Autos e vídeo ao final
• O
Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), por meio da 1ª Câmara Criminal,
anulou o julgamento do caminhoneiro Fábio Jean Pollyak, condenado a 13
anos e 9 meses de prisão por homicídio qualificado, após constatar que o juiz
presidente do júri
atuou de forma parcial, com postura semelhante à de um órgão acusatório,
comprometendo a imparcialidade do veredito. A decisão foi unânime e
determinou a realização de um novo júri e a imediata soltura do réu.
A defesa, conduzida pelo escritório
Dalledone & Advogados Associados (@dalledoneadvogados), liderado pelo advogado Cláudio Dalledone Júnior (@drdalledone), demonstrou, com base em
provas técnicas e gravações em vídeo do plenário, que o juiz havia
ultrapassado todos os limites de sua função constitucional. Entre os principais
argumentos destacados pela equipe estão a
quebra de imparcialidade, a violação ao sistema acusatório, a influência
indevida sobre os jurados, a supressão do direito de autodefesa e a nulidade
absoluta do julgamento.
Entenda o caso
O processo teve origem em Guarapuava (PR) e envolveu a acusação de homicídio
qualificado em decorrência de disparo de arma de fogo, que resultou na morte de
uma vítima sem relação com a briga anterior. O réu havia sido condenado pelo
Conselho de Sentença a 13 anos e 9 meses de reclusão. Após a condenação,
o escritório Dalledone & Advogados Associados assumiu a defesa e interpôs
recurso de apelação com base no artigo 593, inciso III, alínea “a”, do Código de
Processo Penal, alegando nulidade posterior à pronúncia, em razão da falta de
imparcialidade do juiz presidente durante o interrogatório do réu.
As
gravações apresentadas pela defesa comprovaram que o magistrado, ao conduzir o
interrogatório, pressionou o acusado a admitir intenção de matar e emitiu juízos
de valor sobre sua conduta, em diálogo direto com o réu perante os jurados. Em
trecho reproduzido no próprio acórdão, o juiz questiona:
“Quem sai de casa empunhando uma arma, no estado de raiva como o senhor
estava, sai com intenção de alisar, fazer carinho, de pedir desculpa, de
conversar? Então tá aí a intenção de matar, não é?”
O réu negou:
“Não, não senhor. Porque eu fui lá pra me defender.”
Diante da resposta, o magistrado insistiu:
“Então admita sua intenção de matar!”
Em seguida, a defesa interveio, pedindo que o interrogatório fosse encerrado:
“Excelência, pela ordem. O Fábio não vai mais responder pergunta porque não é
possível que ele entenda de tese. Ele é caminhoneiro. Então ele vai permanecer
calado.”
De acordo com os autos, as intervenções do juiz influenciaram
indevidamente a convicção dos jurados, que deveriam decidir de forma isenta. O
relator, desembargador substituto Sérgio Luiz Patitucci, ressaltou que o juiz
“assumiu postura semelhante à de um órgão acusatório”
e que
“a nulidade do julgamento é absoluta, exigindo a realização de novo
julgamento”.
Fundamentos da decisão
Em seu voto, o relator destacou que o juiz presidente do Tribunal do Júri não
pode emitir juízos de valor sobre a conduta do acusado nem
“lançar dúvidas quanto à veracidade de suas declarações e teses
defensivas”, pois isso compromete a imparcialidade do julgamento e afronta o sistema
acusatório.
O acórdão cita expressamente que
“as considerações do juiz presidente e sua manifestação ostensiva para que o
réu admitisse sua intenção de matar certamente influenciaram a decisão dos
jurados e prejudicaram a tese defensiva”. O relator ainda reproduziu trechos doutrinários e precedentes do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) que reforçam a necessidade de moderação na atuação
judicial durante o Tribunal do Júri:
“Os membros do Conselho de Sentença levam em grande conta as palavras
proferidas pelo juiz presidente, a pessoa que lhes parece mais imparcial,
razão pela qual a moderação é inafastável, sob pena de se colocar em risco a
própria soberania dos veredictos.”
Com base nesse entendimento, a 1ª Câmara Criminal reconheceu a
violação ao princípio do sistema acusatório e à garantia constitucional do
devido processo legal, declarando a nulidade absoluta do julgamento. Como
consequência, determinou a submissão do réu a novo Tribunal do Júri, com outro
magistrado na presidência, e a expedição de alvará de soltura, considerando que
a prisão estava vinculada à sentença anulada.
Considerações finais
Para a defesa, a decisão do TJPR representa um marco importante na proteção da
imparcialidade judicial e do devido processo legal. O advogado Cláudio Dalledone
Júnior enfatizou a relevância do precedente:
“O juiz não pode, em hipótese alguma, substituir o papel da acusação. Quando
isso acontece, o direito de defesa é violado e a própria essência do júri é
corrompida.”
O acórdão foi proferido em 18 de setembro de 2025 e teve votação
unânime dos desembargadores Gamaliel Seme Scaff, Miguel Kfouri Neto e Sérgio
Luiz Patitucci, relator do caso. A decisão reafirma a necessidade de postura
equidistante do magistrado durante o júri popular e reforça a jurisprudência
consolidada de que qualquer interferência indevida pode anular o julgamento, por
ferir o direito à autodefesa e a soberania dos veredictos.