Via @portalmigalhas | A 3ª turma do TRT da 12ª região anulou todos os atos de um processo trabalhista após concluir que a citação da empresa ré, feita por WhatsApp, não cumpriu os requisitos mínimos de validade.
O mandado havia sido enviado a um número comercial da empresa, com confirmação de leitura, os conhecidos dois risquinhos azuis, mas sem qualquer resposta ou comprovação de quem recebeu a mensagem.
Para o colegiado, não se pode presumir que um canal de atendimento seja, por si só, apto a receber comunicações judiciais, especialmente em um cenário de constantes golpes virtuais e uso de respostas automatizadas.
O caso
O processo tramita na 3ª vara do Trabalho de Criciúma/SC e foi movido por um trabalhador que atuava como entregador. Ele pleiteava o reconhecimento de vínculo empregatício com a empresa e o pagamento de verbas como saldo de salário, 13º, férias e FGTS.
A citação inicial foi realizada por um oficial de justiça por meio do WhatsApp Business, vinculado a um número comercial da empresa. A única evidência registrada foi a visualização da mensagem, sem qualquer resposta escrita ou identificação de quem a leu.
Com a ausência da empresa na audiência marcada, o juízo de 1º grau considerou válida a citação e aplicou a revelia, ou seja, presumiu verdadeiros os fatos narrados pelo autor, condenando a empresa ao pagamento das verbas trabalhistas.
Na fase de execução, o sócio da empresa, que passou a figurar como responsável pelos débitos, recorreu ao TRT da 12ª região. A defesa alegou que a citação foi feita sem comprovação de que o conteúdo da mensagem havia efetivamente chegado a alguém com poderes para representá-la.
Exigência de ciência inequívoca
O relator, desembargador José Ernesto Manzi, destacou que a citação por meio eletrônico, embora permitida pelo art. 246 do CPC e pela resolução 354/20 do CNJ, exige a identificação inequívoca da pessoa que recebe a mensagem, a comprovação de que essa pessoa possui poderes legais de representação e a demonstração clara de que o conteúdo foi compreendido.
“Na ausência de comprovação de que a empresa, ou pessoa com poderes para receber notificação, teve conhecimento da citação feita pelo oficial de justiça através do aplicativo WhatsApp, não se configura a formação válida da relação processual.”
Ao fundamentar seu voto, o relator também citou precedente da própria 3ª turma, no qual se reconheceu a nulidade da citação feita via número comercial usado para atendimento automatizado, sem comprovação de que o canal fosse adequado para contato com a gerência da empresa.
Ambiente digital exige cautela
O relator ressaltou que, diante do atual cenário de proliferação de fraudes digitais e comunicações enganosas, o uso de canais eletrônicos em atos processuais deve ser cercado de cautela. A simples visualização da mensagem, como a indicação de leitura por “sinal azul”, não é suficiente para validar a citação, na ausência de confirmação textual e identificação do destinatário.
Segundo o desembargador, não é razoável presumir que canais comerciais, muitas vezes operados por diversos funcionários ou sistemas automatizados, garantam a efetiva ciência de uma intimação judicial por parte do representante legal da empresa.
“A despeito da agilidade e da praticidade inerentes aos mecanismos digitais de comunicação, não se há de permitir que esses atributos mitiguem os princípios basilares da segurança jurídica e da ampla defesa, sobretudo em um ambiente digital que, como já dito acima, se mostra pródigo em ilusões e artifícios que facilmente podem conduzir ao erro ou ao engano deliberado.”
Assim, o TRT da 12ª região declarou a nulidade processual desde a citação da empresa e determinou o retorno dos autos à vara de origem.
- Processo: 0000558-40.2023.5.12.0055
Confira o acórdão.