Se você tivesse acesso a informações sobre o seu próprio futuro, você ia querer saber ou preferiria deixá-las no escuro?
Pesquisadores da Universidade Técnica da Dinamarca, em parceria outras instituições, uniram o aprendizado de máquina às ciências sociais para fazer um algoritmo que prevê suas chances de morrer prematuramente, ou que diz quanto dinheiro você irá juntar ao longo de toda a vida. Chamado Life2Vec, esse é a inteligência artificial (IA) mais precisa já desenvolvida com esse objetivo.
Já existem IAs que preveem o risco de doenças baseando-se apenas em dados de saúde, como o histórico médico do paciente e da família. Eles são capazes de detectar, por exemplo, uma futura parada cardíaca ou efeitos colaterais de medicamentos. No entanto, poucos modelos vão além dos dados de saúde – é aí que está o diferencial do estudo dinamarquês.
Os resultados do Life2Vec foram publicados esta semana no periódico especializado Nature Computational Science. O algoritmo foi treinado com uma ampla base de dados sobre os 6 milhões de habitantes da Dinamarca, que contém informações sobre níveis de escolaridade, emprego e renda, frequência e natureza de visitas a médicos e hospitais, diagnósticos passados etc.
Os dados abrangiam, ao todo, o período entre 2008 a 2020. No entanto, a IA foi treinada apenas com os oito primeiros anos desse espaço amostral. Os quatro últimos – de 2016 a 2020 – serviram de parâmetro, para verificar se o modelo realmente conseguiu acertar o que aconteceu com cada pessoa depois.
Como o algoritmo funciona?
Grosso modo, IAs do tipo transformer como o ChatGPT são treinadas da seguinte forma: elas recebem um corpus de textos (como, digamos, tudo que já foi publicado na internet) e transformam esses textos em números. Cada número representa uma palavra ou um pedaço de palavra.
Então, o software vê coisas do tipo: “olha só, a palavra 49 aparece 85% das vezes em que as palavras 32 e 563 aparecem antes”. É óbvio que o GPT não está pensando nada disso conscientemente. Ele só está mapeando essas relações; descobrindo quais termos costumam aparecer na companhia de outros termos.
Depois, quando você pergunta algo ao GPT, ele vai juntando, um após o outro, um montão de números que estatisticamente têm uma chance altíssima de aparecerem juntos, em uma determinada sequência. Aí, é só traduzir esse código em palavras. Bingo: surge uma resposta perfeitamente verossímil.
A mesma lógica foi usada no Life2Vec. O modelo analisa uma série de eventos da vida de uma pessoa – visitas ao hospital, promoção no emprego, acesso a benefícios sociais etc. –, e determina o que é mais provável que ocorra em seguida. Isso só é possível porque a base de dados da Dinamarca é bastante completa e detalhada. Dá-lhe sistema de saúde pública de qualidade.
Por exemplo: os pesquisadores selecionaram dados de um grupo de pessoas entre 35 e 65 anos – das quais metade havia morrido entre 2016 e 2020. Então pediram para o algoritmo prever quem tinha mais chances de ter morrido e quem havia continuado vivo com base nos dados dos oito anos anteriores. O resultado foi 11% mais preciso do que os modelos de IA atuais.
No geral, as previsões do modelo estavam corretas 78% das vezes. Isso porque o risco de morte está associado não só ao histórico de saúde, mas também à baixa renda, diagnóstico psiquiátrico e sexo do indivíduo. A ordem em que os eventos acontecem também influencia no resultado.
O algoritmo funcionou muito bem para a população dinamarquesa, mas não necessariamente seria adequado a outros países: nem todos têm informações tão detalhadas sobre seus próprios cidadãos, compiladas em uma única base de dados.
O principal foco do estudo foi antecipar o risco de morte, mas o algoritmo também se mostrou capaz de prever outros aspectos da vida – se um indivíduo é mais ou menos extrovertido, por exemplo.
Os riscos de uso por empresas
Empresas de seguros de saúde e de vida já fazem previsões para determinar o valor de apólice do seguro. Mas segundo o pesquisador Sune Lehmann Jørgensen, autor do estudo, um modelo preciso como esse poderia trazer más consequências se usado para esse fim.
“Claramente, nosso modelo não deve ser usado por seguradoras. Toda a ideia do seguro é que, compartilhando a falta de conhecimento de quem será a pessoa azarada que sofrerá algum acidente, morte ou furto, nós possamos dividir esse prejuízo”, diz Jørgensen.
Para ele, o modelo pode ser usado para prever (e tratar) problemas de saúde antes que eles apareçam, ou ajudar governos a diminuir a desigualdade social.
Fonte: abril