Os grandes ursos polares podem facilmente caminhar de 30 kma 80 km por dia. Até então, esses ultramaratonistas nunca tinham reclamado das longas jornadas. Mas um novo estudo revelou que as mudanças climáticas estão causando alterações no gelo ártico – e machucando as patas desses animais.
A pesquisa, publicada no jornal científico Ecology, analisou duas populações residentes das áreas mais ao norte do planeta, no leste da Groenlândia e no Canal de Kane – região entre o nordeste do Canadá e o noroeste da Groenlândia. No total, cerca de 185 ursos foram observados.
Em dois casos extremos, os autores registraram pedaços de gelo de 30 cm (mais ou menos do tamanho de um prato) presos nas patas dos ursos, causando cortes profundos e sangrentos que impediam que os animais caminhassem.
Além das patas, foram registradas lacerações no corpo e na pele, queda de pelos e acúmulo excessivo de gelo na pelagem.
Os pesquisadores sugerem que as mudanças climáticas podem ser as grandes culpadas pelos machucados dos ursos. No Ártico, as temperaturas aumentam três vezes mais que a média anual global.
Kristin Laidre, professora da universidade de Washington e uma das autora do estudo, explica: “Por mais estranho que pareça, o aquecimento climático leva a ciclos de congelamento e degelo mais frequentes, além de mais neve molhada, e isso leva ao acúmulo de gelo nas patas dos ursos polares.”
As observações foram feitas entre os anos de 2012 e 2022. Na população da Bacia de Kane, 31 dos 61 ursos polares mostraram algum tipo de ferimento relacionado ao gelo. Enquanto isso, na segunda família observada, 15 dos 124 ursos tiveram feridas similares.
“Eu nunca tinha visto isso antes”, disse Laidre em comunicado. “Os dois ursos mais afetados não conseguiam correr, nem andar com facilidade. Ao imobilizá-los para pesquisa, retiramos com muito cuidado as bolas de gelo. Os pedaços de gelo não ficaram apenas presos no pelo. Eles estavam colado à pele, e quando apalpávamos as suas patas, era evidente que os ursos estavam com dor.”
Para saber se isso era comum em outras populações, o grupo de Laidre converso com indígenas locais e analisou outros artigos publicados. Todas as respostas encontradas indicaram que era um fenômeno atual, que não existia antes. Porém, não exclusivo dos ursos: alguns caçadores nativos da região disseram que já tinham visto situações similares com cães de trenó.
Os ursos polares têm pequenos “inchaços” nas patas que ajudam a fornecer tração em superfícies escorregadias, mas também facilitam o congelamento da neve úmida nas patas e o acúmulo de gelo – parecido com o que acontece com os cachorros.
“É comum que bolas de gelo se acumulem nas costas dos ursos quando as condições são frias. Porém, bolas de gelo nas patas são muito menos comuns e são necessárias algumas condições incomuns para que elas ocorram”, disse o ecologista Andrew Derocher, pesquisador da Universidade de Alberta, que não esteve envolvido no estudo, à National Geographic.
Como o gelo está machucando os ursos polares?
Os cientistas sugerem três possíveis causas para esse fenômeno. A primeira é que as altas temperaturas causam o derretimento rápido do gelo, mas essa água congela novamente em uma espécie de crosta dura. Quando os ursos andam por cima delas, rompem essas placas e cortam as patas nas pontas afiadas.
Outra sugestão seria que mais chuvas estariam acontecendo na região, resultando em uma neve úmida, que gruda nas patas dos grandões e re-congelam quando as temperaturas caem novamente.
Por fim, a terceira hipótese está relacionada com a área em que as duas populações vivem. Ambas as famílias são encontradas em regiões onde os glaciares encontram o mar. O aquecimento desses espaços gera um gelo fino, que permite que a água do mar penetre na neve. Quando os ursos caminham por cima dessa neve, ela gruda nos pés dos animais e congelam em formato de bola de neve.
Essa última ideia faria sentido, já que ao contrário de outras áreas, os ursos polares que vivem nas bordas das geleiras raramente nadam longas distâncias na primavera – o nado ajudaria a descongelar pedaços de gelo acumulados porque a água é mais quente que o ar, prevenindo as lesões.
Laidre disse que ainda não é possível concluir como esses acontecimentos podem afetar o nível populacional da espécie.
Fonte: abril