Não, minha coluna de hoje não é sobre religião, mas tem a ver com tweet publicado no X por Pat Gelsinger, CEO da Intel, no dia 4 de agosto, poucos dias depois de a empresa anunciar o plano de demissão de mais de 15 mil funcionários, cerca de 15% de sua força de trabalho:
“Que teus olhos vejam de frente e que tua vista perceba o que há diante de ti! Examina os caminhos onde colocas os pés e que sejam sempre retos!” (Provérbios, 4, 25-26).*
Para entender por que Gelsinger recorreu às orações, precisamos entender o papel da Intel no cenário mundial de tecnologia e a situação em que se encontra hoje.
A Intel é uma das empresas mais influentes no mercado global de tecnologia. Ela desempenhou papel fundamental na evolução da computação e na criação de tecnologias que moldaram o mundo moderno. Fundada em 1968 por Robert Noyce e Gordon Moore, a Intel começou como uma fabricante de semicondutores e, rapidamente, se tornou líder na produção de microprocessadores, que são o “cérebro” dos computadores modernos.
Na década de 1990, se tornou imbatível, inovando com o lançamento de novos processadores com alta eficiência. quem não se lembra da linha Pentium e, logo depois, a arquitetura Core? A marca “Intel Inside” se tornou sinônimo de qualidade e desempenho, ajudando a Intel a construir uma reputação global.
Mas nos anos 2000, o oceano começou a mudar de cor para a companhia que enfrentou novos desafios com a ascensão de concorrentes como a AMD e ARM – que atualmente, estão redefinindo o mercado de chips com novas arquiteturas e tecnologias. Em 2020, a Apple anunciou que substituiria os processadores Intel por seus próprios chips baseados em ARM, os Apple Silicon. Outros gigantes do mundo tech seguem o mesmo caminho como Google, Meta, Amazon, e Microsoft.
A busca da Intel para garantir sua posição no mercado de PCs com inteligência artificial tem sido um dos principais desafios. A demanda por computadores que utilizam seus chips diminuiu no último ano, com clientes migrando para a Nvidia em busca de chips de IA para data centers. Assim como a concorrência da Qualcomm, que tem acompanhado de perto a evolução do setor.
No livro best seller “O Dilema da Inovação”, o autor Clayton Christensen reflete sobre como as novas tecnologias levam empresas consolidadas ao fracasso. Em vários estudos de casos, o autor mostra como empresas líderes de mercado não foram ágeis e hábeis o suficiente para evitar que inovações de ruptura conquistassem seus clientes mudando o cenário em seus segmentos de negócio.
Essa é uma reflexão que podemos fazer, olhando a história recente da Intel. Será que estamos vendo a gigante sucumbir? A lenta transição dos processadores de 14nm para os 10nm se transformou em uma novela que se arrastou de 2016 a 2019. Foi marcada por desafios técnicos significativos e atrasos, afetando sua competitividade no mercado de semicondutores. A transição lenta prejudicou sua liderança tecnológica.
Em 2018, foram descobertas falhas de segurança que afetaram diretamente seus chips e sua reputação, o que acarretou, agora, na dificuldade de manter sua produção de chips sob controle próprio, o que é sua principal marca e diferencial. O controle sobre a produção e o desenvolvimento de semicondutores é estratégico, pois esses componentes são essenciais para praticamente todas as tecnologias modernas, incluindo defesa, telecomunicações e inteligência artificial
A demissão em massa, anunciada no início do mês, é resultado dessa série de fatores, incluindo o prejuízo de US$ 1,6 bilhão que a Intel divulgou no segundo semestre de 2024. O mercado de tecnologia é notoriamente volátil e a Intel, uma das gigantes dos chips, está sentindo essa realidade na pele. Dez anos após o boom dos tablets e a posterior recuperação do mercado de notebooks, a Intel enfrenta uma crise significativa.
Falamos da oração, da tecnologia, mas onde a geopolítica entra nessa história?
A Intel não é apenas uma gigante da tecnologia; é também um ator estratégico na disputa tecnológica entre os Estados Unidos e a China. Seu papel como líder em semicondutores e inovadora em tecnologias críticas a coloca no centro das tensões geopolíticas. Suas fábricas estão localizadas em várias partes do mundo, incluindo os EUA, Israel e Irlanda. A dependência global dos chips da Intel significa que qualquer interrupção na produção ou distribuição pode ter repercussões significativas em todo o setor de tecnologia.
Os EUA têm promovido iniciativas para aumentar a produção doméstica de semicondutores e a Intel tem sido um parceiro-chave nesses esforços. Isso é parte de uma estratégia maior para reduzir a dependência americana de cadeias de suprimentos estrangeiras, especialmente da Ásia.
Já a China tem ambições de se tornar autossuficiente em semicondutores e de liderar a próxima geração de tecnologias, como IA e 5G. Para isso, o governo chinês tem investido pesadamente no desenvolvimento de empresas locais.
Vamos aguardar para ver os próximos episódios dessa série – e é melhor não duvidar da capacidade de recuperação da Intel, nem do poder de inovação de suas concorrentes.
É por isso que gosto de ressaltar que quando lemos uma notícia sobre o mundo da tecnologia, seja de uma big tech, de um super empresário ou de um país que influencia muito o setor, é fundamental aprofundar sobre tudo que a ação representa.
Uma cauda longa que, hoje, passou por geopolítica, tecnologia e o poder da oração. Não custa finalizar também com a minha oração, pedindo para que a gente possa ter sabedoria para agir com ética e empatia – e coragem para tomar decisões com conhecimento e assertividade nesse mundo complexo e instigante.
* BÍBLIA. Português. bíblia Sagrada Ave Maria. Tradução e organização: Equipe editorial Ave-Maria. São Paulo: Ave-Maria, 2016. p. 1058.
Fonte: gazzconecta