Nem só de queijo vivem as cidades de Minas Gerais. Diamantina, no norte do estado, pode não estar nas listas de maiores produtoras de vinho do Brasil, mas tem uma tradição de plantio de uvas desde o século XIX e já chegou a ter até uma estação de enologia e viticultura em 1948, que foi desativada 30 anos depois.
Conforme o preço dos diamantes caía em 1870, empreendedores locais buscaram novas formas de renda e a encontraram no cultivo de uvas. A igreja também esteve envolvida na produção e fornecimento de vinhos “de missa” e de mesa – aliás, o Passadiço da Glória, um dos pontos turísticos de Diamantina, era um dos locais de plantio do clero.
A cultura dos vinhedos se manteve quase constantemente até o final da década de 1960, quando parou de receber apoio governamental. O declínio durou 30 anos e a prática só foi ressuscitada em 2000 por pessoas que abriram seus próprios negócios como forma de resgate cultural.
Toda essa história eu aprendi com Ana Júlia e Luiz Felipe, que fazem parte do grupo de produtores que reviveu a atividade em Diamantina. Em 2011, o jovem casal abriu a vinícola Quinta do Campo Alegre para produzir vinhos finos e nobres em escala artesanal, e 11 anos mais tarde, abriu as porteiras da fazenda para visitantes conhecerem seus parreirais.
Para não dizer que eu era completamente ignorante sobre o universo dos vinhos quando cheguei na vinícola, eu sabia que a bebida é derivada da fermentação da uva – o que, convenhamos, é quase como não saber nada. Mas o passeio na Quinta do Campo Alegre me empoderou com conhecimento suficiente para impressionar meus amigos na mesa de restaurantes.
A primeira parte do passeio é didática e não deve revelar grandes descobertas para quem está familiarizado com o assunto, mas é interessante conhecer uma vinícola no Vale do Jequitinhonha, cuja tradição viticultora é quase desconhecida. Sem falar que é muito bonito ver os parreirais de perto e os corredores de plantações a perder de vista.
Ao entrar no vinhedo, as roseiras na ponta de cada rua foram o que primeiro chamaram a minha atenção. Além de ajudarem a compor um belo cenário, Ana Júlia explicou que as rosas funcionam como protetoras e bioindicadoras: quando pragas planejam um ataque, começam pela ponta dos corredores, então as rosas se “sacrificam” e protegem as uvas.
No total, são 12 mil pés de uva de oito variedades: malbec, tannat, cabernet franc, merlot, syrah, pinot noir, sauvignon blanc e tempranillo. O mais chocante é que os pés precisam de manutenção diária. É o senhor Olivaldo, um dos dez funcionários da vinícola, que anda diariamente pelos corredores vendo se está tudo em ordem.
As uvas ficam completamente envoltas em telas para que não sejam saboreadas por abelhas ou animais maiores, como raposas e pássaros – é comum que o senhor Olivaldo encontre as aves presas nas redes em suas vistorias diárias.
Entre as parreiras, foi a vez de Luiz Felipe explicar que o cultivo no terroir de Diamantina se dá com a técnica de dupla poda, o que significa inverter o ciclo natural da videira para ela frutificar no inverno. O casal realiza duas podas anuais e não colhe as uvas no verão (como ocorre no Sul), quando o clima está úmido e não garantiria um vinho encorpado.
A colheita, assim como o desponte e a desfolha, são processos manuais. Do campo, as uvas chegam na vinícola em uma carroça para serem pesadas e passarem pela mesa seletora, onde a seleção dos cachos também é manual.
Daí, as uvas passam pela desengaçadeira, que separa os cachos e as uvas – a máquina substitui a antiga técnica de pisoteio, mas logo as técnicas artesanais voltam a fazer parte da vinificação: antes de serem levadas para envelhecerem nas caves, os vinhos são engarrafados e as rolhas são colocadas manualmente.
A Quinta do Campo Alegre divide espaço com os produtores da Quinta da Matriculada, a Vittelo e Sanfariah, que maturam seus vinhos juntos. Por causa da baixa produtividade, o foco de Ana Júlia e Luiz Felipe é abastecer lojas e restaurantes em Diamantina, como o Relicário, da premiada chef Rachel Palhares.
O melhor, é claro, fica por último: a degustação. O casal nos guiou até uma linda casa de pedra com paredes de vidro que dão vista privilegiada para o cerrado e a Serra do Espinhaço a uma altitude de 1400 metros.
Na Experiência Quinta do Campo Alegre, são oferecidos três vinhos para serem harmonizados com uma tábua de frios. No meu caso, foram queijos produzidos pela Fazenda Braúnas com três diferentes tempos de maturação.
O primeiro vinho foi o cítrico La Blanca, feito com sauvignon blanc, e depois os tintos Dom Leon Alvarez e La Guarda, feitos com syrah, que choraram bastante e deixaram borras na taça. Todos os vinhos receberam premiações da Wines of Brazil Awards.
Além dos vinhos, a Quinta do Campo Alegre também usa as uvas para produzir a grappa, muito popular na Itália. O destilado é feito com o bagaço das frutas e tem tem altíssimo teor alcoólico, entre 37,5% a 60%. O sabor se assemelha ao da cachaça brasileira e depois de provar um copinho já dá para entender porque a bebida era companheira das noites de frio italianas.
Serviço
A Experiência Quinta do Campo Alegre dura em torno de duas horas e inclui passeio pelos vinhedos, pela vinícola e a degustação de três rótulos com tábua de frios. As saídas acontecem uma vez por mês, às 15h, no centro de Diamantina (o transporte está incluso). A atividade custa R$ 195 via transferência e R$ 205 no cartão de crédito.
Outra visita possível é a Rota Artesanal, que percorre a fazenda do Queijo Braúnas e a Cervejaria Relíquia, além da Quinta do Campo Alegre. O passeio custa R$ 260 via transferência e R$ 273 no cartão de crédito.
A Quinta do Campo Alegre está a 30 minutos de carro do centro de Diamantina via BR-367.
Mais informações e reservas pelo WhatsApp: (38) 9841-7397
Fonte: viagemeturismo