Recentemente, o mundo passou por uma pandemia que causou milhões de mortes. Além disso, muitos perderam o emprego. Desta vez o Brasil se vê em uma situação que impacta todas as regiões.
Devido a tragédia no Rio Grande do Sul, em meio ao luto, os esforços estão concentrados no resgate de pessoas nas cidades e áreas atingidas pelas chuvas.
Em uma situação de reconstrução de um estado, a parte financeira é fundamental, mas devido aos traumas por conta das perdas irreparáveis, torna-se extremamente importante o acompanhamento psicológico.
Diante desse cenário, o Primeira Página buscou orientações com a psicóloga Anny Rodrigues.
Embora a tragédia vivida e a experiência na enchente seja singular para cada pessoa, o trauma não deixa de ser coletivo e a sensação de choque é devastadora.
”Muitas vezes falar, externar, auxilia no processo do luto. Lembrando que luto não está atrelado apenas a morte, mas também as perdas e rupturas que um desastre pode causar. Os desastres provocam a ruptura do que conhecemos como normal, cotidiano. Tentar resgatar, mesmo que minimamente essa normalidade, ajuda nos processos de enfrentamento”, diz a psicóloga.
O luto tem vários processos e ela cita que essas fases podem acontecer de uma só vez. Ela destaca uma situação importante que tem ocorrido e movimentado o país.
”Existe uma fase que quase nunca aparece e penso que seja a que mais se percebe em muitas pessoas que estão vivenciando a tragédia no Rio Grande do Sul: a esperança, o apego, a esperança de que tudo ficará bem e que as coisas ruins irão passar. Talvez esse movimento de solidariedade vindo do restante do Brasil auxilie em relação a isso, pois cria uma rede de auxílio, de cuidado, que faz a esperança ser um sentimento muito forte e presente”.
Além das perdas de entes queridos, houve também o desespero da perda de centenas de bens materiais como casas e carros, além de animais de estimação deixados para trás. Anny comenta que é preciso entender e encarar o luto.
”Lidar com tais emoções é um processo. É importante viver o luto. Quando tentamos apenas suprimir esses sentimentos, lá na frente eles podem voltar, mas de outra forma, como traumas ou até outras patologias. Viver o luto auxilia a entender de algum modo as perdas. Claro que a perda de vidas, seja de humanos ou de animais, não se compara a perda de bens materiais, mas dói muito ver aquilo que batalhamos para construir ser levado pelas águas como se fosse nada”.
”Creio que quando lidamos com perdas ou luto é bem comum buscarmos formas de nos culpar, como se não tivéssemos sido o nosso melhor pelo outro. Viver com a culpa gera muitos danos. Precisamos acolher essas pessoas, escutar e tentar trabalhar com elas o resgate das boas memórias com o ente querido perdido. A única certeza da vida é que um dia iremos partir. Pequenos rituais cotidianos de cuidado, de demonstração de afeto acabam sendo importantes e lembram que ali há amor. Quando há demonstração de amor no dia a dia, não são essas pequenas promessas e planejamentos que trarão o sentimento de culpa”.
Mais de 300 milhões de pessoas sofrem com depressão no mundo todo. Esse transtorno mental atinge todas as idades de acordo com a OMS. No pior dos casos, a depressão pode levar ao suicídio.
”Algumas pessoas podem internalizar a tragédia de modo mais traumático. Já outras podem tirar forças de onde não possuem para auxiliar outras pessoas em situação de vulnerabilidade. Assim como o luto, encontrar propósito ou significado será um processo” completou Anny.
Trabalho dos voluntários tem sido constante (Foto: Jurgen Mayhofer/Governo do Rio Grande do Sul)
Após a tragédia, a reconstrução também envolve a busca por um senso de segurança e normalidade. Pensar nessa possibilidade de início é bem difícil como explica a psicóloga.
”É muito comum que essas pessoas desenvolvam Transtorno de Estresse Pós-traumático, dentre outras psicopatologias ou até mesmo vícios. O resgate a normalidade a sensação de segurança é um trabalho em conjunto e depende muito das políticas públicas aplicadas no pós-desastre”.
”A psicologia pode desenvolver alguns trabalhos que auxiliem no resgate da rotina, das atividades cotidianas. Tentar fazer uma ou outra atividade que se fazia antes do desastre pode auxiliar nessa demanda, como se sentar com os amigos para falar sobre a vida, tomar chimarrão, ver um jogo de futebol. Muitas vezes são as frivolidades que auxiliam nesse resgate da normalidade e, consequentemente, no sentimento de segurança, mas é importante frisar que a segurança de fato só será mais efetiva se houver investimentos em prevenção”.
Fonte: primeirapagina