Ă comum que, em um projeto arquitetĂŽnico, existam discordĂąncias entre os designs propostos. O que Ă© menos comum, porĂ©m, Ă© escrever uma carta criticando duramente uma dessas ideias e escondĂȘ-la dentro da prĂłpria construção.
Foi o que aconteceu na National Gallery, museu de arte no centro de Londres. Recentemente, durante uma reforma, trabalhadores encontraram uma carta escondida em uma das colunas nĂŁo estruturais destruĂdas na obra.
O autor da carta, datada de julho de 1990, Ă© John Sainsbury, um dos fundadores da ala renovada. No texto, ele tece crĂticas Ă escolha estĂ©tica da sala naquela Ă©poca.Â
John Sainsbury, falecido membro da dinastia de supermercados britĂąnicos que leva o seu nome, destinou a correspondĂȘncia Ă âpara quem encontrar essa cartaâ e, em um toque tĂpico de humor inglĂȘs, escreveu:Â
âSe vocĂȘ encontrar essa carta, vocĂȘ deve ter feito parte da demolição de uma das colunas falsas que foram colocados no foyer da Ala Sainsbury da National Gallery. Eu acredito que essas colunas sĂŁo um erro do arquiteto e que nĂłs viveremos para nos arrepender de termos aceitado esse detalhe de seu projeto.Â
Que fique registrado que um dos financiadores deste prĂ©dio estĂĄ absolutamente encantado por a sua geração ter decidido dispensar as colunas desnecessĂĄrias.â
A carta permaneceu intocada por 33 anos, atĂ© que as equipes de reforma finalmente a encontraram no ano passado. A descoberta foi divulgada pelo jornal Art Newspaperâs.
O visual da ala Sainsbury sempre foi controverso. Nos anos 1980, quando os projetos originais foram divulgados, o rei Charles III, na Ă©poca PrĂncipe de Gales, criticou duramente o estilo, descrevendo-o como âum carbĂșnculo monstruoso no rosto de um amigo amado e eleganteâ. Diante das crĂticas, o museu optou por contratar os arquitetos americanos Robert Venturi e Denise Scott Brown para reformular o projeto.Â
Embora Sainsbury tenha apreciado o resultado final, ele tinha uma forte objeção: detestava um par de colunas decorativas no saguĂŁo tĂ©rreo da galeria.Â
Venturi e Scott Brown projetaram o espaço de entrada para lembrar a cripta de uma igreja, pensando em criar uma narrativa para os visitantes, que eram guiados atravĂ©s de um ambiente escuro e estreito atĂ© Ă s galerias iluminadas, repletas de obras renascentistas. âAs colunas direcionavam o movimento da cripta sombria para a escadaria cheia de luz,â explicou Scott Brown ao Art Newspaper.
No entanto, Sainsbury discordava dessa visĂŁo arquitetĂŽnica. Seu foco estava na eficiĂȘncia do espaço, em linhas de visĂŁo desobstruĂdas e na maximização das ĂĄreas Ășteis. Segundo seu filho, Mark Sainsbury, em entrevista Ă BBC Radio 4, seu pai nĂŁo tinha paciĂȘncia para o que considerava uma âafetação arquitetĂŽnica desnecessĂĄriaâ.
Apesar de suas divergĂȘncias com os arquitetos, Sainsbury buscou evitar uma disputa pĂșblica. Mas, para tentar dar um fim nessa histĂłria, seu irmĂŁo intermediou um acordo: as colunas permaneceriam, mas John escreveria uma carta, que seria selada dentro de uma delas, como uma mensagem para o futuro.Â
O segredo foi mantido dentro de um pequeno cĂrculo e sĂł deveria ser revelado caso as colunas fossem removidas.
Essa remoção ocorreu em 2023, durante uma reforma de 85 milhĂ”es de euros no museu. As obras, lideradas pelo diretor da National Gallery, Gabriele Finaldi, visavam ampliar o saguĂŁo para acomodar um nĂșmero de visitantes muito maior do que o previsto na dĂ©cada em que foi construĂdo. Durante a demolição, a carta foi finalmente descoberta.
John Sainsbury faleceu em 2022, aos 94 anos, um ano antes de poder realizar seu sonho de ver as colunas destruĂdas.
Sua viĂșva, Anya Sainsbury, visitou o local da revelação para ver pessoalmente onde a carta havia sido encontrada. Em entrevista ao Art Newspaper, ela expressou sua satisfação com a redescoberta da carta e afirmou que seu marido ficaria aliviado e feliz com os novos planos da restauração.
A carta serĂĄ agora preservada nos arquivos da galeria. Mark Sainsbury acredita que seu pai teria ficado satisfeito com o resultado, mas sem alarde. âEle nunca foi do tipo que dizia âeu te aviseiâ,â comentou Ă BBC Radio 4, âmas certamente teria levantado uma sobrancelha e dado um sorriso irĂŽnico, como quem diz que, finalmente, todos encontraram senso.â
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Fonte: abril