Via @ndmais | O uso da IA (inteligência artificial) na advocacia deu ruim em Piratuba, no Oeste catarinense. Uma advogada resolveu confiar demais na tecnologia e apresentou uma petição trabalhista recheada de citações, decisões e até nomes de magistrados – tudo aparentemente criado por IA. O problema é que, entre os “referenciados”, havia até um juiz inexistente.
A advogada representava uma saladeira, funcionária de um hotel em Piratuba, que buscava na Justiça o pagamento de verbas rescisórias supostamente devidas, como horas extras, adicional de insalubridade e reflexos salariais, após a demissão. O pedido parecia legítimo, mas o problema veio no conteúdo da petição. O texto trazia uma verdadeira miscelânea de citações jurídicas, decisões de tribunais e doutrinas, todas com aparência impecável, mas nenhuma delas real.
O caso caiu nas mãos do juiz Daniel Carvalho Martins, da Vara do Trabalho de Concórdia, que percebeu algo estranho ao tentar confirmar as referências citadas. O ponto alto da confusão foi uma suposta decisão assinada por um juiz do TRT-SC (Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina) que, segundo o magistrado, simplesmente não existe no tribunal.
Curioso, ele pesquisou o nome no Google e descobriu que o “juiz” em questão é, na verdade, um comerciante de Ponta Grossa (PR), dono de um bar especializado “em servir cerveja gelada”.
Confrontada, a advogada afirmou que tudo se tratava de “mero erro material”. Mas a explicação não convenceu. Para o juiz, a petição havia sido “produzida por aplicação de inteligência artificial generativa sem qualquer verificação humana”, o que, segundo ele, configura ato processual inexistente.
Em sua decisão, Martins lembrou que ferramentas como o ChatGPT podem “alucinar” respostas, termo técnico usado para descrever quando a Inteligência Artificial cria informações falsas com aparência de verdade. O magistrado ainda citou a Recomendação 001/2024 do Conselho Federal da OAB, que exige do advogado responsabilidade, transparência e revisão rigorosa de qualquer material produzido com auxílio de inteligência artificial.
O processo acabou extinto sem julgamento do mérito, e a ex-saladeira, que buscava receber o que acreditava ser seu direito, acabou levando o prejuízo. Foi condenada a pagar R$ 3,7 mil de multa por litigância de má-fé, equivalente a 5% do valor da causa. Além disso, a OAB de Concórdia foi oficiada para avaliar o caso da profissional.
Paulo Rolemberg
Fonte: @ndmais