Nas redes sociais, uma suposta prática saudável tem virado tendência: tomar leite cru. Não, isso não significa beber o líquido sem café ou achocolatado; “leite cru” é aquele que não passou por pasteurização, ou seja, vem direto da vaca.
Num primeiro momento, pode até parecer que faz sentido ingerir um alimento mais “natural”, sem interferência humana ou processamento em fábrica. Mas não é. Tanto que o consumo é ilegal no Brasil.
O decreto-lei n° 923, de 1969, proibiu a venda de leite cru para consumo direto da população, regulamentando a produção de laticínios e instituindo a necessidade da pasteurização e do controle daquilo que é comercializado.
Nem todo mundo é fã da lei de 1969. O youtuber Ronaldo Souza, responsável pelo canal infantil “Gato Galactico”, publicou no X (antigo Twitter) uma mensagem defendendo a descriminalização do leite cru. “Não faz o menor sentido ser ilegal”, ele escreveu junto de uma foto tomando uma caneca cheia.
A foto, da publicação que agora já foi apagada, viralizou. Mas por outros motivos. A mensagem foi associada por críticos a grupos supremacistas brancos. Posar bebendo leite é interpretado como um código usado por extremistas, principalmente nos EUA, numa suposta estratégia que utiliza de gestos e atos aparentemente banais para passar mensagens escondidas.
O youtuber, porém, se defendeu dessas acusações, escrevendo que não tem “envolvimento com grupos supremacistas, tampouco neonazistas” e que abomina “o nazismo e todas as formas de autoritarismo e violência”.
De qualquer forma, com intuito político ou não, a prática de beber leite cru vem se popularizando, especialmente nas redes sociais. Nos Estados Unidos, a venda do produto (que é legalizada somente em alguns estados do país) tem aumentado, apesar da recomendação federal contrária da FDA, a “Anvisa americana”, e do aumento de casos de gripe aviária em bovinos e alguns casos em humanos – cientistas alertam que a doença pode ser contraída via leite sem pasteurização.
Será que realmente não faz o menor sentido leite cru ser ilegal? A gente te explica.
O que é pasteurização?
A pasteurização não é um truque novo. Em 1862, o químico francês Louis Pasteur descobriu que, aquecendo um alimento a determinada temperatura e depois o resfriando, era possível matar os microrganismos patogênicos, que podem causar doenças infecciosas.
O professor Paulo Fernando Machado, diretor-presidente da Clínica do Leite da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, explica que, no caso do leite cru, o líquido é esquentado a uma temperatura entre 72 e 75 °C, e depois é resfriado até chegar em 4 °C.
“A pasteurização elimina 99,9% dos microrganismos patogênicos normalmente presentes no leite cru”, explica o professor. Sem esse processo, alguns dos germes com os quais você pode entrar em contato são a bactéria da salmonela, estafilococos, listeria e vírus que causam diferentes doenças respiratórias.
Os riscos para a saúde humana de tomar leite cru podem ir desde “uma simples diarreia até comprometimentos mais sérios”, explica Paulo, dependendo do agente patogênico com o qual você tem contato. A listeria, por exemplo, pode causar uma infecção conhecida como listeriose, que tem uma mortalidade de cerca de 20%. Tuberculose, infecção por Escherichia coli – tudo pode ser contraído pelo leite cru.
Além de todas essas possíveis doenças, o consumo de leite cru pode aumentar a sensibilidade das pessoas à proteína presente no líquido, a caseína, piorando casos de intolerância.
Mas será que vale a pena correr o risco por algum suposto benefício maravilhoso de tomar o leite cru? “Não”, garante o doutor Paulo. Não há perda nutricional a partir da esterilização e da pasteurização.
Alguns queijos na Suíça até são produzidos preferencialmente com leite cru, por motivos de sabor, mas “a qualidade do leite cru suíço e os programas de controle sanitário do governo são bastante intensos”, explica o especialista.
Então, se você não está comendo queijo na Suíça, fica a dica da comunidade científica: não tome leite cru.
Fonte: abril