Via @portalg1 | O servidor público de Sorocaba (SP) que havia sido condenado a dois anos e oito meses de reclusão por comparar o cabelo de uma advogada com uma vassoura piaçava foi absolvido em segunda instância pela Justiça nesta quinta-feira (10).
De acordo com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Geraldo Baptista Benette teve a maioria dos votos com fundamento no inciso III do artigo 386 do Código de Processo Penal (CPP), que permite a absolvição desde que reconheça a falta de infrações.
Em agosto de 2024, o homem havia sido condenado a dois anos e oito meses de reclusão, além de 13 dias-multa. Segundo a decisão inicial em primeira instância, a sentença foi baseada por injúria racial com o agravante de ter sido cometida por um funcionário público, conforme previsto na Lei nº 7.716.
A pena para este tipo de crime é de dois a cinco anos de reclusão e multa. A juíza Daniella Camberlingo Querobim justificou que o crime “não foi praticado em circunstâncias piores daquelas normalmente verificadas em delitos da mesma espécie” e, por isso, fixou a pena-base.
O g1 entrou em contato com as defesas da advogada e do funcionário e aguarda retorno.
Relembre o caso
O episódio ocorreu no dia 27 de abril de 2023, durante uma reunião online da Justiça do Trabalho de Sorocaba. O servidor público, que é da Prefeitura de Sorocaba e estava “emprestado”, tem 73 anos e chegou a ser afastado em função da suspeita de injúria racial contra uma advogada.
Na época pós a situação, ao g1, a advogada Julietta Elizabette de Jesus Oliveira Teofilo, de 26 anos, relatou como o caso ocorreu. Ela contou que a sessão faz parte da rotina de trabalho dela, para acompanhar o andamento de processos na Justiça. Na sala virtual, estavam ela e dois servidores do atendimento.
“Eu entrei na reunião e estavam estes dois servidores, uma mulher e um homem. Eu já conhecia os dois, mas neste dia quem me atendia era a servidora. Quando eu liguei minha câmera, a pedido dela, ela elogiou meu cabelo, disse que era bonito. Eu sou uma mulher negra e uso um penteado estilo ‘black power'”, relembra.
Advogada denuncia servidor público por injúria racial em Sorocaba
Segundo a servidora, após o elogio, o outro funcionário presente na reunião teria feito um comentário preconceituoso.
“Depois do elogio, eu escutei o homem que estava na sala com ela comentar ao fundo, rindo. ‘Bonito? parece mais uma ‘vassoura piaçava”. No mesmo momento, eu disse que havia escutado o comentário dele e que aquilo era crime”, disse.
Julietta relata que estava acompanhada de uma colega de trabalho no momento da reunião, a advogada Gabriela Bueno Abujamra Lobo, que teria ouvido o comentário e presenciou toda a cena.
Abalada, a advogada procurou ouvidoria do Tribunal do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) e relatou o caso, cobrando providências. A Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Sorocaba acionou o Ministério Público.
Servidor foi afastado da função
À época, o TRT-15 informou que o servidor respondeu por processo administrativo. O TRT-15 informou ainda que o homem foi afastado das funções de atendimento ao público, sendo transferido para trabalhar em outra área no Fórum Trabalhista.
O TRT-15 também ressaltou que aplica a todos os servidores, inclusive aqueles cedidos por outros órgãos, os princípios e normas de conduta estabelecidos pelo código interno de ética, entre eles, o tratamento respeitoso.
Também à época, a defesa de Geraldo divulgou uma nota informando que ele não praticou qualquer ato de racismo porque não atendeu a advogada no dia. Também disse que o servidor trabalha há mais de 20 anos no atendimento ao público da Justiça do Trabalho de Sorocaba e que nunca houve qualquer tipo de problema com advogados ou jurisdicionados.
Ainda conforme a defesa, o servidor e seu advogado repudiam qualquer ato de racismo.
OAB
A Subseção Sorocaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por sua Comissão da Igualdade Racial, repudiou o “ao ato discriminatório e racista de que foi vítima advogada em pleno exercício de suas funções profissionais por ato de servidor lotado na Justiça do Trabalho”. Confira a nota na íntegra.
“Não se pode pactuar, menos ainda aceitar, que a intolerância travestida de frases ditas supostamente em tom jocoso de pseudo-brincadeira ou “sem a intenção de ofender” (mas, que efetivamente ofendem e injuriam) grassem em ambientes onde o respeito à igualdade deveria orientar postura de quem lá desempenha suas atividades e presta atendimento.
O convívio e o respeito à diversidade são pilares do Estado Democrático de Direito e deve ser aplicado a todos indistintamente. A advogada, até pela natureza das suas atribuições, é a interlocutora, a porta-voz das aspirações daqueles que são ultrajados. O vil e excludente ataque de que foi alvo a profissional consiste, mais, em ataque ao exercício da cidadania.
Até por isso, a Subseção Sorocaba da OAB adotou as medidas cabíveis e reitera sua solidariedade e apoio à advogada inscrita em seus quadros, ressaltando que não admitirá ultraje àqueles a quem representa.”
Por Gabriela Almeida, Diogo Del Cistia*, g1 Sorocaba e Jundiaí
Fonte: @portalg1