Já vamos avisar logo de cara, para não magoar nenhum leitor: se você ainda não chegou ao terceiro episódio da série, cuidado com os spoilers. Eles estão aqui embaixo.
Vamos pular algumas linhas para garantir que ninguém leia nada por acidente.
Feito.
No terceiro episódio, Jin Cheng (uma física brilhante de Oxford) e seu amigo Jack Rooney (um físico bonachão que largou a faculdade para abrir um império da comida industrializada) estão jogando um game de realidade virtual enviado pelos extraterrestres de uma civilização conhecida como San-Ti – nome que significa “três sóis” em chinês.
Os San-Ti existem há mais tempo do que o ser humano, e por isso dominam tecnologias mais avançadas. Porém, seu desenvolvimento tecnológico ocorre em um ritmo mais lento, já que o planeta-natal desses alienígenas tem um problema: orbita um sistema com três estrelas, em vez de uma só. O que uma coisa tem a ver com a outra? Senta aí.
Conforme já explicamos em um post anterior, o problema de um sistema estelar desse tipo é que a trajetória das estrelas se torna caótica, imprevisível. Os San-Ti não têm nada parecido com anos, meses ou dias, porque todas essas subdivisões do calendário dependem da previsibilidade dos movimentos da Terra, do Sol e da Lua.
O clima, por lá, é dividido em eras estáveis (quando o planeta está orbitando uma estrela só e tudo fica bem) e eras caóticas (quando as três estrelas estão disputando o planeta e um monte de desastres naturais acontecem por causa do cabo de guerra gravitacional).
Isso significa que, de tempos em tempos, o planeta perde sua infraestrutura de pesquisa científica e suas melhores mentes, e precisa recomeçar do zero.
O jogo, na verdade, é uma campanha de relações públicas para sensibilizar os humanos e convencê-los a colaborar com os San-Ti. Por causa do clima caótico, esses aliens não aguentam viver em seu planeta, e estão vindo colonizar a Terra para curtir dias mais estáveis. A frota levará 400 anos para chegar aqui.
De início, os jogadores têm a impressão de que precisam resolver o problema dos três corpos. Depois, eles percebem que o impasse não tem solução exata. Os físicos até conseguem fazer um procedimento chamado integração numérica para prever o movimento do sistema triplo conforme as leis da mecânica clássica. Mas o único jeito de chegar ao final do jogo é demonstrar piedade à raça ET.
Feita essa digressão, voltemos ao terceiro episódio. Nele, Jin e Jack observam um dos desastres naturais que acometem os San-Ti de tempos em tempos: uma sizígia.
Esse é o nome chique para uma situação em que três ou mais astros estão alinhados. Quando ocorre um eclipse solar ou lunar, por exemplo, o Sol, a Terra e a Lua precisam necessariamente estar em sizígia.
(O nome vem do grego antigo e se refere, originalmente, a uma peça de madeira que era usada para manter alinhados os bois que puxam uma carroça ou arado.)
No caso dos San-Ti, rola uma sizígia com as três estrelas. Nesse momento, a atração gravitacional do sistema fica tão intensa que as pessoas e objetos na superfície do planeta San-Ti começam a levitar em direção ao espaço.
Não fica claro se essa rapaziada está sendo atraída diretamente na direção das estrelas (e, portanto, vai virar churrasco) ou se os habitantes do planeta estão simplesmente sendo ejetados no espaço aberto, para então seus cadáveres permanecerem em órbita ao redor dos astros maiores.
Já adiantamos que a primeira opção não faz sentido de acordo com as leis da física da vida real. A segunda, porém, é mais próxima da realidade.
Todo corpo tem algo chamado limite de Roche. Esse limite representa o tanto que um objeto (como um planeta) pode se aproximar de um objeto maior (como uma estrela) antes de se desintegrar. Os anéis de Saturno, por exemplo, estão dentro do limite de Roche. É por isso que eles não se juntam para formar uma lua. Já as luas de Saturno estão fora – motivo pelo qual elas podem existir em paz.
Se o planeta dos San-Ti ultrapassar muito o limite de Roche do sistema solar triplo, é fato que as coisas vão começar a se soltar do planeta – porque o planeta em si pode acabar se desmanchando. Ou seja: a cena é verossímil do ponto de vista estritamente gravitacional.
O que ela não leva em consideração outra coisa: o calor. Se um humilde planeta rochoso se aproximasse além do limite de Roche de sua estrela, seus habitantes morreriam torrados de forma quase instantânea, muito antes de começarem a sofrer com a gravidade.
Já diria Snoop Dogg: seis milhões de jeitos de morrer, escolha um.
Fonte: abril