Você aceitaria um emprego em outra cidade onde não conhece ninguém? E se soubesse que uma amiga já está lá? A decisão provavelmente seria mais fácil.
Para gorilas-das-montanhas fêmeas, a lógica parece ser a mesma: ao deixar seu grupo natal, elas tendem a buscar antigas companheiras – mesmo após anos separadas.
Essa descoberta vem de um estudo publicado na revista Proceedings of the Royal Society B, conduzido por cientistas da Universidade de Zurique em parceria com o Dian Fossey Gorilla Fund, organização que monitora gorilas selvagens em Ruanda, na África. A pesquisa analisou mais de duas décadas de dados sobre o comportamento de 56 fêmeas no Parque Nacional dos Vulcões.
A dispersão – o ato de deixar o grupo natal para ingressar em outro – é comum em muitas sociedades animais e tem funções evolutivas importantes: evita a endogamia (cruzamentos entre parentes próximos), promove a diversidade genética e ajuda a moldar a estrutura social da espécie.
O processo não é aleatório. A nova pesquisa mostra que elas escolhem com cautela para onde ir e quem querem reencontrar.
“Como as gorilas-das-montanhas fêmeas não sabem com certeza quem são seus pais, elas podem confiar em uma regra simples como ‘evitar qualquer grupo com machos com quem cresceram’, pois a probabilidade de eles serem parentes será maior do que com machos com quem não cresceram”, explicou Victoire Martignac, doutoranda da Universidade de Zurique e autora principal do estudo, em comunicado.
Com o tempo, elas se familiarizam com muitos indivíduos de diferentes grupos, mas a escolha de um novo coletivo envolve as relações passadas. “Elas evitam apenas os machos com os quais cresceram [e não as fêmeas]”, afirmou Martignac. “Isso realmente nos diz que não é apenas quem elas conhecem que importa, mas como elas os conhecem.”
A escolha também envolve fatores sociais. Mudar de grupo significa recomeçar do zero na hierarquia. As recém-chegadas costumam ocupar posições mais baixas e podem enfrentar hostilidade das fêmeas residentes. Ter uma conhecida por perto ajuda a suavizar esse processo.
“Essa transição pode ser bastante assustadora. Uma fêmea familiar pode oferecer suporte social”, explicou Robin Morrison, coautora do estudo, em nota.
“Também pode funcionar como uma recomendação de um amigo – se uma fêmea conhecida optou por permanecer naquela formação, isso pode indicar aspectos positivos sobre o coletivo como um todo ou sobre o macho dominante que o lidera.”
Os pesquisadores argumentam que esse padrão sugere que os bandos de gorilas não são sistemas isolados, mas parte de uma rede social mais ampla, com vínculos que ultrapassam as fronteiras de cada formação.
“Isso reflete um aspecto fundamental das sociedades humanas: a existência de fortes laços entre diferentes grupos sociais”, destacou Martignac. “Como humanos, estamos constantemente nos deslocando entre empregos, cidades e grupos sociais. Fazemos isso com tanta facilidade que esquecemos o quão incomum é essa flexibilidade no reino animal.”
Robert Seyfarth, professor emérito da Universidade da Pensilvânia, que não participou da pesquisa, ressaltou à NPR o ineditismo da descoberta. “Embora isso pareça óbvio em humanos, não havíamos conseguido documentar isso em primatas não-humanos até agora”, disse.
Segundo ele, o fato de as fêmeas considerarem a composição dos grupos antes de ingressar neles “levanta a possibilidade de que os grupos tenham relações interessantes entre si. Alguns são mais unidos do que outros, e isso cria uma espécie de comunidade”.
Essas conexões só puderam ser identificadas graças ao trabalho de campo de longo prazo realizado pela organização Dian Fossey Gorilla Fund, que monitora gorilas selvagens desde 1967. A longevidade do projeto permitiu rastrear com precisão os deslocamentos e laços sociais entre indivíduos ao longo de décadas.
“Ser capaz de estudar a dispersão, rastrear não apenas a origem dos indivíduos, mas também para onde eles vão, e construir toda a sua história social com tantos detalhes – tudo isso só é possível graças a décadas de coleta de dados”, afirmou Tara Stoinski, presidente e diretora científica da organização, em comunicado.
“Com apenas alguns anos e alguns grupos, todos esses vínculos intergrupais e redes extensas seriam invisíveis para nós”, acrescentou.
Para as autoras da pesquisa, observar como os gorilas mantêm conexões ao longo do tempo ajuda a compreender aspectos profundos da nossa própria história evolutiva.
“Acho que isso realmente mostra que a dispersão não resulta na perda de relacionamentos, mas pode, na verdade, permitir que os indivíduos preservem vínculos antigos”, disse Martignac à NPR. “E esses laços podem ajudá-los a navegar por essa rede social complexa.”
Fonte: abril