O foie gras (se pronuncia fuagrá) é uma das principais iguarias da prestigiosa culinária francesa. O quitute, que em português significa “fígado gordo”, é um patê feito com o fígado dilatado de patos, gansos e marrecos.
Para atingir a consistência cremosa, as aves que providenciam a matéria-prima do prato passam por alimentação forçada até o fígado ficar exausto e chegar à hipertrofia lipídica, que é o máximo de gordura acumulada que o órgão pode aguentar.
Não é a receita mais ética de todas, como você pode perceber. Vários grupos de defesa dos animais denunciam o fato de que o foie gras só existe porque os produtores intencionalmente causam uma doença no fígado das aves, a esteatose hepática, caracterizada por excesso de gordura no fígado. O órgão pode chegar a um volume dez vezes maior que o inicial.
Como, então, manter um dos pratos mais tradicionais da França numa sociedade que está mais atenta ao sofrimento e aos direitos dos animais? Uma equipe de pesquisadores liderados por Thomas Vilgis, do Instituto Max Planck para Pesquisa de Polímeros, da Alemanha, deu um jeito promissor.
A chave para desenvolver a nova técnica de produção de foie gras, descrita no estudo publicado no periódico Physics of Fluids, era entender que o diferencial do prato não é só o nível alto de gordura, mas também a distribuição microscópica peculiar desses lipídios.
O segredo do sucesso
Primeiro, a equipe de Vilgis tentou fazer um patê alternativo com a mesma proporção de gordura e carne de fígado do foie gras, mas não deu muito certo. Eles tentaram adicionar colágeno para replicar a densidade do quitute, mas a textura na boca parecia de borracha.
O segredo estava em uma enzima liberada pelo pâncreas dos animais que passam pela alimentação forçada. Ela divide as gorduras antes de armazená-las no fígado, o que facilita o armazenamento dessas moléculas grandes de lipídios no órgão.
Os cientistas replicaram esse processo natural com a enzima lipase que vem da levedura Candida rugosa. Ela simulou a cisão das moléculas de gordura que ocorre naturalmente no sistema digestório dos animais. Os lipídios podem então ser misturados à carne de fígado para produzir o foie gras amigável.
A equipe de pesquisadores vez vários testes para comparar o foie gras de laboratório com o patê tradicional. O aroma e o gosto eram praticamente idênticos. Agora, o processo foi patenteado e os cientistas estão pensando em opções para comercializar o produto.
O foie gras é ilegal em alguns países, como o Reino Unido, e a alimentação forçada só é legalizada em cinco dos 27 estados-membros da União Europeia: França, Bélgica, Bulgária, Espanha e Hungria. A técnica consiste em alimentar as aves à força com um tubo de metal de 30 centímetros, que deposita o alimento direto no estômago dos animais. Isso acontece duas vezes por dia, durante um período que pode chegar até 4 semanas.
Acabar com a alimentação forçada já é um motivo bem nobre, mas não é como se esse novo foie gras fosse 100% livre de crueldade animal. O patê de fígado não é vegetariano, e uma ave ainda precisa ser morta e ceder um órgão para a produção da iguaria. Mas a nova técnica já é um grande passo na direção de uma culinária francesa com mais liberdade, igualdade e fraternidade para os animais.
Fonte: abril