Entre os que aceitaram falar, foi unânime o relato: ninguém conseguiu recuperar a renda de antes da tragédia. Para alguns, o faturamento atual chega a, no máximo, 50% do que era há um ano. Para outros, não passa de 20%. Diante das dificuldades, quase todos contraíram dívidas que ainda não foram quitadas.
Camila Tauffer, de 29 anos, que na época era gerente de uma das lojas de acessórios para celular da mãe, contou que recebeu a notícia ainda de madrugada. “Fomos acordadas às 3h da manhã e achamos que, ao chegar aqui, ainda encontraríamos alguma coisa. No caminho, eu só pedia misericórdia. E ela [uma amiga] me ligou e disse: ‘Está tudo no chão’. É muito difícil. São anos lutando para melhorar de vida e, quando chegamos, não havia mais nada, só as cinzas”, relatou. Naquele momento, Camila sonhava em abrir a própria loja e expandir o negócio da família.
— Leiagora Portal de Notícias (@leiagorabr) July 15, 2025
Ana Flávia, de 21 anos, filha de um casal de lojistas com mais de 25 anos de história no shopping, também viu tudo virar fumaça. “Minha infância foi lá”, contou. Segundo ela, toda a mercadoria foi perdida, e a família só conseguiu recomeçar graças a uma reserva de emergência que foi usada para comprar novos produtos.
Elizete Fernandes, de 62 anos, é uma das comerciantes mais antigas do local e vendia roupas infantis ali desde 1995. “Foi um susto, uma tragédia muito grande, porque, querendo ou não, era a nossa casa. Quando fomos acordados, por volta das 2h30, ficamos sem chão. As chamas já estavam altas. Pensamos que ainda daria para salvar alguma coisa, mas não foi possível. Só conseguimos assistir. Aquilo nos machucou muito. Doeu demais, porque é uma vida inteira. Ver tudo o que você construiu queimando e se perdendo é muito difícil”, desabafou.
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Outro pioneiro, seu Mineirinho, de 71 anos, preferiu não ir ao local enquanto o incêndio acontecia. “Eu vou ser sincero, não quis ver. Queria guardar a lembrança do shopping funcionando”, disse o idoso, que hoje depende mais da aposentadoria de um salário mínimo e da ajuda da filha do que dos lucros do comércio.
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Nos meses seguintes ao incêndio, comerciantes se reagruparam nas proximidades da Avenida Beira Rio e voltaram a trabalhar em estruturas improvisadas, muitas vezes apenas com uma mesa, uma tenda e caixas de papelão para guardar a mercadoria. Foram cinco meses assim. “Não foi fácil, mas graças a Deus tivemos forças para passar por esse período e hoje estamos aqui”, compartilhou Elizete. “Por incrível que pareça, ali ainda havia alegria, havia esperança”, disse Ana Flávia.
Por sorte — ou por intervenção divina, como acreditam —, a família de Camila Tauffer havia perdido um dos boxes pouco antes da tragédia e, por isso, estocou uma grande quantidade de mercadoria em casa. Duas semanas depois, o incêndio ocorreu, e foi esse estoque que permitiu que continuassem vendendo nas ruas. “Eu falo que foi o cuidado de Deus”, afirmou Camila.
Para Mineirinho, no entanto, o período foi ainda mais duro. Pouco antes do incêndio, ele vendeu o carro para investir em mercadorias. Mas, por causa do glaucoma, trabalhar ao ar livre, sob o sol forte, agravou sua condição. Com receio de perder a visão, precisou deixar o comércio temporariamente. Só voltou em dezembro de 2024, quando foi inaugurado o novo barracão, uma estrutura mais digna, com containers, energia elétrica e ventilação.
Ainda hoje, muitos não conseguiram retomar seus negócios.
Entre os entrevistados, a crítica mais constante foi ao abandono por parte do poder público. Após o incêndio, diversos políticos prometeram apoio para a reconstrução do shopping, mas logo recuaram. “A gente não teve ajuda de nenhum político. Tudo isso aqui foi a gente que fez. Até onde sei, ninguém ajudou”, disse Ana Flávia. “Aqui fazia fila de político para te abraçar, prometendo ajuda. Tiraram foto, fizeram a propaganda deles… e até hoje, nenhum voltou”, desabafou Mineirinho.
Aqueles que conseguiram se reerguer reconhecem que só foi possível graças à solidariedade dos fornecedores, que, mesmo sem receber pelos produtos perdidos, continuaram enviando mercadorias. Muitos também contaram com apoio financeiro de familiares e amigos.
Apesar das perdas — que, para alguns, ultrapassam os R$ 300 mil — todos os empreendedores que aceitaram falar com a reportagem do demonstraram um otimismo admirável. Frases como “bola pra frente”, “o que passou, passou” e “não tinha o que fazer, então arregaçamos as mangas e fomos atrás do nosso sustento” se repetiram ao longo das entrevistas.
Aos 71 anos, seu Mineirinho segue acreditando em dias melhores. “Eu vivo de esperança, e o comércio também vive de esperança. E a gente continua vivendo. Parar não pode, porque aí piora. Tudo o que sobrou pra gente foi isso aqui. Então é aqui que a gente vai viver e investir.”
Segundo Ana Flávia, no momento em que soube do incêndio, sua mãe tentou manter a calma e dar forças à família: “Já foi. Deus vai cuidar de tudo. Deus nunca desamparou a gente até aqui. E, desde então, foi só Deus […]. No mesmo dia, a gente já saiu pra caçar um jeito de trabalhar.”
De acordo com o presidente da Associação do Shopping Popular, Misael Galvão, a nova estrutura já está com 85% da fundação pré-moldada concluída. A previsão de entrega é abril de 2026.
Fonte: leiagora