📝RESUMO DA MATÉRIA
- Os receptores do sabor amargo, como o TAS2R14, são importantes na detecção de diversos compostos e estão presentes em vários tecidos do corpo, participando de processos além do paladar, como inflamação e metabolismo.
- Estudos recentes identificaram dois locais de ligação no TAS2R14, revelando novas informações sobre o funcionamento dos receptores de sabor amargo.
- Foi descoberto um compartimento oculto no receptor TAS2R14, o que lhe permite detectar alterações internas nas células, além dos estímulos externos.
- A presença e as alterações dos receptores gustativos em tumores podem gerar novos marcadores diagnósticos e estratégias terapêuticas, já que alguns desses receptores têm relação com a sobrevivência em diversos tipos de câncer.
- A capacidade do TAS2R14 de se ligar a uma variedade de moléculas o torna um alvo promissor para a medicina personalizada, afetando condições como asma, obesidade e câncer por meio de sua interação com diferentes compostos.
🩺Por Dr. Mercola
Pode ser uma surpresa descobrir que receptores gustativos, que costumam estar associados à língua, podem exercer influência no câncer. Os receptores de sabor doce, umami e amargo, chamados TAS1R e TAS2R, estão presentes em tumores sólidos, afetando a maneira como as células cancerosas se desenvolvem e respondem às terapias. Essa ligação incomum cria novas oportunidades para terapias direcionadas e melhores ferramentas de prognóstico.
Veja estes números impressionantes de um estudo publicado na Scientific Reports: de 6.224 amostras de tumores sólidos em 45 subtipos, cerca de 1% a 7% apresentaram mutações não silenciosas nos genes TAS1R e TAS2R. Além disso, os níveis de expressão de determinados genes de receptores gustativos foram ligados à sobrevivência de pacientes em 12 tipos diferentes de tumores sólidos.
Por exemplo, níveis mais elevados de TAS1R1 foram associados a um aumento notável de 1.185 dias na sobrevida de pacientes com adenocarcinoma de pulmão. Esses dados evidenciam o grande impacto que os receptores gustativos exercem no desfecho do câncer.
Para além dos números, a presença e as mudanças nesses receptores gustativos em tumores podem originar novos marcadores de diagnóstico e abordagens terapêuticas. Se alguns receptores gustativos se relacionam a sobrevida mais longa ou mais curta, eles podem ser alvos de novos medicamentos ou indicadores para planos de tratamento personalizados. Compreender essa relação é fundamental para mudar nossa forma de tratar o câncer e melhorar a vida das pessoas afetadas por essa doença.
Explorando as complexidades dos receptores de sabor amargo
Os receptores de sabor amargo, como o TAS2R14, são uma parte fascinante do seu sistema sensorial. Eles não se restringem a detectar o sabor amargo na língua, pois também aparecem em diversos tecidos do seu organismo.
Essa presença ampla indica que eles participam de muitos processos fisiológicos, como a inflamação. No entanto, a visão mais comum sobre esses receptores é restrita, se prendendo ao papel que eles têm na percepção de sabor.
Essa visão limitada ignora seu impacto em condições de saúde como asma e obesidade, nas quais eles podem ser decisivos. As causas subjacentes das doenças associadas ao TAS2R14 são multifacetadas. Esses receptores se ligam a várias moléculas, incluindo produtos farmacêuticos e vitaminas, o que sugere que eles têm um papel complexo nas funções do corpo.
Por interagirem com compostos tão variados, é possível que eles tenham impacto sobre diversas condições de saúde. Por exemplo, a presença deles no sistema respiratório indica uma possível participação na asma, enquanto sua expressão em tecidos digestivos sugere uma ligação com a obesidade.
Ideias sobre a função dos receptores de sabor amargo
Um estudo publicado na Nature Communications investigou a complexa estrutura e funcionalidade do receptor TAS2R14, com foco em sua interação com o ácido flufenâmico (FFA), um anti-inflamatório não esteroide (AINE) amargo. Utilizando microscopia crioeletrônica, os cientistas descobriram um modo duplo de ligação do FFA ao TAS2R14, mostrando como esse receptor acomoda diversos ligantes, ou moléculas que se ligam a outras moléculas, ao mesmo tempo.
O estudo enfatizou que o TAS2R14 não está presente apenas nas papilas gustativas, mas também em outros tecidos, incluindo os sistemas respiratório, cardiovascular e digestivo. Essa ampla distribuição sugere que o TAS2R14 participa de processos importantes além do paladar, incluindo aspectos da fisiologia cardíaca e da infertilidade masculina.
Vale ressaltar a notável versatilidade desse receptor, já que o TAS2R14 reage a centenas de ligantes quimicamente diferentes. Entre os 25 TAS2Rs funcionais presentes no genoma humano, o TAS2R14 se destaca por interagir com uma variedade extensa de compostos, posicionando-o como alvo estratégico para medicina personalizada e práticas nutricionais específicas.
Compartimento oculto no TAS2R14 revelado
A pesquisa mostrou que o FFA se liga ao TAS2R14 em dois locais diferentes: no receptor tradicional dentro do feixe transmembrana e uma área intracelular que conecta o receptor à gustducina, uma proteína Gα especializada. Esse modo de ligação dupla gera um mecanismo de sinalização mais forte e flexível, possibilitando respostas celulares mais detalhadas.
A descoberta de um compartimento oculto no TAS2R14 muda de forma profunda nossa compreensão do funcionamento desse receptor. Esse compartimento recém-descoberto permite que o TAS2R14 perceba mudanças internas na célula, e não apenas compostos amargos externos, como os presentes em alimentos ou em alguns remédios.
A revelação desse compartimento indica que o TAS2R14 se conecta a sinais celulares internos além dos compostos amargos externos, criando oportunidades para explorar o TAS2R14 em terapias para problemas como asma e obesidade.
Além disso, o TAS2R14 participa de diferentes processos fisiológicos e patológicos. Sua superexpressão já foi constatada em vários tipos de câncer, onde a ativação do TAS2R14 provoca efeitos antiproliferativos e estimula a morte celular em diferentes linhagens de células tumorais. É interessante observar que indivíduos com adenocarcinoma pancreático e níveis elevados de TAS2R14 costumam apresentar maior tempo de sobrevida em comparação aos que possuem menor expressão do receptor.
Quando o TAS2R14 é acionado em células gustativas, ele se liga a uma proteína chamada gustducina para transmitir sinais ao interior da célula. A molécula FFA se liga a partes específicas do receptor, como as hélices 3, 5 e 7, e a uma parte da gustducina chamada αN5. Essa interação é crucial para que o receptor dispare e conduza sinais que provocam diferentes respostas nas células.
A identificação do compartimento intracelular como principal local de ativação do TAS2R14 cria novas possibilidades para o desenvolvimento de fármacos. Concentrar-se nesse local permite ajustar a atividade do receptor de forma mais precisa, trazendo benefícios terapêuticos em doenças relacionadas à expressão do TAS2R14. Esse conhecimento não apenas amplia nossa compreensão sobre a sinalização do sabor amargo, mas também abre caminhos para o tratamento de asma, obesidade e inflamação.
Alimentos amargos oferecem benefícios únicos à saúde
Plantas de sabor amargo são evitadas tanto por animais quanto por pessoas, pois o gosto amargo costuma ser ligado à toxicidade. Essa aversão não é sem fundamento, já que muitos compostos amargos são de fato tóxicos. Entretanto, em pequenas quantidades, esses compostos costumam oferecer grandes vantagens à saúde.
Assim como protegem as plantas de agentes nocivos como predadores e fatores ambientais, os compostos amargos ajudam seu corpo ao inibir microrganismos prejudiciais, diminuir o estresse oxidativo e aliviar inflamações. Um de seus efeitos mais marcantes acontece no aparelho digestivo, onde atuam como estimulantes e tônicos naturais, melhorando a saúde do sistema por meio do chamado “reflexo amargo”.
Como o reflexo amargo melhora a digestão
Ao ingerir algo amargo, ocorre a liberação de gastrina, um hormônio que auxilia e reforça a digestão ao estimular a secreção de:
- Saliva, que inicia a decomposição dos alimentos na boca.
- Ácido clorídrico, que auxilia na digestão de proteínas, melhora a absorção de minerais e elimina micróbios nocivos, protegendo contra infecções alimentares.
- Pepsina, enzima que decompõe proteínas em moléculas menores.
- Fator intrínseco, que ajuda na absorção da vitamina B12.
Os compostos amargos também estimulam o fluxo biliar, ajudando na digestão de gorduras e evitando o acúmulo de resíduos no fígado. Com o uso frequente de pequenas quantidades de compostos amargos, todo o seu sistema digestivo se fortalece, incluindo o estômago, fígado, vesícula biliar e pâncreas.
Além disso, o reflexo amargo desperta o apetite e prepara o organismo para o alimento, estimulando contrações intestinais. Por isso, alimentos amargos são muitas vezes indicados cerca de 30 minutos antes das refeições. O reflexo também contrai o esfíncter esofágico, ajudando a evitar o refluxo ácido ao impedir que o conteúdo do estômago suba para o esôfago.
Os compostos amargos também diminuem a formação de gases ao ativar enzimas digestivas e otimizar a decomposição de nutrientes. Uma digestão adequada faz com que as bactérias no intestino delgado processem os nutrientes sem gerar gases em excesso.
É importante dizer que esses benefícios ocorrem quando sentimos o amargor na língua. Ingerir esses compostos na forma de cápsulas desvia dos receptores gustativos, tornando a ação muito menos eficiente. Tenha em mente que, em doses elevadas, os compostos amargos podem ter o efeito inverso, bloqueando as secreções gástricas e reduzindo o apetite, em vez de estimulá-los. O uso exagerado está associado a náuseas, vômito e consequências mais graves à saúde.
Entretanto, quando usados de forma adequada e em pequenas doses, alimentos ou suplementos amargos trazem vantagens para a digestão, ajudam no controle de inflamações e favorecem a saúde em geral. Seus efeitos, tanto por mecanismos diretos quanto pelo reflexo amargo, tornam esses compostos uma ferramenta valiosa para a saúde geral.
Desvendando o potencial terapêutico dos receptores de sabor amargo
A investigação sobre os receptores de sabor amargo, em especial o TAS2R14, expôs um papel que vai muito além da função tradicional de perceber sabores. A descoberta de locais duplos de ligação e de um compartimento intracelular no TAS2R14 aprofunda o entendimento sobre o modo de funcionamento do receptor. Esses avanços trazem grande potencial para a medicina personalizada, permitindo abordagens terapêuticas adaptadas a diferentes problemas.
A presença de receptores gustativos em tumores e sua correlação com a sobrevivência de pacientes ressaltam sua utilidade como marcadores diagnósticos e alvos terapêuticos. Ao aproveitar a capacidade de ligação extensiva do TAS2R14, é possível desenvolver tratamentos mais eficazes e moldados para diferentes perfis genéticos e estados de doença.
Além disso, os efeitos benéficos dos compostos amargos na digestão e na saúde em geral salientam a importância de unir estratégias alimentares às intervenções médicas para melhores resultados. À medida que as pesquisas esclarecem melhor as complexidades dos receptores de sabor amargo, aplicar esse conhecimento na prática clínica pode revolucionar a forma de abordar e prevenir doenças.
A possibilidade de regular a atividade do TAS2R14 para nutrição personalizada representa um avanço relevante na busca por soluções de saúde mais eficazes e específicas. Adotar as múltiplas funções dos receptores de sabor amargo e incluir alimentos naturalmente amargos na dieta pode melhorar tanto a qualidade quanto a duração da saúde humana.
Fonte: mercola