A Receita Federal cumpriu dez mandados de busca e apreensão em quatro municípios mato-grossenses no âmbito da megaoperação que mira um esquema de fraudes com ligação ao Primeiro Comando Capital (PCC). Foram cumpridas ordens judiciais em Diamantino, Feliz Natal, Primavera do Leste e Rondonópolis. Além disso, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) também ingressou com ações judiciais cíveis de bloqueio de mais de R$ 1 bilhão em bens dos envolvidos, incluindo imóveis e veículos, para a garantia do crédito tributário.
A investigação apontou um esquema engenhoso criado pelo PCC, que ao mesmo tempo que lavava o dinheiro proveniente do crime, obtinha elevados lucros na cadeia produtiva de combustíveis. O uso de centenas de empresas operacionais na fraude permitia dissimular os recursos de origem criminosa.
O modus operandi era da seguinte maneira: importadoras atuavam como interpostas pessoas, adquirindo no exterior nafta, hidrocarbonetos e diesel com recursos de formuladoras e distribuidoras vinculadas à organização criminosa. Somente entre 2020 e 2024, foram importados mais de R$ 10 bilhões em combustíveis pelos investigados.
Por sua vez, formuladoras e distribuidoras, além de postos de combustíveis também vinculados à organização, sonegavam reiteradamente tributos em suas operações de venda.
A Receita Federal já constituiu créditos tributários federais de um total de mais de R$ 8,67 bilhões em pessoas e empresas integrantes do esquema.
Outra fraude detectada envolvia a adulteração de combustíveis. O metanol, importado supostamente para outros fins, era desviado para uso na fabricação de gasolina adulterada, com sérios prejuízos para os consumidores.
No entanto, as operações financeiras eram realizadas por meio de instituições de pagamento (fintechs), em vez de bancos tradicionais, o que dificultou o rastreamento dos valores transacionados.
Por fim, o lucro auferido e os recursos lavados do crime eram blindados em fundos de investimentos com diversas camadas de ocultação de forma a tentar impedir a identificação dos reais beneficiários.
As formuladoras, as distribuidoras e os postos de combustíveis também eram usados para lavar dinheiro de origem ilícita. Há indícios de que as lojas de conveniência e as administradoras desses postos, além de padarias, também participavam do esquema.
Auditores-fiscais da Receita Federal identificaram irregularidades em mais de 1.000 postos de combustíveis distribuídos em 10 estados (SP, BA, GO, PR, RS, MG, MA, PI, RJ e TO).
A maioria desses postos tinha o papel de receber dinheiro em espécie ou via maquininhas de cartão e transitar recursos do crime para a organização criminosa por meio de suas contas bancárias no esquema de lavagem de dinheiro.
Entre 2020 e 2024, a movimentação financeira desses postos foi de R$ 52 bilhões, com recolhimento de tributos muito baixo e incompatível com suas atividades.
Os postos já foram autuados pela Receita Federal em mais de R$ 891 milhões. No entanto, cerca de 140 postos eram usados de outra forma.
Eles não tiveram qualquer movimentação entre 2020 e 2024, mas, mesmo assim, foram destinatários de mais de R$ 2 bilhões em notas fiscais de combustíveis.
Possivelmente, essas aquisições simuladas serviram para ocultar o trânsito de valores ilícitos depositados nas distribuidoras vinculadas à organização criminosa.
Os valores eram inseridos no sistema financeiro por meio de fintechs, empresas que utilizam tecnologia para oferecer serviços financeiros digitais.
A Receita Federal identificou que uma fintech de pagamento atuava como “banco paralelo” da organização criminosa, tendo movimentado mais de R$ 46 bilhões de 2020 a 2024.
As mesmas pessoas controlavam outras instituições de pagamento menores, usadas para criar uma dupla camada de ocultação. A fintech também recebia diretamente valores em espécie.
Entre 2022 e 2023, foram efetuados mais de 10,9 mil depósitos em espécie, totalizando mais de R$ 61 milhões. Este é um procedimento completamente estranho à natureza de uma instituição de pagamento, que opera apenas dinheiro escritural.
A utilização de fintechs pelo crime organizado objetiva aproveitar brechas na regulação desse tipo de instituição. Essas brechas impedem o rastreamento do fluxo dos recursos e a identificação, pelos órgãos de controle e de fiscalização, dos valores movimentados por cada um dos clientes da fintech de forma isolada.
Uma dessas brechas é a utilização da “conta-bolsão”, uma conta aberta em nome da própria fintech em um banco comercial por onde transitam de forma não segregada recursos de todos os seus clientes.
Era dessa forma que as operações de compensação financeira entre as distribuidoras e os postos de combustíveis eram realizadas, assim como compensações financeiras entre as empresas e os fundos de investimentos administrados pela própria organização criminosa.
A fintech era usada ainda para efetuar pagamentos de colaboradores e de gastos e investimentos pessoais dos principais operadores do esquema.
Outra brecha é a não obrigatoriedade de prestação de informações à Receita Federal sobre as operações financeiras dos clientes por meio da e-Financeira.
Em 2024, a Receita Federal promoveu alterações normativas referentes à e-Financeira visando dar maior transparência e diminuir a opacidade das instituições de pagamento, alterações essas revogadas no início de 2025 após onda de fake news sobre o tema. Portanto, a fintech era um poderoso núcleo financeiro da organização criminosa, porém invisível para ações de controle e fiscalização.
O dinheiro de origem ilícita era reinvestido em negócios, propriedades e outros investimentos através de fundos de investimentos que recebiam recursos da fintech, dificultando sua rastreabilidade e dando a ele uma aparência de legalidade.
A Receita Federal já identificou ao menos 40 fundos de investimentos (multimercado e imobiliários), com patrimônio de R$ 30 bilhões, controlados pela organização criminosa.
Em sua maioria, são fundos fechados com um único cotista, geralmente outro fundo de investimento, criando camadas de ocultação. Entre os bens adquiridos por esses fundos estão um terminal portuário, quatro usinas produtoras de álcool (mais duas usinas em parceria ou em processo de aquisição), 1.600 caminhões para transporte de combustíveis e mais de 100 imóveis, dentre os quais seis fazendas no interior do estado de São Paulo, avaliadas em R$ 31 milhões, e uma residência em Trancoso/BA, adquirida por R$ 13 milhões.
Os indícios apontam que esses fundos são utilizados como um mercado de ocultação e blindagem patrimonial e sugerem que as administradoras dos fundos estavam cientes e contribuíram para o esquema, inclusive não cumprindo obrigações com a Receita Federal, de forma que sua movimentação e a de seus cotistas fossem ocultadas da fiscalização.
Fonte: hnt