Uma associação voltada a servidores públicos descontou mensalmente parte da aposentadoria de um agricultor analfabeto que jamais integrou o funcionalismo. Entre maio de 2023 e abril de 2025, Osvaldo de Azevedo Fogaça, de 68 anos, teve cerca de R$ 1.440 retidos pela União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos (Unaspub), uma das entidades investigadas no esquema bilionário de fraudes contra aposentados e pensionistas do INSS. Com sede em Belo Horizonte (MG), a Unaspub fica a cerca de 500 quilômetros de Cristalina, cidade na divisa entre Minas Gerais e Goiás onde mora o agricultor.
O caso, revelado à Gazeta do Povo, ilustra como associações criadas para representar servidores públicos usaram convênios com o INSS para aplicar descontos ilegais em benefícios de trabalhadores rurais e idosos. O escândalo levou à quebra de sigilo bancário da entidade pela CPMI do INSS.
Em março deste ano, Fogaça descobriu os descontos ao ir ao banco pagar dívidas. “Fui ao banco e descobri que só tinha R$ 27 na minha conta. Me disseram que havia algumas dívidas do cartão de crédito. Quando olhei o extrato, vi que tinha esses descontos (associativos) de R$ 63 por mês”, contou. “Nunca ouvi falar dessa entidade até saber do roubo.”
Após procurar o INSS, Fogaça foi orientado a registrar reclamação no Procon. O órgão informou que os valores descontados seriam devolvidos. O ressarcimento ocorreu em agosto, três meses depois da Operação Sem Desconto revelar que, entre 2019 e 2024, mais de R$ 6,3 bilhões foram desviados em cobranças associativas.
O caso do agricultor segue o padrão identificado nas investigações. Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou que aposentados do setor rural foram os mais atingidos pelos descontos indevidos, representando 67% das cobranças associativas.
A reportagem questionou a entidade sobre o caso de Fogaça e irá acrescentar posicionamento assim que receber. Em nota publicada em seu site oficial, a Unaspub negou qualquer irregularidade e afirmou que possui “compromisso com a legalidade, a ética e a transparência”. Confira o posicionamento completo abaixo.
Filho relata dificuldades para ajudar pai e alerta para vulnerabilidade de idosos
Rafael Fogaça, filho do agricultor, afirma que precisou viajar até a casa do pai, em Cristalina, para conseguir acessar os dados no sistema do INSS. O agricultor não sabia ler nem escrever e nunca havia criado conta no Gov.br, requisito para acessar o aplicativo “Meu INSS”.
“Passei um final de semana inteiro com ele para criar a conta e conseguir reivindicar os descontos da associação. Meu pai trabalhou a vida toda para ter uma aposentadoria digna e, quando chega o momento de descansar, se vê com o salário roubado”, relatou.
Para Rafael, a dificuldade enfrentada pelo pai expõe uma realidade ainda mais grave: a vulnerabilidade de idosos sem acesso à tecnologia ou sem familiares que possam auxiliá-los. “Graças a Deus meu pai teve o dinheiro ressarcido. Mas quem não tem um filho, sobrinho ou neto para ajudar? Muitos sequer sabem que estão sendo vítimas desse tipo de fraude e continuam sendo lesados”, alertou.
Unaspub teve explosão de descontos associativos no governo Lula
Fundada em 2006 com o alegado objetivo de representar servidores públicos, a União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos (Unaspub) se apresentava como uma entidade voltada à defesa de direitos e à oferta de benefícios, como assistência jurídica e convênios em saúde. Ao longo dos anos, firmou acordos com o INSS que permitiam descontos diretos nos benefícios de aposentados e pensionistas — prática que, segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), resultou em 58.439 inclusões de descontos associativos apenas em 2024.
De acordo com o relator da CPMI do INSS, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), com base em dados da CGU, a Unaspub recebeu R$ 8,5 milhões em 2022, R$ 54,4 milhões em 2023 e R$ 141 milhões em 2024, valores provenientes de mensalidades descontadas diretamente de aposentadorias e pensões.
Em 11 de setembro, a comissão aprovou a quebra de sigilo bancário dos dirigentes da Unaspub e solicitou ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) o envio de um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) para rastrear as movimentações da entidade.
As investigações da Polícia Federal e da CGU indicam que a Unaspub usava os convênios com o INSS como fachada para realizar descontos sem autorização dos beneficiários. Segundo a Operação Sem Desconto, deflagrada em abril de 2025, a associação está entre as 12 entidades investigadas por desviar cerca de R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024.
Unaspub nega irregularidades
“A União Nacional dos Servidores Públicos do Brasil (UNASPUB) vem a público manifestar-se diante dos recentes acontecimentos e das investigações que têm sido noticiadas por diversos veículos e instâncias competentes.
Reafirmamos nosso compromisso com a legalidade, a ética e a transparência, pilares que sempre nortearam nossa atuação.
A UNASPUB entende que as apurações devem seguir seu curso com independência, responsabilidade e pleno respeito ao devido processo legal.
Nos solidarizamos com todas as entidades comprometidas e reiteramos que seguiremos vigilantes na defesa dos interesses legítimos dos trabalhadores do setor público, reafirmando a importância de instituições sérias e comprometidas com o bem comum.
Seguiremos acompanhando os desdobramentos com atenção, confiantes na verdade e na justiça.”
Fonte: gazetadopovo