“Gatos brancos, se têm olhos azuis, são quase sempre surdos.” Quem escreveu essa máxima foi o cientista pai da teoria da evolução, Charles Darwin, em 1868, no seu livro “The Variation of Animals and Plants under Domestication” (A Variação dos Animais e das Plantas sob Domesticação, sem edição em português).
Assim como Darwin, outros cientistas já observaram a associação entre o pelo branco e a surdez em algumas espécies, principalmente caninos e felinos. Esse é um fenômeno complexo que tem sido estudado há séculos.
Na verdade, nem todos os gatos brancos são surdos – mas a prevalência da surdez é muito maior entre eles do que entre outros grupos; e maior ainda entre os brancos com olhos azuis.
Vamos começar do começo: todos os gatos nascem surdos. Mas isso não é nenhuma condição patológica. Quando tudo corre bem, eles desenvolvem a audição gradualmente a partir da primeira semana de vida. Assim como os humanos, para que eles possam ouvir, as ondas de som precisam atingir a cóclea (o ouvido interno) e estimular células ciliadas e receptores sensoriais.
Há quem não consiga escutar por causa de problemas na transmissão do som até a cóclea — o que chamamos de perda auditiva condutiva. Já quando há danos nas células sensoriais da cóclea ou no nervo auditivo, temos a perda auditiva neurossensorial.
A surdez dos gatos brancos é de outro tipo, chamada de sensorial: eles não têm as células ciliadas sensoriais, e não conseguem fazer a parte de “traduzir” as vibrações que atingem a cóclea. Esses gatos têm uma degeneração hereditária na cóclea que provoca um efeito dominó de consequências negativas para a audição.
Os humanos também podem sofrer com a perda auditiva sensorial congênita, bem parecida com a dos gatos brancos. Assim, eles são excelentes para estudos sobre a condição e possíveis tratamentos. Os pacientes com esse tipo de surdez podem se beneficiar do uso de próteses ou implantes cocleares – cujos testes em gatos brancos foram significativos para o desenvolvimento.
Por isso, existem colônias colônias de gatos brancos mantidas especificamente para pesquisas científicas sobre a surdez. Com isso, sabemos hoje que a surdez é uma herança autossômica, não-mendeliana, mas mais semelhante a padrões recessivos do que dominantes.
Se você não se lembra dos detalhes das aulas de genética, não tem problema. Em resumo, isso quer dizer que provavelmente vários genes estão envolvidos na surdez congênita dos gatos brancos.
Nessas colônias, por exemplo: caso o pai e a mãe sejam gatos brancos surdos, cerca de 70% dos filhotes serão também. Os outros 30% podem ouvir só de um lado, ou com dificuldades, ou até perfeitamente.
Para confirmar a surdez, os cientistas podem utilizar vários métodos. “Um dos métodos objetivos menos invasivos aplicáveis em gatos é a medição das respostas do tronco cerebral evocadas auditivamente”, explica um guia rápido sobre o assunto, escrito por especialistas para a revista científica Current Biology. É de lá que a maioria das informações deste texto foi retirada.
“Esse método detecta pequenas alterações no campo elétrico evocadas pela estimulação da via auditiva pelo som e pode ser realizado sob sedação usando pequenos eletrodos de prata colocados subcutaneamente.”
Mas não confunda! Os gatos brancos surdos não são albinos. O albinismo implica na ausência de melanina, e gatos albinos têm olhos muito, muito claros, e não no mesmo tom de azul que é comum nos gatos surdos. Também não há nenhuma relação com ser ou não siamês.
Em geral, os gatos brancos surdos não têm outras complicações fisiológicas. A maioria tem comportamento normal, sem prejuízos para os sistemas somatossensorial, motor ou visual. Na verdade, alguns deles têm a visão até melhor do que outros gatos, presumivelmente para compensar a perda da audição – assim como também acontece com alguns humanos.
Fonte: abril