Este é o quinto e último texto da série “Azul, amarelo e veneno também”, que conta a história dos pigmentos antes da invenção de cores sintéticas. Leia o quarto texto, sobre o amarelo indiano, aqui.
A púrpura tíria foi um pigmento roxo criado na Fenícia há 3,5 mil anos e usado por fenícios, gregos e romanos – bem como por outras civilizações que vieram depois no Meditarrâneo – até o século 15. Apesar de ter se tornado a marca registrada da nobreza, tem uma origem pouco glamourosa.
Para os padrões da época, sua fabricação exigia conhecimentos avançados de química e biologia, e uma matéria-prima exótica: o muco de moluscos chamados búzios. A extração de 1,4 g de pigmento – quantidade suficiente para tingir apenas o acabamento de uma única peça de roupa –, exigia 12 mil búzios.
Na hora coletar o muco, havia duas opções: “ordenhar” o bicho, uma opção trabalhosa mas sustentável – porque era possível reaproveitá-los –, ou simplesmente esmagá-los. O líquido obtido inicialmente é transparente. Mas, ao ser exposto ao Sol, chega a uma cor arroxeada.
A tonalidade final da púrpura tíria variava entre violeta e vinho, a depender da espécie de búzio, de variações no processo de produção e do número de vezes que se tingia o tecido. Depois de prontas, as peças não desbotavam facilmente – na verdade, conta-se que ficavam mais brilhantes com o tempo. Até existiam imitações de baixo custo, mas as peculiaridades do pigmento original tornavam fácil reconhecê-las.
Uma dessas peculiaridades era o cheiro insuportável de peixe podre, que impregnava as vestes por anos. Mesmo as regiões litorâneas onde a púrpura tíria era produzida acabavam infestadas pelo fedor dos moluscos macerados apodrecendo em tanques – não ajudava que alguns preparos levassem também urina e fungos.
Mesmo com todo esse processo desagradável – ou, na verdade, justamente por causa dele – o pigmento entrou para história como o mais caro já fabricado: chegou a valer mais do que seu peso em ouro.
Qualquer coisa tingida de púrpura era um grande marcador de riqueza. Aliás, é por isso que não existem bandeiras antigas com essa cor: uma bandeira precisa, por definição, ser facilmente replicável – coisa que é impossível se você depende do pigmento mais caro do mundo.
Houve uma fase em que só o imperador romano poderia utilizar vestes púrpuras. Foi isso que deu nome ao sistema “porfirogênito” de sucessão hereditária do Império Romano: os soberanos eram os que nasciam na πορφύρα, ou porphyra, que é “roxo” em grego.
A punição para quem violasse tal regra era a morte violenta e exemplar – como a que recebeu o rei Ptolomeu da Mauritânia em 40 d.C. Apesar de amigo dos romanos, ele compareceu a um combate de gladiadores utilizando um manto roxo, coisa que foi vista como uma grande afronta ao imperador.
Fonte: abril