Para abrir o apetite, na roda de bar com os amigos, para esquentar no frio ou até para refrescar no calor, em receitas como a caipirinha. A cachaça é uma bebida tradicional do Brasil e há quem acredite que uma dose é inofensiva —inclusive, alguns até usam a aguardante como ingrediente de remédios caseiros.
Mas ela pode fazer mal, sim. Afinal, um copinho de 45 ml já soma 14 g de álcool puro —a única substância psicoativa com potencial de causar dependência que não é controlada, apesar de seu impacto negativo na vida das pessoas.
A cachaça é o 3º destilado mais consumido no mundo, e só perde para o Soju (1º) e a vodca (2º);
7 litros é o número aproximado da ingestão anual da bebida por cada brasileiro;
3 milhões de mortes por ano resultam do uso inadequado do álcool em todo o mundo. Isso representa 5,3% de todas as mortes;
43% da população com idade superior a 15 anos consumiram álcool no último ano;
14 anos é a idade na qual os adolescentes tomam a primeira dose de álcool nas Américas;
Cerca de 13,5% do total de óbitos são atribuíveis a ele, na faixa de 20 a 39 anos;
1 em cada 12 adultos (8,2%) nas Américas tem transtornos relacionados, quase o dobro da média mundial (5,1%);
A região tem maior prevalência de transtornos relacionados ao álcool em mulheres, e a segunda maior entre homens.
O impacto da cachaça no seu corpo
As evidências científicas sobre a relação entre o consumo de álcool e os impactos negativos em todo o organismo são robustas, e elas fundamentam várias ações para proteção da saúde pública.
Uma delas é a recente recomendação do Centro Canadense do Uso e Dependência de Substâncias, que sugere que as pessoas reduzam o seu consumo. A razão para isso é que as bebidas alcoólicas são consideradas prejudiciais para todos, independente da idade, do sexo, gênero, etnia, tolerância ao álcool ou estilo de vida.
Confira alguns efeitos do consumo crônico de cachaça, bebida alcoólica cujo teor alcoólico pode variar entre 38% e 48%, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento:
- Alterações neurológicas
- Doenças do fígado
- Problemas do coração
- Alguns tipos de câncer
- Aumento da gordura corporal
Você pode atrapalhar o trabalho do cérebro
Neste quesito, não existe consumo seguro em todas as faixas etárias.
Os danos imediatos são:
- Dor de cabeça (incluindo enxaqueca);
- Alterações no sono;
- Deficiências cognitivas (redução da atenção, controle, julgamento, concentração, etc.);
- Perda da memória e apagões;
- Intoxicação;
- Perda das funções básicas do organismo – uma overdose pode desacelerar a respiração, o coração, etc.
Danos a longo prazo:
- Alterações do sono, humor, personalidade, doenças psiquiátricas (ansiedade e depressão)
- Pensamentos suicidas e suicídio;
- Demência (que pode ser precoce);
- Dependência;
- Perda de funções executivas como raciocínio, planejamento, controle inibitório etc.
Você detona seu fígado
Entre todos os órgãos afetados pela ingestão exagerada do álcool, o fígado é o que mais sofre.
É ele o responsável por 97% do metabolismo do álcool. O restante é eliminado pelo suor, pela urina e a respiração. O órgão ainda deve promover a eliminação de toxinas ingeridas ou produzidas pelo organismo.
Os danos são progressivos, e começam com a formação de gordura no fígado. Se o consumo continua, aparece a esteato-fibrose;
De 10% 35% das pessoas evoluirão para a hepatite alcoólica; a partir deste estágio, 40% a 60% poderá ter cirrose hepática, com suas complicações (hemorragia, ascite (barriga d’água), encefalopatia, e risco de 2% a 4% ao ano de desenvolver tumor no fígado.
O tempo desse processo é de 10 a 15 anos;
As mulheres metabolizam o álcool de forma diferente da dos homens e ainda possuem mais gordura corporal. Esses fatores, juntos, fazem delas mais suscetíveis a esses danos.
Você pode levar o coração ao limite
Hipertensão, fibrilação atrial, insuficiência cardíaca, AVC (Acidente Vascular Cerebral), além de alterações na pressão sistólica e diastólica (contração e relaxamento) do coração, são os resultados da ingestão excessiva de álcool.
O primeiro passo no metabolismo do álcool é a oxidação do acetaldeído por meio de uma enzima (álcool desidrogenase ou ADH). Mesmo em pequenas concentrações, o acetaldeído é tóxico para o organismo;
Deficiências de nutrientes e níveis aumentados de toxinas no corpo aceleram o processo;
Ao longo do tempo, o músculo do coração enfraquece (cardiomiopatia alcoólica);
O aumento de chance de morte por hipertensão é de 7%;
A pressão aumentada ainda pode levar a danos nos rins;
A doença cardíaca hipertensiva foi a principal causa de morte decorrente do uso do álcool entre as brasileiras em 2020. Os dados são da CISA.
Você pode facilitar o aparecimento de tumores
Há décadas o álcool foi classificado como cancerígeno pela Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer. E ele está no mais alto grupo de risco, que inclui o tabaco e a radiação.
Uma série de fatores influencia nesse sentido, desde alterações indiretas no DNA até sinergia com outros agentes causadores da doença. Além disso, o álcool reduz os níveis de oxidantes (vitaminas A, E, zinco e ferro, do complexo B, ácido fólico e tiamina), e ainda enfraquece as defesas do corpo.
Garganta, pulmão, esôfago, estômago, reto, fígado e mamas são os órgãos mais afetados;
Entre as mulheres, mesmo o consumo de pequenas quantidades parecem potencializar o risco para o câncer de mama;
De modo geral, a relação entre tumores e álcool é dose dependente. Quanto mais se consome, maior é o risco.
Você tende a engordar
O processo inflamatório promovido pelo consumo crônico do álcool tem também como consequência o aumento da gordura corporal, em especial na região do abdome.
Tal condição se associa à síndrome metabólica que tem como características o aumento da pressão arterial, das taxas de açúcar no sangue (o que aumenta o risco para o diabetes) e de colesterol, além do excesso de gordura em torno da cintura.
Um recente estudo publicado no Jornal da Associação Americana do Coração concluiu que quando se comparam pessoas que não bebem àquelas que fazem uso excessivo de álcool, estas apresentam maior gordura corporal;
Soma-se a isso o maior acúmulo de gordura no fígado, intramuscular, visceral e subcutânea e em torno do coração.
Cachaça não é água, não
Esta é a denominação típica e exclusiva que se deu à aguardente de cana produzida em nosso país, cuja matéria-prima é o mosto fermentado do caldo da cana-de-açúcar, com teor alcoólico de 38% a 48%, mas pode chegar a 54%, segundo dados da Embrapa.
1 dose de bebida equivale a 14 g de álcool puro, o equivalente a 45 mL de cachaça (com 40% de teor alcoólico), ou seja, a maioria das cervejas e vinhos são mais “fracos”;
Beber 5 doses dela em uma festa já é considerado consumo abusivo, segundo dados do CISA.
Confira as etapas de sua fabricação (alambique):
- A cana é moída para extração do caldo;
- Após filtragem, ele é acondicionado em um tanque (dorna) para decantação de impurezas;
- Inicia-se a diluição em água, que pode ser acompanhada da adição de ácido sulfúrico para evitar contaminação bacteriana, por meio da correção do pH;
- Dá-se início ao processo de fermentação com leveduras, o que pode durar cerca de 24 horas;
- O “vinho” é retirado da dorna de fermentação e é levado para a destilação no alambique;
- A partir daí pode ser engarrafado ou vai para toneis de madeira para envelhecimento.
Devagar com a caninha
Muitas pesquisas científicas concluem que o consumo de pequenas quantidades de álcool ajuda a prevenir o diabetes, a doença isquêmica do coração, a demência e até o declínio cognitivo. O problema é que, até agora, não ficou esclarecido o quanto seria essa quantidade capaz de promover a saúde.
De olho nos danos que o álcool tem causado em todo o mundo, as mais importantes autoridades sanitárias, incluindo a OMS, reconhecem que não dá para se falar em volume seguro de álcool porque não se pode saber como cada organismo reagirá à substância.
A regra de ouro para quem deseja preservar a saúde é abster-se do álcool;
Um consumo moderado, que é considerado de baixo risco, corresponderia a 2 shots para homens e 1 para mulheres em uma festa;
Nas Américas, 25% da população geral reconhece que consome mais de 60 g de álcool puro (cerca de 6 doses padrão para homens) e mais de 40 g de álcool puro (mais de 4 doses para mulheres), pelo menos uma vez por mês, o que caracteriza o chamado beber excessivo episódico.
Como diminuir a bebida
Se você deseja prevenir ou reduzir os efeitos do consumo de bebidas alcoólicas, adote as seguintes medidas:
Conte quantas doses consome a cada semana e vá reduzindo gradualmente, até conseguir não exceder os limites que representam menor risco para a saúde;
Quando estiver bebendo, beba mais devagar;
Ingira água enquanto bebe;
Para cada bebida alcoólica, tome outra sem álcool;
Coma antes e durante o consumo.
Fontes: Frederico Maia, endocrinologista, especialista titular da Sbem-SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo), com mestrado e doutorado pela UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas); Isolda Prado, médica nutróloga, diretora da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia) e professora de Nutrologia da UEA (Universidade do Estado do Amazonas); José Milton de Castro Lima, hepatologista preceptor dos programas de residência em Clínica Médica e Gastroenterologia do HUWC-UFC/Ebserh (Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará, que integra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Rogério Sakai, engenheiro agrônomo com mestrado em Agricultura pelo IAC (Instituto Agrônomo) e assistente agropecuário da CAT(I) (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral). Revisão médica: Frederico Maia.
Com informações de: UOL VivaBem; Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária); CISA (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool). Álcool e a Saúde dos Brasileiros: Panorama 2023; OMS (Organização Mundial da Saúde); IBRAC (Instituto Brasileira da Cachaça); ExpoCachaça e BrasilBier.
Referências:
Santana NMT, Mill JG, Velasquez-Melendez G, Moreira AD, Barreto SM, Viana MC, Molina MDCB. Consumption of alcohol and blood pressure: Results of the ELSA-Brasil study. PLoS One. 2018 Jan 8;13(1):e0190239. doi: 10.1371/journal.pone.0190239. PMID: 29309408; PMCID: PMC5757983. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5757983/
Kazibwe R, Chevli PA, Evans JK, Allison M, Michos ED, Wood AC, Ding J, Shapiro MD, Mongraw-Chaffin M. Association Between Alcohol Consumption and Ectopic Fat in the Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis. J Am Heart Assoc. 2023 Sep 19;12(18):e030470. doi: 10.1161/JAHA.123.030470. Epub 2023 Sep 8. PMID: 37681576; PMCID: PMC10547290. Disponível em: https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/JAHA.123.030470
Fonte: uol