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Direto De Brasilia

Pauta-bomba previdenciária: impactos nas contas públicas

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Uma “contrarreforma da Previdência” – parte das “pautas-bomba” que devem se tornar cada vez mais comuns nos próximos meses – está avançando no Congresso Nacional, e com apoio amplo de todos os lados do espectro político-ideológico: esquerda e direita, governo e oposição. Uma única PEC, que beneficia uma única categoria, pode custar aos cofres públicos R$ 800 bilhões nas próximas cinco décadas, piorando ainda mais a situação já muito crítica do regime previdenciário dos servidores públicos, cujo rombo, em termos proporcionais, é maior que o da previdência dos trabalhadores da iniciativa privada. O texto foi aprovado em duas votações pela Câmara dos Deputados no dia 7, e agora está nas mãos do Senado.

A PEC 14/2021 contempla os agentes comunitários de saúde e combate a endemias. Aqueles que estiverem em contratos temporários no dia da promulgação da emenda (caso ela passe pelo Senado) e tenham participado de concurso público depois de 14 de fevereiro de 2006 serão obrigatoriamente efetivados até o fim de 2028, e ficarão proibidas novas contratações em caráter temporário, ou de agentes terceirizados, a não ser em caso de emergência pública de saúde. Mas a bondade mais cara está na criação de novas regras, muito brandas, para a aposentadoria desses profissionais.

Até 2030, os agentes que tiverem trabalhado na função por 25 anos poderão se aposentar com 50 anos, no caso das mulheres, e 52, no caso dos homens. As idades mínimas subirão gradativamente até 2041, quando será de 57 anos para mulheres e 60 para homens – as mesmas idades que já se aplicam hoje à categoria dos professores, enquanto a maioria dos trabalhadores da iniciativa privada só pode se aposentar a partir de 62 anos (no caso das mulheres) ou 65 anos (no caso dos homens). Como se não bastasse, os agentes de saúde terão de volta um privilégio único, que havia sido abolido no serviço público há mais de duas décadas: eles poderão se aposentar com o último salário integral, e terão direito a reajustes idênticos aos agentes que estiverem na ativa. Os trabalhadores desta categoria que já tiverem se aposentado ainda poderão requerer a revisão do benefício para também terem direito à integralidade e à paridade.

Alguém duvida que, uma vez reaberta a porteira da paridade e da integralidade, outras categorias não pleitearão o mesmo no Congresso a partir de agora?

As contas sobre o efeito dessa bondade nos cofres públicos variam, com praticamente todas elas apontando para a casa das dezenas de bilhões de reais no curto e no médio prazo, com exceção da estimativa do relator da PEC, deputado Antônio Brito (PSD), para quem o custo será de R$ 5,5 bilhões até 2030. Para ele, aliás, não há problema algum, pois tudo foi feito com o “maior zelo pelo erário e pelo setor social”, porque “não somos irresponsáveis com o país nem com a área social brasileira”. O relator minimizou os impactos orçamentários alegando que “não há qualquer ônus para os sub-entes federativos. Nenhum prefeito ou governador pagará absolutamente nada. Tudo será arcado pela PEC, pela União federal”, como se isso de fato representasse um grande alívio.

De fato, é o governo federal quem bancará o gasto adicional com essas aposentadorias – pagas pelos regimes próprios dos estados e de 2,1 municípios, ou pelo INSS, no caso dos outros 3,6 mil municípios sem regime previdenciário próprio –, mas desde quando isso é “zelo pelo erário”? De onde virá esse dinheiro todo? Quem pagará pela ampliação do déficit federal? Como a geração espontânea de dinheiro público não passa de terraplanismo econômico (embora com muitos adeptos nos poderes Executivo e Legislativo), a conclusão óbvia é a de que a PEC arma uma bomba-relógio fiscal gigantesca, e isso apenas considerando os agentes de saúde – ou alguém duvida que, uma vez reaberta a porteira da paridade e da integralidade, outras categorias não pleitearão o mesmo no Congresso a partir de agora?

O Brasil vive uma situação fiscal aterradora. Os déficits primários se acumulam enquanto o governo persegue o limite mínimo de tolerância da meta fiscal, a dívida pública assume uma trajetória cada vez mais preocupante, e nenhum regime previdenciário brasileiro está no azul, situação que as mudanças demográficas em curso no país têm tudo para agravar. Ninguém precisa ser um gênio da economia ou da administração pública para saber que o Brasil precisa controlar o gasto público e continuar reformando a Previdência Social para evitar seu colapso. A PEC 14 está na contramão das reais necessidades do país.

Nada disso, no entanto, importou para os deputados. O governo liberou sua base aliada; apenas o Novo orientou seus parlamentares para votarem contra a PEC 14. O resultado foi avassalador: 446 a 20 no primeiro turno, e 426 a 10 no segundo. Deputados de vários partidos discursaram usando os coletes usados pelos agentes – que lotavam as galerias da Câmara. Por pouco não se repetiu a unanimidade de outra votação demagógica, a da isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil mensais. Assim como, naquela ocasião, ninguém quis o ônus de chegar a 2026, ano eleitoral, carimbado como alguém que se opôs a reduzir impostos dos mais pobres, desta vez, com raríssimas exceções, nenhum deputado quis ser rotulado como “adversário” de uma categoria que está “todos os dias nas ruas de nosso país, andando de casa em casa, de porta em casa, debaixo de sol e chuva”, nas palavras do presidente da Câmara, Hugo Motta.

Quanto mais próximos das eleições de 2026 estivermos, maior o risco de o Congresso aprovar ainda mais pautas-bomba como essas, que não passam de demagogia eleitoreira, usando de boas intenções para abrir cada vez mais buracos nos cofres públicos, com os conhecidos efeitos na inflação e nos juros – uma possível próxima batalha pode se dar em torno da tarifa zero no transporte coletivo. Quando esse tipo de proposta passa pela Câmara com maiorias avassaladoras, é impossível acreditar em qualquer compromisso dos parlamentares com responsabilidade fiscal, mesmo quando eles negam ao governo permissão para arrancar mais dinheiro do pagador de impostos, como acabaram de fazer no caso da MP da Taxação.

Fonte: gazetadopovo

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