O ex-refém entra no auditório diante de uma plateia de jovens. A luz forte das luminárias se soma à dos olhares das crianças. Bem diferente daquele ambiente sombrio e apertado dos túneis. De primeira, ele logo se sente bem à vontade ao ver um garoto com a camisa do Macabi Tel-Aviv, seu clube de coração. Omer Shem Tov, 22 anos, adora futebol e logo emenda:
“Já gostei daqui”, afirmou, logo no início da conversa.
Omer esteve no Brasil na última semana a convite de empresários, em uma visita discreta. Foi ao jogo do Santos contra o Juventude e pôde desfrutar um pouco de jantares nas casas dos anfitriões em São Paulo.
teve acesso ao conteúdo de sua palestra a alunos de uma das duas escolas judaicas em que foi para contar sua história. Sua fala serena revela sensatez ao lidar com as feridas causadas pelo drama, iniciado às 6h29 da manhã, quando o festival Nova estava próximo de se encerrar.
Ele estava na festa ao lado da amiga Maya Regev e do irmão dela Itay. Horas antes, conheceu Ori Danino, amigo de Maya. A madrugada foi de pura diversão, até que os terroristas invadiram o local.
“Estava me divertindo com meus amigos, de repente começamos a ouvir tiros, todos que estavam no local começaram a correr para todos os lados, nos perdemos.”
Atônito, ele não sabia para onde ir, até que alguém liga no celular. Odi havia fugido e conseguido pegar um carro. Ofereceu ajuda a eles. Omer, Maya e Itay entraram no carro.
“Odi ligou e veio nos buscar, quando entrei com Maya e Itay, ele se preocupava em que não fossemos alvejados e pediu para que ficássemos abaixados.”
A fuga foi frustrada, porque foram bloqueados por dois terroristas armados. Capturados, tiveram os olhos vendados. No carro, Maya conseguiu ligar para os pais e, pedindo perdão, dizia que iria morrer.
“Lembro do barulho que ouvimos ao chegar a Gaza e descer do carro”, conta o ex-refém. “Era um clima de comemoração. Eles estavam muito felizes, vibravam. Quando pude ver alguma coisa, vi que entre os que festejavam havia idosos e crianças.”
No total, ele ficou 504 dias em cativeiro. Omer foi libertado no cessar-fogo de março. Maya, que levou um tiro na perna e ficou ferida, e Itay foram libertados na primeira trégua, em novembro de 2023.
Ori foi assassinado quando as Forças de Defesa de Israel estavam próximas de resgatá-lo, em agosto de 2024. Junto com ele morreram os reféns Hersh Goldberg-Polin, Carmel Gat, Alexander Lobanov, Eden Yerushalmi e Almog Sarusi.
Omer transmite exatamente a mensagem de sua camiseta, coberta por uma jaqueta jeans: uma mensagem pela paz. Ele conduz com leveza a descrição de cenas tão torturantes. Contou que mudou várias vezes de local — de túnel . Todos apertados.
Era ofendido, foi cuspido pelos terroristas. Ficou dias sem comer. Quando a comida vinha, era escassa. Chegou a ser ameaçado de levar um tiro na cabeça caso não ajudasse a destruir um prédio, o que causaria a morte de vários soldados de seu país. Recusou-se.
Com o tempo, conseguiu dominar seus sequestradores por meio da mente. Como? Ajudando-os em tarefas simples, pegar objetos, fazer arrumações. Ganhou tanta confiança dos algozes que esteve na iminência de matá-los. Percebeu, certa noite, que todos dormiam. Teria acesso a uma arma para assassiná-los. Pensou em fazer, mas voltou atrás.
“Não seria a melhor decisão, percebi que poderia me prejudicar”, conta. “Voltei a dormir e evitei sentir arrependimento, fiz como se nada tivesse acontecido.”
No cativeiro, ele tinha acesso a informações sobre a guerra. Via pela TV várias cenas de manifestações, como cartazes que pediam o resgate dos reféns.
O jovem sabia que sua família também estava junto, mas não os via. Isso o incomodava.
“Era duro ver cartazes de vários reféns, menos o meu”, admite. “Eu sabia que pediam por mim também, mas não ver isso concretamente cortava o coração.”
Omer mantinha o pensamento firme mesmo quando era provocado.
“Quando eu não aparecia nas imagens, os sequestradores diziam: ‘Ninguém liga para você’.”
Assim que Maya e Itay foram libertados, o ex-refém também foi envolvido por sentimentos contraditórios.
“Fiquei feliz por eles”, conta Omer. “Mas me perguntei: ‘Quando será a minha vez?’. Foi difícil.”
Ex-refém usa conceitos do futebol
Alguns conceitos do futebol, de alguma maneira, o ajudaram. Principalmente no que diz respeito à importância da mentalidade vencedora. A cada dia, ele fazia uma espécie de preleção dos treinadores, para si.
“A força do pensamento foi fundamental, eu acreditava que ia sair de lá, foi isso que me manteve vivo.”
Filho de Malki Shem Tov, homem de origem portuguesa. e de Shelly, Omer ainda tem um irmão e uma irmã. Dias antes de ser libertado, percebeu que estava sendo melhor alimentado. Depois soube que era para que não desse sinais de que passara fome.
“Senti que algo aconteceria quando começaram a me dar mais comida.”
Depois que foi libertado, ele se tornou uma celebridade. O rapaz nunca imaginaria que dividiria a fama ao tirar fotos com ídolos do futebol como Neymar, Ronaldo e Haaland. Aparece sempre vestido com a camisa de algum time. Segundo a Associated Press, sua “recém-descoberta fama” se tornou “não desejada e, por vezes, perturbadora”.
Omer sabe que o seu drama pessoal faz parte do passado. Mas não o de outros reféns que continuam sob domínio do grupo terrorista. É por isso que ele viaja pelo mundo. Para conscientizar as pessoas de que o terror não pode ser tolerado.
“Eu sou um homem livre”, comemora. Mas, em seguida, mostra que seu alívio não é completo. E exibe a hashtag. “Until The Last Hostage.” Até o último refém.
Fonte: revistaoeste