“A punição precisa ter peso e ser acompanhada de fiscalização eficiente”, afirma o advogado criminalista Davi Gebara
Nos últimos dias, um caso brutal de violência doméstica chocou o país e reacendeu o debate sobre a eficácia das leis de proteção às mulheres. No Distrito Federal, um homem foi preso após agredir a esposa recém-operada e, com uma faca, arrancar a prótese de silicone do seio esquerdo dela. O crime, ocorrido dentro de casa, resultou em prisão em flagrante e gerou revolta nas redes sociais. Para especialistas, o episódio escancara a urgência de medidas mais eficazes e de uma cultura de proteção mais sólida.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, só em 2022, mais de 1.400 feminicídios foram registrados no Brasil — o equivalente a quase quatro mulheres assassinadas por dia. As denúncias de agressões físicas, psicológicas e patrimoniais também seguem em alta, pressionando o sistema de justiça e as políticas públicas.
Nos últimos meses, o Congresso Nacional aprovou mudanças importantes para endurecer o combate à violência doméstica. A Lei nº 14.994/2024 transformou o feminicídio em tipo penal autônomo, elevando a pena para 20 a 40 anos de reclusão e incluindo o crime entre os hediondos — o que exclui a possibilidade de liberdade condicional. A nova legislação também passou a exigir o cumprimento de 55% da pena em regime fechado para progressão, mesmo para réus primários.
Outra alteração significativa foi o aumento da pena para quem descumpre medidas protetivas: a punição passou de três meses a dois anos de detenção para reclusão de dois a cinco anos, além de multa. Além disso, tornou-se obrigatório o uso de tornozeleira eletrônica para agressores que estejam sob medidas protetivas ativas.
“O legislador está, finalmente, tratando o agressor como alguém que representa risco real e contínuo para a vítima. A simples advertência não resolve o problema. A punição precisa ter peso e ser acompanhada de fiscalização eficiente”, afirma o advogado criminalista Davi Gebara, que atua em casos de violência doméstica.
Outras medidas aprovadas incluem o funcionamento 24 horas das Delegacias da Mulher, prioridade no Sistema Nacional de Emprego (Sine) para vítimas em busca de reinserção profissional, a criação do Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Violência contra a Mulher (ainda em tramitação), além de restrições em saídas temporárias, como uso obrigatório de tornozeleiras e proibição de visitas íntimas para condenados.
Apesar dos avanços, Gebara alerta que o maior desafio está na aplicação. “É necessário que a vítima confie que será protegida. O problema não é a falta de leis, mas a falha na execução. Há casos em que a medida protetiva é concedida, mas não há monitoramento, e a vítima segue vulnerável.”
Nos últimos meses, casos envolvendo celebridades voltaram a evidenciar o tema. Denúncias feitas por Ana Hickmann, Naiara Azevedo e Susana Werner revelaram formas menos visíveis de agressão, como a violência patrimonial — quando o agressor controla os bens, finanças e decisões da vítima. Esse tipo de abuso, previsto na Lei Maria da Penha, ainda é pouco reconhecido e debatido publicamente.
Para Gebara, a exposição desses casos tem um papel relevante. “Quando figuras públicas compartilham essas experiências, elas dão voz a outras mulheres que vivem a mesma realidade em silêncio. Isso tem um efeito de conscientização importante, que muitas vezes antecede a denúncia formal.”
Outro episódio que gerou repercussão foi a possível reconciliação entre a influenciadora Pamella Holanda e o cantor DJ Ivis, condenado por agressão após um vídeo de violência doméstica viralizar em 2021. O reencontro do casal em viagem internacional dividiu opiniões e reacendeu discussões sobre os ciclos de violência.
“O sistema precisa compreender que a vítima pode voltar atrás por muitos motivos — dependência emocional, financeira, medo, filhos. Isso não anula o crime nem justifica a revitimização. É por isso que o suporte psicológico e institucional é tão importante quanto a punição”, conclui o advogado.
Mesmo com os avanços legislativos, especialistas concordam que o Brasil ainda enfrenta um desafio estrutural: garantir que as leis funcionem na ponta, que as vítimas sejam acolhidas com segurança e dignidade, e que o ciclo da violência seja, de fato, rompido.