Atualmente temos seguido um tendência de separar alguns sintomas e condutas presentes em determinadas enfermidades mentais e colocá-los como entidades à parte, dentro dos transtornos de hábitos, impulsos e comportamentos. Assim aconteceu com a chamada síndrome da pressa, síndrome do pensamento acelerado, acúmulos patológico de objetos ou animais e outros estados disfuncionais, como o que vamos abordar nas próximas linhas ao falar de pessoas que passam grande parte de seu tempo sonhando em estado de vigília, o sonhar acordado; pessoas que chegam a desconectar-se da realidade, enquanto viajam nos seus sonhos; perdem-se nas horas, fato que pode interferir nas atividades da vida diária e nas realizações pessoais.
A isso foi dado o nome de Transtorno do Devaneio Excessivo (TDE), mais conhecido como “maladaptive daydreaming” em inglês, conceituado como uma condição psicológica caracterizada por episódios intensos e frequentes de devaneios, que interferem na vida cotidiana do indivíduo. O fato de sonhar acordado não traduz nenhuma anormalidade, é comum e, até certo ponto, saudável, desde que não seja excessivo ou traga consequências a aquele que sonha ou a quem com ele convive.
Os devaneios referem-se a narrativas e personagens fictícios e dizem respeito aos desejos, às necessidades e aos medos do indivíduo sonhador, que pode se manter horas envolto em suas fantasias, como se estivesse em transe hipnótico, ou se perdesse a consciência por longo tempo, chegando a desconectar-se do ambiente.
É óbvio que a desconexão com a realidade e o tempo despendido com cada devaneio traz prejuízos nas diversas áreas da vida, seja acadêmica, profissional ou social. É pior ainda no âmbito pessoal e familiar, meios que são muito comprometidos, visto que a pessoa evita ou nega a realidade e aprofunda-se em suas fantasias, envolve-se na criação de mundos imaginários e vívidos, passando horas imersa nesses mundos, acabando por negligenciar responsabilidades, relacionamentos e, até mesmo, o autocuidado.
O transtorno do devaneio excessivo não é uma enfermidade catalogada nas classificações internacionais de doenças; trata-se, a princípio, de um comportamento ou apenas um sintoma inserido em outros transtornos mentais, mas há uma tendência a tratá-lo como um comportamento à parte, que pode estar relacionado a uma carga grande de estresse ou à existência de traumas psicológicos na infância. Há, ainda, a possibilidade de tratar-se de alguém com grande poder criativo, ligado à arte, que vive comumente imerso em suas produções artísticas.
A pessoa que apresenta este comportamento convive com fantasias vívidas, como se estivesse vivendo em um filme produzido pela mente; durante os frequentes episódios de devaneio, o indivíduo tem uma tendência a agir com movimentos repetitivos, com mímicas faciais, balançando os braços ou andando em círculos; há uma visível dificuldade de concentração nas tarefas diárias e a pessoa tende a isolar para não ser interrompida ou incomodada em seus devaneios.
O devaneador experimenta euforia ou alívio ao adentrar em suas fantasias, porém, ao sair delas, segue-se um sentimento de culpa e frustração por não conseguir evitar aqueles momentos. Isso ocorre porque há uma clara consciência da diferença entre fantasia e realidade, assim como da dificuldade de controlar o sonho acordado, como também sua frequência ou sua duração.
Quando esses sintomas são observados, a própria pessoa, por si só, ou estimulada por alguém de sua convivência, deve procurar ajuda profissional. Técnicas de terapia cognitivo-comportamental e mindfulness, com reorganização da rotina diária, são indicadas em grande parte dos casos. Muitas vezes há necessidade de tratar a doença psiquiátrica de base com o uso de medicamentos. Seja o tratamento apenas psicológico ou apenas psiquiátrico ou integrado (psiquiátrico e psicológico), o objetivo é diminuir o tempo e a frequência dos devaneios diários e recuperar o equilíbrio entre a fantasia e a realidade.
Fonte: primeirapagina