Com o desafio de alinhar a produção agropecuária à agenda climática global, o Ministério da Agricultura e Pecuária ( Mapa ), a Embrapa e o Instituto 17, desenvolvem a ABC+Calc, uma ferramenta inovadora ao monitoramento das emissões no manejo de resíduos da produção animal (MRPA). A iniciativa é fruto de uma cooperação no âmbito do Plano ABC+ e da Coalizão Clima e Ar Limpo (CCAC), programa liderado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que visa combater as mudanças climáticas e melhorar a qualidade do ar por meio da redução de emissões de vida curta, como o metano.
O lançamento do ABC+Calc ocorreu nesta terça-feira (12) durante o evento Plano ABC+: da produção ao monitoramento das emissões, uma mesa redonda sobre o monitoramento das emissões no setor agropecuário e o papel das políticas públicas e ferramentas técnicas na rastreabilidade e na transparência das ações de mitigação, promovida pelo Ministério da Agricultura e Pecuária ( Mapa ), por meio do Departamento de Produção Sustentável e Irrigação (Depros/SDI/Mapa).
A criação do ABC+Calc surgiu da necessidade de melhorar a sistematização e centralização das informações nos níveis federal e estadual que atuam diretamente na implementação do Plano ABC+. Com o ABC+Calc, os gestores públicos podem utilizar dados simples, como número de animais e o tipo de sistema de produção adotado, para estimar o potencial de mitigação de metano e monitorar a evolução das práticas de manejo nos territórios. “Uma ferramenta facilita a compreensão do cenário de emissões, concentrando as informações em um único ambiente”, explica o pesquisador Airton Kunz , da Embrapa Suínos e Aves (SC).
Ainda de acordo com ele, a ABC+Calc se insere diretamente nas estratégias do Plano ABC+ ao oferecer uma técnica base para o monitoramento das ações ligadas ao Manejo de Resíduos da Produção Animal (MRPA), um dos oito eixos dos Sistemas, Práticas, Produtos e Processos de Produção Sustentável (SPS) que estruturam o plano. “A ferramenta, portanto, é fundamental para medir os impactos das práticas adotadas e orientar as decisões técnicas e políticas com maior precisão”, enfatizou o pesquisador. O MRPA é uma estratégia fundamental para o Brasil, considerando que o setor agropecuário responde por 76% das emissões de metano do país, dos quais 5,7% estão associados ao manejo de descartes animais. A redução das emissões é crucial para que o País atinja a meta de reduzir o metano em 30% até 2030 e avance na trajetória de neutralidade climática até 2050.


Uso prático e integração com políticas públicas
Voltada para o uso dos comitês gestores estaduais e pelo próprio MAPA, responsável pelo monitoramento nacional do Plano ABC+, a ABC+Calc é uma ferramenta de apoio às políticas públicas. Com ela, será possível gerar dados sistematizados que não apenas apoiem o cumprimento das metas do Plano ABC+, mas também atenderão diretamente as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) brasileiras no setor agropecuário.
A expectativa é que a calculadora seja, além de replicada em todos os estados, expandida para outras áreas do SPS do plano ABC+, fortalecendo ainda mais a base de dados disponíveis para planejamento e acompanhamento climático. Há também a intenção de integrar os dados da ABC+Calc ao Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa, sob responsabilidade do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
“Esperamos que o ABC+Calc se consolide como uma ferramenta pública estratégica para o Brasil, com alto potencial de replicabilidade em nível nacional. O objetivo é que ela se consolide como um serviço de políticas públicas eficazes na mitigação das emissões de gases de efeito estufa no setor agropecuário — um passo fundamental rumo a uma produção mais sustentável e verificação às metas climáticas globais”, enfatizou o pesquisador da Embrapa.
O desenvolvimento da metodologia do ABC+Calc
O ABC+Calc foi desenvolvido com o objetivo de apoiar o planejamento e o monitoramento das emissões de gases de efeito estufa (GEE) no setor agropecuário. Assim, a ferramenta permite estimar a quantidade de metano (CH₄) e óxido nitroso (N₂O) gerados no MRPA. Ela considera as principais cadeias produtivas: suínos, aves, bovinos de corte e de leite. Ela organiza os dados, aplica metodologias reconhecidas internacionalmente e fornece suporte técnico para que os estados possam definir metas e acompanhar resultados no contexto do Plano ABC+.
O desenvolvimento da ferramenta levou cerca de 18 meses e contornou uma ampla revisão da literatura científica, com foco na realidade brasileira. Foram utilizados parâmetros técnicos adaptados da metodologia do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), reconhecido internacionalmente. Outro diferencial é que ela foi elaborada por meio de um processo colaborativo e multidisciplinar, envolvendo especialistas do setor produtivo, ciências agrárias, ambientais e climáticas.
“O ABC+Calc é um sistema web, cujo acesso pode ser feito por computadores ou smartphones conectados à internet de qualquer localidade. Os dados ficam armazenados na nuvem institucional da Embrapa. O acesso requer um cadastro prévio, que é feito pelos gestores do sistema”, explica o analista da Embrapa Geordano Dalmédico , responsável pelo desenvolvimento do sistema.
Para esse desenvolvimento, foi levada em consideração a abordagem adotada no Plano ABC, considerando as lições aprendidas e os avanços científicos e tecnológicos desde então. “Todo o trabalho foi feito em alinhamento com o Inventário Nacional de Emissões, garantindo consistência com normas e protocolos reconhecidos internacionalmente. Além disso, as diretrizes do IPCC de 2019 foram rigorosamente seguidas para garantir robustez e recomendações técnicas e científicas”, afirma Kunz.


A ABC+Calc tem quatro cenários de manejo, considerando como principais cadeias de produção animal:
- Suínos: esterqueiras
- Aves de postura: Criação sem cama coletora e estocagem sólida
- Bovinos de leite: esterqueira
- Bovinos de corte: lote seco e estocagem sólida
Esses cenários são as linhas de base para a inserção e análise dos dados. Já os tratamentos realizados em todas essas categorias incluem compostagem e digestão anaeróbia.
Treinamento com GGEs como base para a implementação
Após a conclusão da ferramenta, no final de 2024, a equipe gestora do projeto iniciou uma fase de Capacitação em Manejo de Resíduos da Produção Animal (MRPA) em diversos estados do Brasil. De acordo com a responsável pelos treinamentos, Deisi Cristina Tapparo, gestora técnica do projeto, o momento foi de transformar o conhecimento técnico em ação estruturada com a participação ativa dos GGEs do Plano ABC+, representantes do Ministério da Agricultura e Pecuária e especialistas do setor.
Os treinamentos iniciaram em abril com o primeiro grupo. Foram selecionados estados com metas de MRPA no Plano de Ação Estadual (PAE) e o treinamento foi dividido em duas etapas, uma online (introdutória) e outra presencial. “O objetivo foi divulgar as oportunidades e desafios específicos de cada estado no MRPA e a utilização do ABC+ Calc”, conta ela. Outro objetivo foi capacitar os grupos para estruturar políticas estaduais e ações concretas para a implementação do MRPA”. De abril a julho foram capacitados gestores em Santa Catarina, Distrito Federal, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Ceará, Pernambuco e Bahia.


Projeto e entregas
O desenvolvimento da calculadora é uma das entregas previstas no projeto “Integrando a Mitigação de Metano nas Estratégias Nacionais de Agricultura”, que está sendo prorrogado na parceria entre as instituições Mapa, Embrapa, Instituto 17, CCAC. De acordo com Deisi Tapparo, até o final de 2025, a iniciativa prevê três entregas estruturantes: fortalecimento da capacidade técnica dos estados; ferramentas de apoio à política pública, como o ABC+Calc; e levantamento e sistematização de informações técnicas sobre a cadeia pecuária e as soluções de manejo de resíduos da produção animal (MRPA).
Para o pesquisador Airton Kunz, por meio de uma abordagem técnica e territorial, o projeto deixa um legado robusto para a política pública agrícola brasileira, conectando conhecimentos locais às diretrizes nacionais e promovendo um campo mais sustentável, justo e eficiente.
PLANO ABC+
O Plano ABC+ é a segunda etapa do Plano ABC, desenvolvido entre 2010 e 2020. Na primeira fase, o plano superou as expectativas, mitigando cerca de 170 milhões de toneladas de CO₂ equivalente em uma área de 52 milhões de hectares, o que representa um desempenho 46,5% acima da meta estabelecida. A nova fase do plano amplia suas metas e passa a incluir novas práticas e tecnologias inovadoras não apenas à mitigação dos gases de efeito estufa, mas também à preservação da biodiversidade, regularização ambiental e ordenamento territorial, promovendo o cumprimento do Código Florestal.
Entre as tecnologias incorporadas ao ABC+, destacam-se:
- Bioinsumos.
- Sistemas irrigados.
- Terminação intensiva de bovinos, com meta de atingir 5 milhões de animais por meio de técnicas de confinamento ou semiconfinamento — características da agropecuária tropical. Essa tecnologia também melhora a alimentação dos bovinos, o que contribui para a redução da emissão de gases de efeito estufa.
- Plantação de florestas: está prevista uma expansão de 4 milhões de hectares, com o objetivo de recuperar áreas ambientais e promover a produção comercial de madeira, fibras, alimentos, bioenergia e produtos florestais não madeireiros, como látex e resinas
Fonte: cenariomt