Notícias

TJAP exclui paternidade socioafetiva após anos de convivência: defesa destaca liberdade na relação parental

Grupo do Whatsapp Cuiabá
2025 word3
TJAP exclui paternidade socioafetiva mesmo após anos de convivência; defesa destaca “A paternidade não pode ser uma imposição”

Vídeo ao final • O
Tribunal de Justiça do Estado do Amapá (TJAP), por meio da Câmara Única, acolheu apelação em processo que tramita sob
segredo de justiça e declarou inexistente o vínculo paterno registral de um
homem que, por mais de uma década, acreditou ser pai de duas menores. A decisão
reformou a sentença de primeiro grau ao reconhecer que o registro foi firmado
sob erro substancial, decorrente de infidelidade conjugal não revelada,
infertilidade comprovada e dos profundos impactos emocionais sofridos pelo
recorrente ao descobrir que havia sido enganado durante toda a convivência
marital.

A parte recorrente é representada pela advogada Inahani
Santos Confolonieri
(@advogadaonline_inah), cujo escritório atua exclusivamente na defesa de homens em causas de
família. Segundo a defesa, o homem não buscou a ação para interromper o
pagamento de pensão, mas porque a descoberta da verdade o levou a crises de
ansiedade, sentimentos de humilhação e depressão, tornando impossível manter a
convivência com as crianças e exigindo a revisão de um registro construído sob
vício de consentimento.

Entenda o caso

O caso envolve um homem
que, durante o casamento mantido entre 2009 e 2018, registrou como suas duas
meninas gêmeas concebidas durante a relação. Após a separação motivada por
infidelidade, ele passou a notar que os traços físicos das menores eram muito
diferentes dos seus, o que despertou dúvida crescente sobre a paternidade. Essa
dúvida ganhou força quando, ao realizar exames médicos, descobriu ser infértil,
levando-o a realizar exame de DNA extrajudicial. O resultado confirmou a
ausência total de vínculo biológico com as crianças que havia registrado.

A
confirmação da infertilidade e do resultado genético provocou um impacto
emocional profundo. O homem passou a sofrer crises de ansiedade e evoluiu para
estado depressivo, quadro que se agravava ao perceber que toda a formação da sua
identidade como pai estava ligada a um equívoco originado durante a convivência
conjugal. A defesa explica que, ao comunicar a verdade à mãe e às menores, ele
não conseguiu mais manter a convivência, pois a situação o relembrava
constantemente do engano vivido por mais de uma década.

Durante a
instrução processual, as menores foram ouvidas. Uma delas declarou, conforme
registrado nos autos e mencionado no julgamento, que para “ficar tudo bem seria
bom o aumento da pensão”
e que “o dinheiro que ele dá é pouco, já que elas não
têm casa própria”
. Essa fala, reproduzida pelo relator durante a sessão gravada
do TJAP, foi considerada relevante para demonstrar a ausência de um vínculo
afetivo recíproco, indicando que a relação existente era marcada por expectativa
financeira, e não por laços emocionais.

A sentença de primeiro grau
havia julgado improcedente o pedido, mantendo o registro de paternidade sob o
fundamento da socioafetividade. Em grau de apelação, porém, o TJAP reformou a
decisão, reconhecendo que houve erro substancial na formação da vontade,
considerando a infertilidade comprovada, o exame genético excludente, o relato
da própria genitora sobre a infidelidade e as declarações das menores. O
Tribunal concluiu que não havia vínculo afetivo contemporâneo e declarou a
inexistência de paternidade, por votação unânime.

Fundamentos da decisão

Durante
o julgamento gravado e disponibilizado pelo próprio Tribunal, o relator,
Desembargador Mário Mazurek, destacou logo no início que o caso envolvia não
apenas provas técnicas, mas também uma realidade humana marcada por engano,
abalo emocional e vício de consentimento. Ele afirmou de forma clara e direta
que “a paternidade deve ser via de mão dupla; se esse homem não quer ser pai
socioafetivo, ele não deve ser obrigado”
, expressão que sintetizou o
entendimento do colegiado sobre a impossibilidade de impor a alguém um vínculo
erguido sobre a mentira e sobre a dor.

O relator enfatizou que o
recorrido foi atingido duas vezes: a primeira, ao descobrir a traição conjugal e
a infertilidade, revelação que destruiu sua compreensão de si mesmo enquanto
pai; e a segunda, quando ainda se tentou impor a ele a continuidade de um
vínculo que jamais foi formado com plena consciência e que se desfez por
completo após a descoberta da verdade. Para o magistrado, manter esse homem
vinculado juridicamente a uma paternidade que não era biológica, não era
voluntária e não era afetiva equivaleria a perpetuar a injustiça.

O
entendimento do relator foi reforçado pelos desembargadores Carmo Antônio e
Agostino Silvério
, que acompanharam o voto. Ambos ressaltaram que a paternidade
socioafetiva, para existir validamente, exige vontade livre, afeto recíproco e
convivência real, elementos completamente ausentes nos autos após a revelação da
infertilidade. Eles lembraram que uma das menores declarou que, para “ficar tudo
bem, seria bom o aumento da pensão”
, afirmando ainda que “o dinheiro que ele dá
é pouco, já que elas não têm casa própria”
. Para a defesa, a fala das menores
demonstra a ausência de vínculo afetivo recíproco, evidenciando que a relação
mantida após a separação tinha um caráter predominantemente instrumental e
marcado por expectativas financeiras — argumento que, segundo a advogada,
reforça a inexistência de socioafetividade no caso.

A Procuradora de
Justiça Raimunda Clara Banha Picanço também emitiu parecer favorável à reforma
da sentença, reconhecendo que a soma das provas — a infertilidade comprovada, o
DNA excludente, a confissão da genitora sobre a infidelidade, as declarações das
menores e a ausência de convivência — demonstrava a existência de vício de
consentimento no ato registral. Para ela, obrigar o recorrente a sustentar uma
paternidade moldada pelo equívoco e pela dor seria incompatível com a função
protetiva do Direito de Família.

O colegiado chegou a afirmar que
insistir na manutenção da paternidade seria “puni-lo duas vezes”, expressão que
sintetiza o entendimento de que o homem já havia sofrido profundamente com o
engano e não poderia ser juridicamente coagido a permanecer em um vínculo
inexistente. Diante de todas as evidências, os desembargadores votaram de
maneira unânime pela desconstituição da paternidade, reconhecendo que a verdade
biológica, a ausência de afeto e o vício de consentimento tornavam indispensável
a anulação do registro.

Considerações finais

A decisão do TJAP
reafirma que a paternidade, seja biológica, seja socioafetiva, só pode subsistir
quando há verdade, vontade livre e afeto real. O caso evidencia que o erro
substancial, quando aliado à infidelidade, à infertilidade comprovada e ao
sofrimento emocional grave, torna impossível exigir de alguém o exercício de uma
paternidade construída sobre engano. Para o Tribunal, impor esse vínculo
significaria punir novamente um homem que já havia sido profundamente ferido
pela fraude e pela quebra de confiança.

Segundo a defesa, o
recorrente segue em acompanhamento psicológico e move ações de exoneração de
alimentos e de indenização por danos morais e materiais, ainda pendentes de
julgamento. O caso, considerado emblemático, reforça a importância de reconhecer
a dor emocional vivida por homens enganados em contexto familiar e demonstra que
a Justiça deve proteger a dignidade daqueles que, mesmo agindo de boa-fé, foram
induzidos a assumir responsabilidades fundadas em vício de consentimento.

Decisão
proferida em processo que tramita sob segredo de justiça, nos termos da
legislação aplicável, para preservar a identidade dos envolvidos.

Sobre o autor

Avatar de Redação

Redação

Estamos empenhados em estabelecer uma comunidade ativa e solidária que possa impulsionar mudanças positivas na sociedade.