Via @portalmigalhas | As notícias sobre o juiz que usou nome falso por mais de 40 anos tomou conta do noticiário. Apesar da identidade falsa – com o curioso nome Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield -, o homem, no entanto, não é um falso juiz: ao que parece, José Eduardo Reis, de fato, estudou na Faculdade de Direito da USP e foi aprovado em concurso para a magistratura.
Bem diferente foi o caso ocorrido na década de 1950, na cidade de Porto Murtinho, Mato Grosso do Sul. Na ocasião, um homem se fez passar por juiz, realizou cerimônia de posse e, por alguns dias, exerceu o cargo sem ser descoberto. Uma história digna de filme – Prenda-me se for capaz? – que entrou para o anedotário da Justiça mato-grossense. Confira abaixo.
O ano era 1958 quando um indivíduo que se apresentava pelo nome de Salvador Pacheco chegou na cidade em 20 de outubro dizendo ter sido nomeado para o cargo de Juiz de Direito Substituto.
Para sua posse, já no dia seguinte, solicitou que fossem convidadas as autoridades locais. Assim, no dia 21 de outubro de 1958, às 15h, foi realizada a cerimônia da posse do pretenso Juiz, no clube dos Caiçaras (foto acima).
Na ocasião, o falso julgador recebeu os votos de boas-vindas do promotor de Justiça, do prefeito municipal, do representante da OAB e de outras autoridades presentes.
Realizaram discurso o prefeito de Porto Murtinho e o advogado Hermínio Baptista de Azeredo.
Logo após tomar posse, o farsante passou a despachar nos processos em andamento, chegando até a realizar sorteio de jurados e convocá-los para a Sessão do Júri, que designou para o dia 24 de novembro.
No dia 3 de novembro de 1958, dizendo ter sido convocado com urgência pelo governador, o falso juiz requisitou uma viatura ao Comando da 2ª Cia de Fronteira, bem como solicitou ao Escrivão do 1º Ofício dois revólveres pertencentes ao Cartório Criminal (seria um para si e outro para o motorista).
Para esta “missão”, ainda levou 20 mil cruzeiros de um funcionário estadual e de um advogado, jurando que devolveria em seu retorno.
Porém, quando ele estava em Jardim, o Promotor de Justiça de Porto Murtinho descobriu a farsa. Através de um telegrama, o juiz (verdadeiro) Cesariano Delfino César avisou a promotoria de Porto Murtinho que Salvador não era juiz, mas sim um “audacioso vigarista, cujas atividades criminosas deveriam ser reparadas energicamente”.
(Imagem: Reprodução – TJ/MS)
Prefeito discursa em posse de falso juiz em Porto Murtinho/MS. (Imagem: Reprodução – TJ/MS)
Advogado discursa em posse de falso juiz, Porto Murtinho/MS.(Imagem: Reprodução – TJ/MS)
Assim, tomou providências para que fosse efetuada a prisão do usurpador.
Após a captura, Salvador Pacheco foi apresentado ao Juiz de Direito de Aquidauana, que determinou que o homem fosse escoltado até Campo Grande, onde deveria ser encaminhado ao Sub-Chefe de Polícia do Sul do Estado.
Porém, em uma das estações no meio do caminho, ele fugiu. E nunca mais foi capturado.
Jornal noticia caso do falso juiz em Porto Murtinho/MS.(Imagem: Reprodução – TJ/MS)
A narrativa parece improvável, mas o histórico processo de “usurpação da função pública” está documentado pelo TJ/MS.
- Veja a íntegra do processo contra Salvador Pacheco.
A partir daí, o processo contra Pacheco foi instaurado, e ele chegou a ser intimado, mas, em vez disso, encaminhou telegramas zombando do Judiciário local.
Em um deles, chamou a Justiça de “desmoralizada”.
“Desmoralisada justiça matogrossense impossível presença julgamento fica outra oportunidade abraços
Dr Salvador Pacheco”
Em telegrama, falso juiz zomba da Justiça: “desmoralizada”.(Imagem: Reprodução – TJ/MS)
No outro, disse que não poderia comparecer ao julgamento pois tinha “outros compromissos”.
Em telegrama, falso juiz diz que não comparecerá a julgamento pois tem “outro compromisso”.(Imagem: Reprodução – TJ/MS)
O defensor dativo do falso juiz, Raulino José de Macedo, pediu a absolvição, reforçando a falha do sistema judiciário. “O que houve foi apenas um cochilo das autoridades locais”. Ele ainda diz que a decisão servirá de exemplo às autoridades do Estado a evitarem que qualquer charlatão assuma os mais altos cargos.
Defesa de falso juiz diz que caso foi “cochilo das autoridades”.(Imagem: Reprodução – TJ/MS)
Demonstrando a revolta dos enganados, nas alegações finais apresentadas pelo Ministério Público em 1959, o promotor de Justiça Cesar Fróes disse que o denunciado deveria ser julgado como na Roma antiga:
“Não fosse o sagrado regime do nosso querido e grande Brasil – Celeiro de hospitalidade, benevolência e lhanura – e, ainda, pelas garantias conferidas mesmo aos bárbaros criminosos, pela nossa Carta Magna, (…) o acusado Salvador Pacheco deveria ter um julgamento como fazia Néro, na velha Roma, atirando os seus desafetos na arena, afim de serem estraçalhados e devorados por famintos leões.”
Promotor diz que falso juiz deveria ser julgado como na Velha Roma.(Imagem: Reprodução – TJ/MS)
No processo, ainda há registro de que o farsante também tomou posse como juiz de Direito também na comarca de Rio Brilhante. Veja foto:
Em sentença do dr. Hilton Coelho de Brito Filho, juiz de Direito da comarca de Porto Murtinho, o falso juiz foi condenado a dois anos e oito meses de reclusão, e multa de dois mil cruzeiros.
Sentença condena falso juiz de Porto Murtinho/MS.(Imagem: Reprodução – TJ/MS)
O homem, por sua vez, não foi encontrado. Em 1974, o processo foi arquivado, restando apenas a história no anedotário da Justiça sul-matogrossense.
Em 63, oficial de Justiça não encontra falso juiz para cumprir mandado de prisão.(Imagem: Reprodução – TJ/MS)