InteligĂȘncias artificiais (IAs) capazes de gerar imagens tem alcançado resultados impressionantes, indiscernĂveis de fotos reais â a montagem do Papa de jaqueta que o diga.
Natural. Softwares desse tipo funcionam a partir de um princĂpio conhecido como machine learning (âaprendizado de mĂĄquinaâ), cuja premissa Ă© o aperfeiçoamento constante. Esses programas (Midjourney, Dall-E, Staple Diffusion, entre outros) recebem incontĂĄveis imagens de todos os cantos da internet, associadas a uma descrição em texto do que elas sĂŁo (uma foto de um cacho de uva vai ter a legenda âcacho de uvaâ, simples assim). As IAs entĂŁo, traduzem essas informaçÔes para conjuntos numĂ©ricos, e âentendemâ que aquilo Ă© a representação visual da fruta.
A partir daĂ, elas estĂŁo prontas para receber pedidos. Quando vocĂȘ escreve âcacho de uvaâ para o Dall-E, por exemplo, ele vai buscar no seu banco de dados o conceito de um âcacho de uvaâ â vĂĄrias esferas lustrosas, verdes ou roxas, presas por um caule de planta. O robĂŽ, entĂŁo, se prepara para um processo chamado de âdifusĂŁoâ.
Nesse processo, é como se ela jogasse vårias peças de quebra-cabeça aleatórias em uma mesa e fosse, aos poucos, organizando o caos na imagem requisitada. No caso, as peças são pixels que, depois do comando, vão se alinhando para tentar se aproximar do pedido. (Para entender mais profundamente como IAs desse tipo funcionam, recomendamos a leitura desta matéria da Super.)

Ăłculos enquanto lĂȘ o jornal em uma cafeteria.â (Dall-E/Superinteressante)
As imagens criadas não se limitam a frutas, claro. Elas podem gerar coisas fora do comum e até copiar o estilo de outros artistas. Como as IAs são treinadas com muitas imagens, incluindo obras de pintores famosos como Van Gogh, Monet e Picasso, o robÎ consegue replicar estilos, caso o comando do usuårio assim desejar. Na imagem abaixo, por exemplo, pedimos que o Midjourney criasse um gato com o mesmo traço da Tarsila do Amaral. Convincente, não?

SĂł que tem um problema: os artistas nĂŁo consentiram com esse uso. O principal argumento contra essa prĂĄtica Ă© que, enquanto eles passaram anos aprimorando e desenvolvendo o prĂłprio estilo, uma mĂĄquina entrega algo similar a partir de algumas poucas palavras. Ă como se vocĂȘ encomendasse o trabalho deles â sem pagĂĄ-los. Em um processo na Justiça americana, artistas acusam a empresa Stability AI, do Stable Diffusion, de treinar seu algoritmo com fotos e ilustraçÔes que nĂŁo a pertencem.
Por conta disso, muitos profissionais tĂȘm receio de colocar suas peças nas redes, jĂĄ que elas podem acabar alimentando o banco de dados das IAs. Mas isso Ă© um pĂ©ssimo negĂłcio, jĂĄ que, consequentemente, atrapalha a divulgação de seus trabalhos. O que fazer?
Aqui nĂŁo, robĂŽ
A imagem que abre este texto Ă© um marco. A âMusa Victoriosaâ, criada por Karla Ortiz, foi a primeira arte que oficialmente passou pelo Glaze, ferramente que faz ligeiras alteraçÔes no arquivo para enganar as IAs â e impedi-las de o armazenarem em seus bancos de dados.
1/ This might be the most important oil painting Iâve made:
Musa Victoriosa
The first painting released to the world that utilizes Glaze, a protective tech against unethical AI/ML models, developed by the @UChicago team led by @ravenben. App out now đ https://t.co/cNIXNDHMBy pic.twitter.com/Y1MqVK7yvZ
â Karla Ortiz đ (@kortizart) March 15, 2023
Criado por pesquisadores da Universidade de Chicago, nos EUA, o Glaze (que inglĂȘs quer dizer algo como âpolimentoâ, âdar acabamentoâ) promete adicionar uma camada de proteção em cima da sua arte digital â e que pode dificultar a tarefa das IAs em imitar estilos. Durante o desenvolvimento do programa, mais de 1,1 mil artistas avaliaram a sua eficĂĄcia o uso em diferentes cenĂĄrios.

Mas, afinal: como o Glaze funciona?
O programa analisa a sua arte e adiciona pequenas mudanças (pequenas mesmo, a nĂvel de pixel) para criar uma âarte camufladaâ. Os olhos humanos nĂŁo conseguem perceber as sutilezas â mas as mĂĄquinas, sim. Ă diferente de uma marca dâĂĄgua, por exemplo.
Ao descobrir como as IAs traduzem o âestilo artĂsticoâ em conjuntos numĂ©ricos, o Glaze embaralha tudo com a chamada âcamuflagem de estiloâ â ela instrui o robĂŽ gerador de imagens a buscar outros estilos â e, assim, preserva o original.
Essas imagens serviram de exemplo para mostrar a eficĂĄcia da Glaze.A imagem acima ajuda a entender como isso funciona. Os pesquisadores testaram o Glaze com o trabalho de trĂȘs artistas: Na imagem acima, por exemplo, os pesquisadores testaram a Glaze com o trabalho de trĂȘs artistas: Karla Ortiz, Nathan Fowkes e Claude Monet. A primeira coluna mostra obras originais produzidas por eles.
Na segunda coluna, dĂĄ para ver o que acontece quando o Glaze nĂŁo estĂĄ envolvido. Eles pediram a uma IA para gerar uma imagem no estilo de cada artista â e os resultados foram convincentes.
Na terceira coluna, hĂĄ exemplos do Glaze (e sua camuflagem de estilo) em ação. O programa evoca outros estilos artĂsticos (de Van Gogh a Picasso) para confundir a IA. Quando a robĂŽ tenta replicar, acaba chegando no resultado da quarta coluna â bem destoante de quando nĂŁo havia a camuflagem.
Primeiros passos
A ferramenta nĂŁo Ă© perfeita, claro. As mudanças que ela faz, por exemplo, sĂŁo mais perceptĂveis em artes com cores chapadas e planos de fundo mais simples. Os pesquisadores afirmam estar atrĂĄs de mĂ©todos que reduzam o impacto visual nesses estilos.
Além disso, a solução não é permanente. As IAs evoluem råpido, e as técnicas de hoje podem não funcionar tão bem amanhã. Mas não deixa de ser um primeiro passo importante para proteger artistas até que medidas legais sejam criadas.
âEstamos retirando nosso consentimentoâ, afirma Ortiz ao The New York Times. âAs inteligĂȘncias artificiais tĂȘm dados que nĂŁo pertencem a elas: sĂŁo minhas obras de arte, essa Ă© minha vida, Ă© como a minha identidade.â
A ferramenta jĂĄ estĂĄ disponĂvel para uso, Ă© gratuita e deve receber atualizaçÔes constantes.
Fonte: abril