Envolta em mistérios e ostentando um verde intenso, a Lagoa Encantada, localizada no território indígena Parabubure, lar do povo Xavante, em Campinápolis, a 565 km de Cuiabá, é um lugar que chama à atenção não só pela beleza, mas pelos mitos que inspirou.
Sem profundidade definida, a lagoa que fica a 16 km da aldeia Ro’oredza’odzé é um símbolo importante da cultura e identidade do povo Xavante, que considera o local sagrado, segundo o professor Saturnino Wapotowe.
“Acreditamos nos mistérios que envolvem a Lagoa Encantada. Respeitosamente, podemos tocar a água e banhar nas margens. Mas, não é recomendável ir para o fundo. Ou tentar mergulhar. É necessário respeitar e o povo Xavante respeita”, disse Saturnino em entrevista ao Primeira Página.
Apesar de poderem tomar banho nas margens, Saturnino conta que eles evitam entrar na lagoa. No povo Xavante existe um mito de que várias mulheres desapareceram depois que mergulharam no local.
“Antigamente, mulheres que coletavam frutas foram até lá e viram patos na lagoa. Elas mergulharam na lagoa atrás dos patos, mas não saíram”.
De acordo com o professor, após o desaparecimento das mulheres, um pajé fez rituais e sacrifícios, como ficar sem comer e beber, por muitos dias, para que a lagoa secasse e elas fossem encontradas.
“As mulheres foram resgatadas do fundo do lago, mas só viveram por alguns dias, pois acabaram morrendo”, relata Saturnino.
Lagoa Encantada é morada de seres místicos
Florestino Warawi, que também é professor e vive na aldeia mais próxima da lagoa, a cerca de 3 km de distância, diz que o local também é morada de vários seres místicos.
“Segundo a história que nossos pais contam a lagoa não surgiu, ela sempre existiu e dela surgiram os seres que moram dentro da água: a mãe d’água e o pai d’água, segundo o nosso mito”.
Mas, não só a lagoa guarda mistérios. Ao lado do local existe uma caverna habitada por seres misteriosos, segundo os Xavante. Porém, o acesso só é permitido aos homens, que usavam o espaço para fazer rituais.
“A caverna foi tomada pela areia, que tampou ela e as galerias. Hoje não tem mais acesso. Mas, ali fazíamos um ritual sagrado, sem a participação das mulheres. Nossos antepassados usavam aquele espaço, que segundo a história tem uma galeria, que dá acesso a outro lugar”, conta Saturnino.
O professor ainda relatou que de lá escutam sons de animais. Além disso, diz que objetos que funcionam a partir de pilhas e baterias tem pouca duração quando são levados para caverna.
“Tem uma galeria como se fosse um corredor. Dentro dela tem água que percorre o subsolo. Até pouco tempo se ouvia vários rugidos de bicho, onça e macaco, de dentro da caverna. Porém, não se vê esses animais. Também objetos movidos a bateria não resistem por muito tempo ali. Somente o fogo que resiste, mas lanternas e luzes têm pouco durabilidade dentro da caverna”.
Visitantes autorizados são bem-vindos
Segundo os professores, todos os mistérios que envolvem o lugar têm chamado à atenção de visitantes, mas ressaltam que é necessário pedir a autorização do povo para conhecer a Lagoa Encantada.
“Jamais as pessoas estranhas podem ter acesso ao território indígena, sem autorização dos caciques, da comunidade, da Funai [Fundação dos Povos Indígenas]. É necessário pedir para entrar e conhecer a lagoa”, enfatiza Florestino Warawi.
Mitos em sala de aula
O professor Josué Rodrigues Nogueira Junior, diretor da Escola Estadual Indígena Luiz Rudzane Edi Orebewe, que fica no território Xavante, ressaltou que a unidade escolar também tem trabalhado para revitalizar os contos e mitos do povo, para que esses conhecimentos não se percam.
“É essencial que as novas gerações, mesmo com as tecnologias acessíveis do homem ocidental, respeitem suas origens e compreendam seus signos e ritos. A Lagoa Encantada é um lugar sagrado e precisa continuar sendo e isso também é assunto a ser tratado no espaço escolar. O respeito às tradições é uma missão da escola da Aldeia Ro’oredza’odzé”, diz Josué.
Fonte: primeirapagina