A Rússia adotou uma estratégia inédita para interferir no processo eleitoral da Romênia: intensificou suas ações no TikTok, rede social chinesa usada geralmente por jovens e adolescentes. Em publicação no Twitter/X, Rodrigo da Silva, ex-diretor-geral do Spotniks, explica como o Kremlin busca ampliar sua influência na terra do Conde Drácula.
Antes, é importante trazer à superfície o contexto histórico da relação entre os dois países. Por décadas, no período da extinta União Soviética, a Romênia foi aliada de Moscou. Todavia, tornou-se pró-Ocidente a partir da execução do ditador Ceaușescu, no Natal de 1989.
Por fazer parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e da União Europeia, a Romênia é um país importante para o governo de . No último fim de semana, o país organizou o primeiro turno de suas eleições presidenciais.
Como a Rússia está usando uma rede social chinesa para tentar um golpe na terra do Conde Drácula – e por que essa história revela o quanto a nossa geração está bem mais fodi#% do que imagina.
A thread:
— Rodrigo da Silva (@rodrigodasilva) November 29, 2024
Localizada no sudeste europeu, a Romênia fica na região dos Bálcãs — historicamente um ponto central de competição entre potências do Oriente e do Ocidente. O país tem uma costa de 245 km no Mar Negro e faz fronteira com cinco países: Ucrânia, Hungria, Bulgária, Sérvia e Moldávia.
Há especulações de que a Moldávia, com quem a Romênia tem laços fortes, inclusive o idioma, seja o próximo alvo de invasão da Rússia. A justificativa seria a Transnístria, um território oficialmente moldavo, sob domínio russo, na divisa com a Ucrânia.
“Se conquistar a Moldávia é uma ambição do Kremlin, a influência da Romênia é um grande obstáculo”, escreveu o editor do Spotniks. Esse desafio ocorre porque a terra do Conde Drácula apoia a integração da Moldávia à União Europeia.
A presidente moldava, Maia Sandu, é pró-Ocidente. Ela estudou em Harvard e trabalhou no Banco Mundial. As eleições que a reelegerem, em outubro, também tiveram votação pela entrada do país na União Europeia. As duas pautas saíram vitoriosas, mas não sem o desafio da interferência russa.
Segundo a Justiça da Moldávia, até o começo de outubro, mais de 130 mil eleitores do país — cerca de 10% do eleitorado — receberam pagamentos da Rússia para votar contra as duas pautas.
No total, as autoridades moldavas alegam que a Rússia gastou cerca de US$ 100 milhões em 2024 para influenciar os processos eleitorais. A Moldávia é um dos países mais pobres da Europa, com salário bruto médio de € 641 por mês. A polícia local também revelou a descoberta de um programa no qual pelo menos 300 moldavos foram levados à Rússia para passar por treinamentos para organizar tumultos e distúrbios civis.
A interferência russa deu errado, mas por pouco. Maia venceu o candidato pró-Rússia, com margem acima dos 10%, mas a adesão à União Europeia venceu por pouco, em um placar de 50,39% a 49,61%. Agora, a Moldávia espera aderir à União Europeia até 2030.
A Romênia está numa posição privilegiada para o Ocidente e hoje é um dos pilares do escudo europeu oriental da , ao lado de Polônia, Estônia, Letônia e Lituânia. O território romeno abriga a Base Militar Deveselu, que hospeda o Sistema de Defesa de Mísseis Balísticos Aegis Ashore, da Marinha norte-americana.
Embora potências ocidentais insistam que esse sistema tem um caráter defensivo contra ameaças de fora da Europa, como o Irã, o Kremlin o acusa de ser projetado para neutralizar o poder militar russo na região.
#Kremlin: Vladimir Putin and President of Belarus Alexander Lukashenko discussed developments in Ukraine https://t.co/rgwKylJnjo pic.twitter.com/HodBlJrNSN
— President of Russia (@KremlinRussia_E) March 11, 2022
Além de fazer fronteira com uma série de países, a Romênia é um país estratégico graças à sua posição no Mar Negro. A Rússia enxerga essa região como essencial para a segurança nacional e para capacidade de influenciar os Bálcãs, o Cáucaso e o Oriente Médio.
O Mar Negro consiste em uma rota vital para o comércio e a projeção militar russa no Mediterrâneo, por meio do Estreito de Bósforo, na Turquia. A Rússia hoje consolida presença na região através da Crimeia, território ucraniano anexado por Moscou em 2014. Fica na Crimeia a Base Naval de Sebastopol.
Já a Romênia abriga a Base Aérea Mihail Kogălniceanu, próxima ao Mar Negro, usada pelas forças da Otan. Durante a guerra na Ucrânia, essa base serve como um centro logístico e operacional — um ponto de apoio para tropas e equipamentos — e se tornou a maior base da Otan na Europa.
O candidato pró-Rússia, Calin Georgescu, ficou em primeiro lugar no primeiro turno, com 22,94%. A grande questão é que a ascensão de Georgescu não faz sentido, diz Rodrigo da Silva. O candidato apareceu com 1% de intenção de votos em algumas pesquisas e ficou em quinto lugar na última pesquisa da AtlasIntel.
Além de não ser filiado a nenhum partido, Georgescu concentrou sua campanha no TikTok, da chinesa ByteDance.
Georgescu viu seu número de seguidores no TikTok ultrapassar os 450 mil. Ele obteve milhões de visualizações e 5 milhões de curtidas em um país com 19 milhões de habitantes. Seus apoiadores on-line recebiam materiais pelo aplicativo de mensagens Telegram, prontos para serem compartilhados como comentários no TikTok e em outras redes sociais.
“Vi TikToks de futebol com comentários que diziam Vote em Calin Georgescu”, contou Catalin Olaru, um eleitor de 21 anos, à agência AFP.
Os vídeos de campanha de Georgescu no TikTok alcançaram mais de 52 milhões de visualizações em apenas quatro dias, de maneira a mobilizar o público jovem.
O Conselho Supremo de Defesa Nacional da Romênia afirmou que o TikTok deu a Georgescu “tratamento preferencial”, o que resultou em sua “exposição maciça”. O TikTok negou as acusações de ter favorecido Georgescu.
O Conselho Supremo de Defesa da Romênia acusou o TikTok de promover a candidatura de Georgescu. O Estado pediu a suspensão do aplicativo.
A Romênia também diz ter sofrido ataques cibernéticos com o objetivo de influenciar a correção do processo eleitoral na votação do último domingo, 24. As autoridades romenas relataram um interesse crescente por parte da Rússia em influenciar a agenda pública na sociedade romena.
O segundo turno ocorrerá em 8 de dezembro. Se Georgescu vencer, colocará a Romênia ao lado de Hungria e da Eslováquia como uma força russa na região. E o país será mais um líder pró-Putin na União Europeia e na Otan, ao lado do húngaro Viktor Orbán.
Para o diretor do Spotniks, a situação mostra como as redes sociais se tornaram ativos políticos e geopolíticos extremamente poderosos.
Fonte: revistaoeste