinzas quando casas, igrejas e outros prédios entraram em colapso pela força do abalo sísmico, que deixou um rastro de mais de 2 mil mortes e marcou a memória coletiva dessa parte do país.
Embora tenha ficado na história de todo o noroeste italiano, poucos lugares tiveram uma cicatriz tão indelével do terremoto quanto a pequena comuna então conhecida como Bussana. Por lá, a destruição se espalhou de tal forma que, dois anos mais tarde, os sobreviventes chegaram à conclusão de que já não havia muito o que fazer: literalmente recolhendo os pedaços que restavam de sua antiga vida, desceram o vale e refundaram a localidade – com o mesmo nome – mais perto do mar e da ferrovia.
O que ficou para trás é agora conhecido como Bussana Vecchia, e chegou a ser uma cidade-fantasma por muitas décadas. Oficialmente pertencendo a Sanremo, município hoje famoso por seu festival anual de música italiana, a antiga comuna de Bussana foi interditada pelas autoridades da época por segurança e consequência foi o total abandono.

Até que, na metade do século 20, essa história começou a mudar. À revelia do governo, artistas começaram a se estabelecer no lugar e passaram a mudar o significado associado ao nome de Bussana Vecchia: em vez de um simples espaço marcado pela morte e destruição, tornou-se um pequeno paraíso efervescente de cultura, que ainda hoje segue atraindo visitantes curiosos com o modo de vida peculiar do local.
O renascimento de Bussana Vecchia
No final da década de 1950, um ceramista vindo de Turim, Mario Giani, mais conhecido como Clizia, decidiu se mudar para o povoado em ruínas com uma ideia um tanto utópica: converter a velha Bussana em uma comuna autogerida onde artistas poderiam viver apartados das atribulações do mundo.
A ideia percorreu círculos cultos da Europa e atraiu mais curiosos, que pouco a pouco foram se estabelecendo na área e se virando como era possível. Diante da falta de água encanada, recorriam a velhos poços e ao abastecimento da cidade vizinha. Sem eletricidade, utilizavam lanternas a óleo e velas. E, para fazer suas casas, utilizavam as próprias pedras das ruínas abandonadas muitas décadas antes.
Estima-se que, ainda hoje, quase uma centena de pessoas viva por lá, em uma condição cuja legalidade continua sendo questionada: ameaças de expulsão pelas autoridades são frequentes, mas, ao mesmo tempo, o município de Sanremo passou a entender e valorizar a importância do local, garantindo serviços essenciais para a comunidade.

Isolada do mundo, Bussana Vecchia precisou se abrir para o turismo para garantir a subsistência dos artistas resilientes que insistem em permanecer por lá. E, além de um mergulho em um lugar de história única, o passeio também rende uma visita a uma espécie de museu a céu aberto, marcado pelos ateliês de pintores, artesãos e escultores.
As ruínas são uma atração à parte, muitas delas conservadas como ficaram no dia de 1887 em que o lugarejo mudou para sempre. Pontos de interesse incluem a Igreja de Sant’Egidio, cujo teto despencou sobre os fiéis no momento do terremoto, mas que mantém em pé estruturas como o campanário, e o jardim entre as ruínas de um castelo do século 12, onde viviam os antigos senhores feudais da região.
Como chegar (e quando ir)
Bussana Vecchia é uma opção para um bate-volta a partir de outros destinos procurados na Ligúria, como a própria Sanremo (a 9 km) ou a muito visitada Gênova (mais distante, a 140 km). Como a organização do vilarejo mantém as características do século 19, com ruas estreitas, quem vai de carro precisa estar preparado para deixá-lo do lado de fora da parte mais urbanizada e percorrer o povoado a pé.
O lugar pode ser visitado em qualquer época do ano para quem quer apenas conhecer a história da antiga Bussana e ver as ruínas de perto. Mas, se o objetivo é também ter um contato mais intenso com a comuna de artistas, o mais indicado é ir nos meses de verão – de junho a setembro – quando a população chega a dobrar. Muitos deles, hoje, já não vivem de forma permanente na comuna, mas retornam durante a alta temporada para aproveitar o influxo de turistas na área.
Fonte: viagemeturismo