Em 29 de setembro, São Paulo e Corinthians duelaram no estádio Mané Garrincha, em Brasília, diante de 25.888 pessoas.
O clássico teve metade do público presente no mesmo dia na sede da comunidade Canção Nova, em Cachoeira Paulista (SP). Segundo os organizadores, 50 mil pessoas superlotam o Centro de Evangelização e arredores. À frente deles, estava Gilson da Silva Pupo Azevedo. O Frei Gilson.
Era a celebração de encerramento da Quaresma de São Miguel. Nos 39 dias anteriores, das 4 às 6 da manhã, Frei Gilson vinha rezando o rosário em transmissões ao vivo no Instagram, no YouTube e no Facebook. As lives reuniram chegaram a atingir 700 mil pessoas simultaneamente.
Não há como negar que Frei Gilson é o pregador católico mais popular do momento na internet. Ele tem 5,5 milhões de inscritos em seu canal no YouTube e 5,7 milhões de seguidores no Instagram— para efeitos de comparação, a conta oficial da Igreja Universal do Reino de Deus tem 1,4 milhão de seguidores no Instagram e o padre Marcelo Rossi tem 3,5 milhões de inscritos no YouTube.
Quem é Frei Gilson
Frei Gilson nasceu em São Paulo, em 1986. Filho de pais separados — e que não participavam ativamente de qualquer religião — ele foi criado pela mãe e pela avó. Quando ele tinha nove anos, sua mãe passou a frequentar a Igreja Católica e colocou o filho na catequese.
Aos 11 anos, por imposição materna, ele começou a tocar violão no grupo de oração liderado pela mãe na favela de Paraisópolis. Até então, ele não tinha qualquer interesse especial pela Igreja. Ele considera que sua conversão genuína se deu aos 13 anos.
Dois anos antes, o garoto aficcionado por futebol também havia se convertido de palmeirense em santista, encantado pelo time de Robinho e Diego.
Aos 18 anos, ele ingressou na comunidade dos Freis Carmelitas Mensageiros do Espírito Santo, na capital paulista. Lá, ele se tornou frei. Depois de estudar teologia, também passou a ser padre e foi designado para liderar a Paróquia Nossa Senhora do Carmo, na região do Grajaú, em São Paulo.
Paralelamente, Frei Gilson continuou se dedicando à música. Ele formou o grupo Som do Monte, que se tornou um sucesso com músicas bem-produzidas e com sonoridade semelhante à do grupo evangélico australiano Hillsong: melodias emotivas, acompanhadas por piano e teclado, intercaladas por pequenos trechos de pregação.
Depois de nove anos, conforme o público aumentava, Frei Gilson deixou o posto na paróquia para participar mais regularmente das ações de evangelização na TV Canção Nova.
Mensagem simples e clara
De certa forma, Frei Gilson destoa de outros religiosos que se tornaram celebridades. Ele sempre veste o hábito marrom em vez de roupas da moda. Não há sinais de que o sacerdote tenha feito harmonização facial. Como frei carmelita, ele fez um voto de pobreza ainda mais radical do que o dos padres que não pertencem à ordem religiosa: ele não tem bens ou conta bancária.
O Frei Gilson prega com um de voz gentil, mas não cai na tentação de flexibilizar a mensagem para soar mais “inclusivo”. A quem lhe pergunta, o frei diz que o aborto é um pecado grave, que as pessoas com inclinação homossexual devem se manter em castidade e que Jesus é o único caminho para a salvação. Entre uma canção e outra, ele por vezes proclama que o Brasil não sucumbirá à “ideologia de gênero”.
Mas a política é um tema secundário para Frei Gilson. Sua predileção é pelas Escrituras. Em suas pregações, Frei Gilson faz referências constantes à Bíblia. Já nos primeiros minutos da pregação que marcou o fim da Quaresma de São Miguel, ele citou os livros de Ezequiel, Isaías, Apocalipse, Gênesis e João.
O tema era a batalha final, no fim dos tempos.
O frei falou da serpente do Gênesis e do grande dragão mencionado no Apocalipse — ambas se referem a Satanás, disse. “Existe muita gente dizendo por aí que demônio não existe. Lembre-se: a tua fé não se apoia no que os outros dizem. A tua fé se se apoia na Palavra. A palavra está dizendo que demônio existe sim. Dragão, primitiva serpente, Satanás. Existe e ponto final”, pregou.
Em seguida, ele acrescentou: “Aliás, é a tática do demônio: não acredite em mim, eu destruo a sua vida mais fácil”.
A pregação durou mais de uma hora.
Lives às 4h da manhã para centenas de milhares
A madrugada é, por motivos óbvios, o pior período do dia para atrair audiência na internet. Mas Frei Gilson parece ter quebrado essa regra com suas transmissões ao vivo.
A ideia surgiu quando, como um projeto pessoal de sacrifício durante a quaresma, ele decidiu rezar o rosário às 4h da manhã.
Só depois é que lhe ocorreu de transmitir a oração ao vivo. Já na primeira transmissão, para sua surpresa, ele atingiu 20 mil pessoas ao vivo. Os números só cresceram desde então, e não ficam abaixo das centenas de milhares de pessoas (sem contar as que assistem depois ao vídeo gravado).
Hoje, além da quaresma católica, ele faz a quaresma de São Miguel — de 15 de agosto a 29 de setembro. O horário inusitado das transmissões acabou servindo para dar mais visibilidade ao frei e a atrair mais pessoas. Uma das novas seguidoras foi Sandra Costa, de Ribeirão Preto (SP). “Gosto do modo como ele nos apresenta Jesus e como nos encanta com suas músicas e pregações”, ela diz.
Alberina Brandão, de Jundiaí (SP) também começou a acompanhar Frei Gilson este ano. “Passei a segui-lo por causa das músicas e das pregações”, ela conta. Para ela, o frei é um “exemplo de fé e busca incansável pela santidade”, além de ser “muito didático” em suas homilias.
Também por isso, o bloqueio repentino do perfil do frei no Instagram, em setembro, causou comoção entre os fiéis. O motivo da suspensão, já revertida, continua desconhecido. Mas alguns dos seguidores sustentam que a punição é fruto da pregação do Frei Gilson contra o aborto.
Estrutura profissional
As músicas bem executadas, as pregações profundas e o carisma do padre ajudam a explicar o sucesso dele na internet. Mas outro elemento foi essencial para o sucesso na internet: a preocupação com uma produção de qualidade.
E ele não começou agora. O primeiro vídeo do canal do padre no YouTube é de 2016: com o violão no colo, ele toca uma de suas músicas. No mesmo ano, ele começou a publicar trechos de pregações, já mais bem produzidas. Ainda em 2020, ele ultrapassou um milhão de inscritos no canal no YouTube.
Apesar disso, Frei Gilson não se comporta como uma celebridade. Paradoxalmente, isso explica porque o sacerdote é tão popular. “Ele não se coloca como artista que está acima do povo, ele se apresenta como um pastor. Essa humildade é um pressuposto muito importante na leitura do Cristianismo católico”, diz Ana Beatriz Dias Pinto, professora do curso de Teologia da PUCPR.
Segundo ela, Frei Gilson atinge um público mais tradicional. “Ele encontrou um nicho específico de uma população católica que é mais tradicional. Ele oferece a essas pessoas oportunidades de espiritualidade, oração e formação na fé”, afirma a professora.
Fonte: gazetadopovo
