Muitos conhecem o Studio Ghibli e seus míticos filmes dirigidos por Hayao Miyazaki, como Meu Amigo Totoro, Princesa Mononoke e O Castelo Animado. Há outros que não sabem da existência do estúdio de animação japonês, mas certamente já ouviram falar de A Viagem de Chihiro, um filme que quase fracassou por causa da Disney. Sim, você leu certo!
Lançado em 2001, gira em torno de uma garota que se vê atraída para o mundo espiritual enquanto tenta salvar seus pais de serem transformados em porcos. Por quase 20 anos, o longa deteve o título de maior bilheteria da história japonesa, chegando a ganhar o Oscar. Até hoje, continua sendo a única produção estrangeira a vencer na categoria.
Porém, levar A Viagem de Chihiro para terras internacionais não foi um processo fácil. Em meados dos anos 90, a Disney fez um acordo com o Studio Ghibli para distribuir suas obras em todo o mundo e em VHS. Um acordo semelhante ao que a Casa do Mickey tinha com a Pixar – e que incluía aspectos como a dublagem em inglês para garantir que fossem mais acessíveis, especialmente para crianças.
A princípio, o combinado funcionou para ambas as empresas, com filmes como O Castelo no Céu e O Serviço de Entregas da Kiki sendo bem-recebidos no mercado ocidental, sobretudo pelas famílias, que tradicionalmente são o público-alvo da Disney. Acontece que Miyazaki teve uma ideia que não atendia em nada às expectativas da companhia americana.
Em 1997, ele lançou Princesa Mononoke, uma história sobre a natureza que está por um fio. Foi um sucesso histórico de bilheteria no Japão, superado apenas por Titanic e posteriormente por A Viagem de Chihiro. No entanto, trazia um tom muito mais adulto e uma certa violência gráfica, algo que a Disney esperava quando descobriu que tinha os direitos de um blockbuster japonês que supostamente era sobre uma princesa.
O desenho foi adquirido pela Miramax, uma subsidiária da Disney, e um drama se seguiu, envolvendo ameaças e vulgaridades sobre como deveria ser o lançamento. Por fim, Princesa Mononoke chegou ao circuito comercial de forma limitada e não teve a repercussão que a Disney imaginava. Com isso, surgiram dúvidas se valia a pena o investimento no Studio Ghibli.
No fim das contas, a relação entre as empresas continuou. Quando Miyazaki anunciou A Viagem de Chihiro, 10% do orçamento foi bancado pela Disney em troca de preferência para um lançamento americano. Mas não havia a menor pressa em fazê-lo.
Seja devido ao desastre financeiro de Princesa Mononoke, seja por priorizar produções americanas, a Casa do Mickey demorou mais de um ano para considerar a distribuição de A Viagem de Chihiro. E não foi o fenômeno de bilheteria no Japão que fez o estúdio mudar de ideia. Na verdade, no início de 2002, A Viagem de Chihiro ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim, empatado com Domingo Sangrento. Assim, tornou-se o único filme de animação a conquistar o feito até hoje.
Com a vitória, a Disney passou a se interessar por ele, embora tenha sido necessária alguma persuasão para lançá-lo. Essa persuasão veio das mãos do fundador da Pixar, John Lasseter, que por acaso era um velho amigo de Miyazaki. Apesar de os detalhes nunca terem vindo a público, Miyazaki afirmou que Lasseter “arrasou” com a Disney para que desse uma chance ao anime.
Responsável por sucessos como Toy Story, Toy Story 2 e Monstros S.A., Lasseter gozava de tanto prestígio na época que sua opinião foi levada a sério – e provavelmente ajudou A Viagem de Chihiro a ter menos cenas de guerra, armas, amputação de membros e decapitação do que Princesa Mononoke. Ainda assim, a Disney tinha suas reservas.
O próprio Lasseter cuidou da dublagem em inglês, que contava com atores regulares da Disney. A versão “americanizada” estreou no Festival de Toronto com grande aclamação, mas teve uma circulação bastante enxuta depois disso, em apenas 151 cinemas nos Estados Unidos.
Especula-se que a estratégia da Disney era focar mais em seus próprios títulos, em parte devido à falta de direitos de merchandising para qualquer um dos filmes do Studio Ghibli. A única fonte de renda com a qual a Disney poderia contar seria a bilheteria e o eventual lançamento em VHS. A Viagem de Chihiro poderia ter desaparecido se não fosse pelo apoio de Lasseter a Miyazaki.
O crítico Roger Ebert deu ao filme 4/4 estrelas e o incluiu em sua coleção de grandes filmes. Steven Spielberg afirmou que é “uma das melhores animações já feitas. Poderia ser melhor do que qualquer filme da Disney que eu já vi.” Eventualmente, A Viagem de Chihiro na lista de Melhores de 2002 de quase todos os especialistas antes de receber a indicação e depois vitória no Oscar.
Fonte: adorocinema