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Os repasses foram realizados entre janeiro de 2023 e abril de 2025 em três transações da J&F para a sua empresa, T5 Participações Ltda, e depois transferidos para o lobista. Eles são citados entre diversas movimentações financeiras atípicas do empresário.
No relatório, as transações do empresário são descritas pelas instituições financeiras como indicações de lavagem de dinheiro e ocultação de origem ilícita dos recursos.
Questionada, a J&F disse que “não realizou nenhum pagamento à pessoa mencionada pela reportagem”. A empresa não esclareceu as circunstâncias dos repasses feitos à T5, conforme apontado pelo Coaf.
“Todos os pagamentos realizados pelo grupo seguem a legislação e as políticas de compliance da companhia.”
O lobista também foi procurado desde sexta-feira (3) para esclarecer o motivo do pagamento. Ele disse que se manifestaria por escrito, mas, depois de ser questionado sobre a J&F, parou de responder.
As movimentações da empresa de Trento, incluindo o pagamento da J&F, foram consideradas suspeitas. “O volume transacionado é desproporcional em relação à receita bruta anual esperada para empresas desse segmento, o que levanta questionamentos sobre a origem e a justificativa dos recursos”, diz o relatório.
“O alto volume de recursos movimentados em um curto período indica uma possível dissimulação patrimonial ou uso da empresa como fachada para atividades ilícitas.”
“A empresa recebeu um volume financeiro significativo de terceiros sem relação evidente com sua atividade principal, não pôde ser vinculada a transações comerciais legítimas, seja na condição de clientes ou fornecedores. A ausência de um fundamento econômico claro sugere a possível interposição de terceiros para ocultação da real origem dos valores, frequentemente utilizadas para dispersar recursos de origem duvidosa e dificultar sua rastreabilidade.”
Trento, que mora em São Paulo, tem envolvimento com diversos segmentos de negócios. Foi investigado pela CPI da Covid como diretor institucional da Precisa Medicamentos, empresa acusada de fraude na negociação da vacina indiana Covaxin.
Em sua oitiva na CPI, em 2021, foi apontado também que ele participava do lobby por um projeto de lei no Senado para legalizar cassinos no Brasil.
Agora, apareceu nas investigações sobre o INSS, especialmente pela ligação com o empresário Maurício Camisotti, que a PF considera sócio oculto da Ambec (Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos), uma das associações suspeitas de fraudar autorizações de aposentados para fazer descontos.
A PF suspeita que Trento atuasse no braço financeiro do esquema de desvios. Ele pagou uma viagem para um dos servidores do INSS investigados.
Do final de 2022 até hoje, instituições financeiras fizeram 30 comunicações sobre ele ao Coaf —as comunicações são obrigatórias para transações com alto risco de irregularidades.
Um banco em que Trento tem conta informou, por exemplo, que seu cliente recebeu recursos através de empresas de intermediação, um tipo de transação que costuma ser “amplamente explorada” em segmentos como criptoativos, jogos de azar e apostas.
A T5 estava no nome de Trento até março de 2024, quando foi transferida a uma pessoa chamada Francine da Rosa. Segundo instituições financeiras que fizeram comunicações ao Coaf, é uma possível laranja, já que sua renda é estimada em R$ 1,6 mil. O UOL não conseguiu entrar em contato com ela.
A CPI da Covid também tinha levantado suspeitas sobre as contas do lobista. De 2020 a 2021, ele movimentou R$ 2 milhões por mês, o que o Coaf caracterizou na época como uma “movimentação de recursos incompatível com o patrimônio, a atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira” dele.
O relatório final da comissão apontou a participação de Trento em fraude em contrato, participação em organização criminosa e improbidade administrativa, mas seu nome ficou de fora dos denunciados pelo MPF (Ministério Público Federal) no caso.
As movimentações financeiras mostram também que a T5 fez um pagamento de R$ 90 mil à TAP (Táxi Aéreo Piracicaba), empresa de fretamento de aeronaves suspeita de envolvimento com o PCC. A data dessa transação não é identificada.
Além disso, em 2024, o lobista enviou cerca de R$ 700 mil a uma conta do BK Bank, fintech que, segundo a Operação Carbono Oculto, da PF, era usada pela organização criminosa para lavar dinheiro. A origem do dinheiro “não é corroborada”, segundo o relatório. O próprio banco reportou as suspeitas.
“Em contato com o cliente, (Trento) informou que a operação questionada se refere ao recebimento de um contrato de mútuo (empréstimo), mas não apresentou documento que comprove a operação”, diz o documento do Coaf.
Ao BK, ele alegou um aumento nas suas movimentações em razão de R$ 1,3 milhão que teria recebido pela venda de sua participação na T5 Participações em 2024.
A Táxi Aéreo Piracicaba e o BK Bank foram procurados, mas não responderam. Sobre a Operação Carbono Ocuto, o BK Bank afirmou nesta semana ao UOL que não possui “qualquer relação com o crime organizado ou com as pessoas apontadas como investigadas”.
Outra ligação de Trento é com Gabriel Mascarenhas Sobral, investigado pela PF na Operação Overclean por suspeita de envolvimento com o desvio de recursos de emendas parlamentares. Ele pagou R$ 70 mil a Sobral em 2024.
Procurado, Sobral, que também é de São Paulo, disse que Trento é seu amigo, mas que nunca fez negócios com ele. Os R$ 70 mil podem ter sido para dividir as despesas de alguma viagem, especulou, dizendo não lembrar.
Fonte: Olhar Direto