Ă sempre muito mais confortĂĄvel, ou menos incĂŽmodo, desviar o olhar das coisas que incomodam â o aleijado que pede esmola no sinal de trĂąnsito, o carente que precisa do seu tempo, as fotos de gente morrendo de fome da SomĂĄlia. Talvez nenhum de todos esses movimentos de autodefesa esteja sendo praticado com tanta aplicação no Brasil de hoje quanto a indiferença diante da injustiça mais indiscutĂvel que jĂĄ foi montada na histĂłria deste paĂs: os processos de BrasĂlia para julgar o âgolpe armadoâ de janeiro de 2023.
Pense em qualquer violação da lei que possa ser cometida contra o rĂ©u de um processo penal â o STF jĂĄ cometeu. Pense em ofensas diretas ao raciocĂnio lĂłgico, em falsificação de fatos ou em mentiras fisicamente comprovadas â o STF, a PGR e a PolĂcia Federal estĂŁo usando cada uma dessas baixezas para fabricar realidades e montar fĂĄbulas contra os acusados. Pense, enfim, que os ex-comandantes do ExĂ©rcito e da AeronĂĄutica, as bombas atĂŽmicas da acusação, nĂŁo disseram absolutamente nada de Ăștil em seus depoimentos. Ă melhor ficar de olhos fechados.
Os processos de BrasĂlia tiveram, tĂȘm e vĂŁo continuar tendo um problema insolĂșvel: nĂŁo houve, simplesmente, a tentativa de golpe de Estado que se pretende punir. Como nĂŁo houve golpe, nĂŁo hĂĄ nenhuma prova sĂ©ria de que tenha havido. Como nĂŁo hĂĄ golpe e nem hĂĄ provas, nĂŁo hĂĄ culpados. Culpados de que, se nĂŁo houve crime? A saĂda que o ministro Alexandre de Moraes e o STF acharam para essa dificuldade foi um decreto simples: tudo o que a polĂcia diz, e a PGR repete, Ă© prova.
A PF diz, por exemplo, que um oficial do ExĂ©rcito ficou rondando a casa do ministro Moraes, dia tal, a horas tantas, com mĂĄs intençÔes â e por isso o homem estĂĄ preso hĂĄ seis meses, a caminho de 30 anos de cadeia. E a prova? O STF diz que foi isso o que aconteceu, porque a PF diz que foi. EstĂŁo querendo o que mais? A PF sequer incluiu isso no seu relatĂłrio.
Ă tudo assim â e daĂ para pior, atĂ© o absurdo em estado puro. Talvez nada demonstre tĂŁo bem essa fraude gigante quanto a cena do ministro Moraes interrogando o delator que ele prĂłprio e a PF apresentam como a sua testemunha-chave. Moraes diz que o delator tem de âsanar lacunasâ na sua delação â ou sana, ou vai Ă cadeia, ele, o pai, a mulher e a filha. Ou seja: a principal peça da acusação nĂŁo vale juridicamente nada.
O âgolpe armadoâ Ă© um morto que o STF se condenou a manter vivo. A cada dia vai se enterrar mais, exibindo ao mundo sua infĂąmia.
Fonte: revistaoeste