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STF julga conflito entre dever de sigilo e direito de autodefesa do advogado: entenda o caso

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Via @consultor_juridico | Em setembro, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, negou agravo regimental do Ministério Público do Paraná contra a decisão que estabeleceu que o direito de autodefesa do advogado não é absoluto e não justifica quebra de sigilo profissional. Nesta sexta-feira (14/11), o colegiado, em sessão virtual, começará a julgar os embargos de declaração apresentados pelo MP-PR.

A controvérsia teve origem em uma investigação do órgão paranaense sobre a suposta atuação de uma organização criminosa na concessão de transporte coletivo urbano em diversas cidades do país, distribuídas em cinco estados e no Distrito Federal.

O MP-PR identificou fraudes em licitações, desvio de verbas públicas e lavagem e ocultação de dinheiro, entre outros crimes que teriam sido praticados por integrantes de um escritório de advocacia, sócios de três empresas de engenharia, empresários do ramo de transporte coletivo e servidores públicos municipais. A partir dessa investigação, foram abertas oito ações penais e firmados dois acordos de delação premiada. 

Uma das delações é de um advogado que atuou na defesa da principal empresa investigada pelo MP-PR. Ele forneceu informações que culminaram no aditamento da denúncia contra os seus antigos clientes. 

A defesa dos delatados questionou o acordo com a alegação de que o advogado não respeitou o sigilo profissional ao revelar informações que foram obtidas durante o seu trabalho. O Superior Tribunal de Justiça acolheu esses argumentos e anulou a delação, determinando ainda que todas as provas dela derivadas fossem apartadas do processo. 

O MP-PR recorreu ao STF com o argumento de que havia um conflito entre o dever de sigilo e o direito do advogado à autodefesa. O relator da matéria, ministro Gilmar Mendes, manteve o entendimento do STJ e teve seu voto acolhido por unanimidade. 

O decano do Supremo entende que o advogado não pode testemunhar contra seus antigos clientes sobre fatos de que tomou conhecimento por causa de sua profissão. “Em casos como esse, a colaboração premiada não deve ser admitida porque constitui violação aos direitos da pessoa representada, inclusive do seu direito de defesa e do direito à assistência jurídica, além de configurar evidente violação ético-profissional por parte de seu representante jurídico.”

Dever de ofício

O veto à delação do advogado contra seu cliente foi estabelecido pela Lei 14.365/2022, que alterou trechos do Estatuto da Advocacia. Entre as mudanças, foi acrescentado o parágrafo 6º-I ao artigo 7º, que trata dos “direitos do advogado”. A nova redação proibiu que causídicos façam delação contra quem seja ou tenha sido seu cliente. O descumprimento dessa regra resulta em processo  disciplinar previsto no artigo 35 do Estatuto e em crime previsto no Código Penal.

A decisão do STF, contudo, tratou do conflito entre o direito de autodefesa do advogado e o dever de sigilo. Uma controvérsia não prevista na lei.

Para a advogada Maíra Salomi, sócia do escritório Salomi Advocacia Criminal, a decisão do Supremo foi acertada, uma vez que manteve a anulação de um acordo de colaboração premiada celebrado com violação ao sigilo profissional.

“Aqui nós temos uma proteção, um sigilo que é do advogado, mas que também é do representado. Então há esse cuidado em proteger esse sigilo em toda e qualquer situação. O próprio Código de Ética da OAB, nos artigos 25, 26 e 27, também regulamenta esse sigilo que é estabelecido como inerente à profissão, e diz que há uma necessidade de guarda desse sigilo em toda e qualquer situação.”

O criminalista Thúlio Guilherme Nogueira, do Drummond e Nogueira Advocacia Penal, vai pela mesma linha. Ele destaca que a colaboração premiada, antes de ser instrumento de defesa, é meio de obtenção de prova.

“Chama a atenção a posição do Ministério Público de defender a validade do acordo. É evidente que o delator tem direito à autodefesa, mas, nesse caso, ele termina onde começa o dever de proteger quem se defende. O sigilo entre advogado e cliente não é um privilégio da classe. É a garantia de que alguém pode falar livremente com quem o representa”, disse ele. “Imaginem um sistema em que advogados possam delatar seus clientes. Quem ainda confiaria em um defensor com base numa alegada ampla defesa? A advocacia deixaria de ser um espaço de lealdade e passaria a ser um campo de risco.”

Nogueira afirma que a decisão da 2ª Turma colocou o STF na vanguarda ao impor limites claros ao exercício da advocacia criminal no processo negocial. “Traduzimos os institutos, mas não os mecanismos de controle. Em países com cultura negocial consolidada, como os Estados Unidos, há padrões éticos claros desde 1979.”

Christiany Pegorari Conte, professora de Direito Penal e Processual Penal da PUC Campinas, diz que permitir uma colaboração premiada “especial” de advogado contra cliente abriria um precedente para que todo defensor buscasse benefícios delatando representados, o que enfraqueceria o sistema de garantias processuais.

“A jurisprudência, e entendo corretamente, prevê apenas hipótese excepcional de simulação da relação advogado-cliente (por exemplo, quando não há relação jurídica real de defesa) para admitir colaboração. Essa restrição protege o sistema.”

Pecado original

O diretor nacional de Prerrogativas da Associação Brasileira de Criminalistas (Abracrim), Mário de Oliveira Filho, também é favorável ao entendimento do STF, mas chama a atenção para o “pecado original” que viabiliza a delação de um advogado contra seu cliente.

“O advogado não pode se envolver na atividade delituosa do seu cliente. Ele tem de fazer a defesa dentro dos preceitos legais e técnicos. A partir do momento em que ele passa a fazer parte integrante da ação criminosa do seu cliente, ele se torna criminoso também. Vale tudo pelo cliente? Não! Vale quase tudo. No momento em que você tem de transpassar a linha divisória do exercício da profissão para fazer parte de uma ação criminosa, seja de maneira física ou intelectual, aí acabou. Está no mesmo balaio de gato.”

Welington Arruda defende que, mesmo com a anulação da delação, o advogado delator deve ser alvo de processo administrativo. “Mesmo com a delação anulada no processo, isso não impede a responsabilização na OAB. A nulidade no processo penal não apaga a infração ética. Quebrar sigilo e atuar contra o cliente é violação grave do Estatuto e do Código de Ética, passível, sim, de punição disciplinar”.

Clique aqui para ler o voto do ministro Gilmar Mendes

  • RE 1.547.659

Rafa Santos
Fonte: @consultor_juridico

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