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Enlouqueceram: sermão sobre “Jesus trans” aprovado pela igreja anglicana

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“A interpretação foi legítima, concorde-se ou não com ela”, garantiu Michael Banner, reitor do Trinity College, um dos componentes mais tradicionais de Cambridge.

E a tese de doutorado do “interpretador”, Joshua Heath, estudante de teologia, foi supervisionada pelo ex-arcebispo da Cantuária, Rowan Williams.

A volúpia com que a Igreja Anglicana abraça o pensamento mais politicamente correto possível é um dos motivos que leva ao encolhimento acelerado dessa religião única, criada pelo rei Henrique VIII – também o patrono do Trinity College – e disseminada pelo mundo através do colonialismo britânico.

Mas apresentar a tese do “Jesus trans” num sermão na esplêndida capela gótica da faculdade foi demais até para os fiéis que, valorosamente, continuam a frequentar a igreja. Alguns disseram “heresia” e um escreveu ao reitor Banner para dizer que deixou a igreja “em lágrimas”.

Convidado pela igreja, Joshua Heath apresentou reproduções de três pinturas durante seu sermão herético. A mais conhecida é a Pietà Redonda de Jean Malouel, nome afrancesado de um artista proveniente do que hoje é a Holanda que se tornou pintor contratado pelo duque da Borgonha.

A pintura, exposta no Louvre, tem uma característica incomum: mostra Deus Pai amparando o filho na descida da cruz, sob o olhar do Espírito Santo. Obviamente, não foi a representação da Santíssima Trindade que interessou Heath, mas o corpo mais longilíneo de Jesus, uma característica da Idade Média – o Cristo fisicamente mais forte surgiu no Renascimento, com inspiração nas obras da Antiguidade clássica.

“No corpo simultaneamente masculino e feminino dessas obras, se o corpo de Cristo também sugere o corpo dos corpos, então seu corpo também é trans”, elaborou Heath.

Ele também afirmou que o corte no flanco, uma das Cinco Santas Chagas, “assume uma aparência decididamente vaginal”. O sangue descendo para a região da virilha foi outro “argumento” do teólogo.

O episódio foi relatado ao jornal The Telegraph pelo fiel anônimo que mostrou a carta enviada ao reitor do Trinity College, na qual se declara revoltado “com a ideia de que, ao abrir um buraco num homem, através do qual ele é penetrado, ele se torna mulher”.

Banner respondeu defendendo o sermão e a ideia de que refletir “sobre o corpo masculino/feminino de Cristo nos oferece meios de pensar a respeito de assuntos envolvendo questões atuais sobre transgêneros”.

Em ambientes acadêmicos, ideias assim fazem parte do dia a dia do cardápio “woke”. Instituições tradicionais como Cambridge e Oxford, que se aproximam do primeiro milênio de existência, copiam, como tantas outras, tudo o que vem das universidades americanas e acrescentam suas próprias criações.

Uma das mais recentes e bizarras é incentivar os estudantes de alemão, que tem gêneros como o português, a usar uma linguagem neutra. 

“Minha primeira reação foi que o Monty Python estava de volta”, disse ao Times de Londres um integrante da Associação de Língua Alemã, Oliver Baer.

Só para lembrar: o grupo humorístico satirizou impagavelmente um personagem da época de Jesus, em A Vida de Brian (o próprio Cristo é mostrado, de longe numa cena respeitosa da Crucificação).

Ambientes universitários precisam ser o espaço de ideias arrojadas, mas hoje acontece um fenômeno anti-intelectual: arrojo só é admitido quando se enquadra nos mandamentos “woke”, como uma tese sobre um Cristo trans.

A vontade de se formatar segundo os modismos dominantes talvez explique o resultado de uma pesquisa sobre o perfil sexual com estudantes de Cambridge: menos da metade – 49,7% – se declararam heterossexuais.

Bissexuais foram 29,7% e homossexuais, 11,9%. Os demais deram respostas alheias à pergunta. Ou talvez estivessem apenas fazendo graça, da mesma forma que devem achar o máximo uma tese que ofenda cristãos – e, claro, apenas e exclusivamente a eles.

O cristianismo floresceu como uma religião universal e inclusiva, acima de etnias e tribos. Em trezentos anos, a “religião dos escravos”, como ironizavam os romanos, chegou ao primeiro imperador de Roma. Acolher os humildes e discriminados foi uma tática vencedora. 

Hoje, numa era em que a religião dominante no Ocidente encolhe e perde a força, dizer que Jesus foi palestino, negro, gay, comunista ou, agora, trans, não significa que os braços da igreja estão abertos para todos, mas que a política identitária virou, ela mesma, uma religião laica.

Fonte: Veja

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