Em meio a um deserto de gelo, num dos lugares mais remotos do planeta, três pesquisadores brasileiros estão enfrentando temperaturas de -20º C, um Sol que não se põe nunca e sensação térmica de até -60º C como parte da missão Criosfera-1 2025/2026, uma expedição científica brasileira no coração da Antártica.
O objetivo é estudar fenômenos climáticos como o derretimento das calotas polares, que aumentam o nível do mar, e a dinâmica das massas de ar, que afetam o clima do mundo todo.
Essa é a primeira missão climática brasileira na Antártica do tipo “carbono neutro”, ou seja, a primeira a compensar todas as emissões de gases de efeito estufa decorrentes de suas atividades.
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“Afinal, nós estamos na Antártica, numa área super importante no contexto climático, e por isso a gente quis trazer essa coerência”, explicaGabriel Estevam, diretor de pesquisa, desenvolvimento e inovação da Ambipar e um dos participantes da expedição. Gabriel falou com a Super diretamente da base brasileira no continente gelado – a missão de 2025 é a primeira com acesso à internet em tempo real via satélite Starlink.

O engenheiro ambiental está acompanhado por Heitor Evangelista, geofísico da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenador do Criosfera 1, e por Heber Passos, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O trio enfrentou uma verdadeira odisseia para chegar lá: foi necessário viajar em um navio da Marinha do Brasil até o Chile e depois pegar diversos voos em aviões adaptados para a neve, que precisam de condições meteorológicas para pousar. “O avião arremeteu oito vezes. Se a gente não conseguisse pousar na última tentativa, teríamos que abortar a missão”, conta Gabriel.

O que é o Criosfera-1
A maior e mais importante estação de pesquisas brasileira na região é a Comandante Ferraz, localizada na ilha Rei George, ao norte do continente. O Criosfera-1, por sua vez, fica a 2.500 quilômetros dali, isolado no coração gelado da Antártica.
Trata-se de um módulo autônomo, cujos equipamentos funcionam sozinhos durante todo o ano, abrigados dentro de um contêiner vermelho que fica elevado do solo. Cientistas visitam o local periodicamente (no verão, por motivos óbvios) para fazer manutenções nos equipamentos e para instalar novas máquinas, além de coletar alguns dados que ficam salvos localmente e também amostras de gelo para análises laboratoriais.

A estação é equipada com equipamentos que monitoram diversos indicadores meteorológicos, como os níveis de CO₂, aerossóis, acúmulo de neve, radiações UV-A e UV-B e ozônio (o buraco da camada de ozônio, aliás, fica logo acima dessa região, e é graças a dados como os do Criosfera-1 que sabemos que ele está lentamente se fechando).
Outro dado monitorado por um aparelho da estação é o chamado “carbono negro”: matéria orgânica que tem sua origem em incêndios que ocorrem bem longe da Antártica, como na Amazônia ou na Austrália, e é levada pelas correntes de ar para o coração do continente gelado. Por lá, essa fuligem contribui para um maior derretimento do gelo, como mostrou um estudo recente coordenado pelo professor Heitor Evangelista.
O Criosfera-1 foi inaugurado em 2012 no paralelo 84 da Antártica, a 600 quilômetros do Polo Sul, e faz parte do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR). O módulo é coordenado e mantido por uma colaboração de diversas organizações: Uerj, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), USP, Inpe, Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs).

Novidades
Em linha com os objetivos ecológicos da expedição, a missão será a primeira do tipo a compensar suas emissões de carbono. O módulo em si se mantém com fontes limpas de energia – eólica e solar –, mas os organizadores calcularam o carbono emitido durante a preparação, na logística e o transporte da empreitada.
Quem fez essa conta foi a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), usando protocolos internacionais, e a compensação foi feita com o plantio de árvores no Rio de Janeiro e com a aquisição de créditos de carbono, num esforço coordenado pela empresa de gestão ambiental Ambipar.
Neste ano, a missão também está testando uma nova estufa ecológica que permite o plantio de sementes e que promete deixar a vida no módulo mais agradável nas missões futuras. Atualmente, os alimentos consumidos pelos cientistas são produtos industrializados enlatados ou congelados. “Agora, a gente pode já começar a consumir broto de feijão fresco, rabanete, brócolis, e outras espécies de rápido crescimento”, conta Gabriel.
A internet também é uma novidade muito bem-vinda na imensidão branca do deserto do gelo – permite que os pesquisadores mantenham contato com os familiares e se comuniquem com outros cientistas aqui no Brasil para tirar dúvidas.
“A ideia é sempre trazer novidades e melhorar as condições para os pesquisadores, porque aqui tudo é muito difícil”, diz Gabriel.
Fonte: abril






