Saúde

Proteção ampliada: Nova Lei da Licença-Maternidade beneficia mães e bebês

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A recente sanção presidencial do Projeto de Lei (PL) n386/2023, que altera o artigo 392 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), estende e garante maior proteção à maternidade e à primeira infância no Brasil. A lei permite a prorrogação da licença-maternidade, após a alta da mãe e do bebê em casos de internação que ultrapassem 14 dias, modificando a forma de contagem do período de afastamento e suscitando dúvidas importantes sobre sua aplicação e os impactos para o ambiente corporativo.

Para entender a relevância desta nova legislação, é fundamental compreender sua gênese, que remonta a uma importante decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6327, conforme amplamente noticiado na mídia em 2022, questionou a literalidade do § 1º do artigo 392 da CLT. Esse dispositivo estabelece que o início do afastamento da gestante pode ocorrer entre o 28º dia antes do parto e a data do nascimento do bebê.

O Supremo Tribunal Federal, em uma decisão histórica, entendeu que, nos casos de internação hospitalar da mãe ou do recém-nascido – seja por prematuridade ou outras complicações – que excedam 14 dias, a contagem da licença-maternidade e do salário-maternidade deve ser iniciada somente a partir da alta hospitalar da mãe ou do recém-nascido, o que ocorrer por último.

Importante destacar que, por meio da referida decisão, o STF não “criou” uma lei, mas tão somente interpretou o artigo 392 da CLT à luz dos princípios constitucionalmente assegurados da dignidade da pessoa humana, direito à vida e à saúde do recém-nascido, proteção à maternidade e à infância. Ou seja, a Corte Suprema reconheceu que a finalidade da licença-maternidade – o convívio, o cuidado e o aleitamento materno – seria frustrada caso o período de internação prolongada consumisse o tempo de licença.

A lei assegura de forma ainda mais clara que a mãe terá o tempo integral de licença-maternidade para cuidar do filho após a alta hospitalar, sem que parte desse direito seja ‘perdida’ durante a internação inicial

A decisão veio preencher um vácuo legislativo, uma vez que a CLT não tratava explicitamente dessa situação de internação prolongada e, por ser uma decisão do STF em ADI, possui efeito erga omnes, válido para todos em âmbito nacional, e efeito vinculante, que deve ser seguido pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública.

Então, o Projeto de Lei 386/2023 teve como objetivo alterar o artigo 392 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), formalizar e inserir no texto expresso da CLT o entendimento que já havia sido consolidado pelo STF na ADI 6327. O Poder Legislativo apenas transformou em norma jurídica escrita, sancionada pelo Poder Executivo, aquilo que o Poder Judiciário já havia decidido como a correta interpretação da lei e da Constituição.

Ao alterar a CLT, ao que nos parece, a lei confere maior segurança jurídica para empregadas, empregadores e para a própria administração pública, como o INSS. Antes, a regra dependia da interpretação judicial; agora, está expressa na CLT, minimizando a necessidade de judicialização caso a caso. A lei assegura de forma ainda mais clara que a mãe terá o tempo integral de licença para cuidar do filho após a alta hospitalar, sem que parte desse direito seja “perdida” durante a internação inicial.

Portanto, a lei sancionada reforça a tese já referendada pelo STF e torna a decisão do Poder Judiciário uma regra legal explícita, retirando-a do campo da interpretação judicial e colocando-a no corpo da lei trabalhista. Este é um exemplo de como os poderes atuam em conjunto para aprimorar o arcabouço normativo em resposta às necessidades sociais e à evolução dos direitos fundamentais.

A mudança legislativa, que modifica a forma de contagem do período de afastamento, suscita dúvidas importantes sobre sua aplicação e os impactos para o ambiente corporativo. A principal dúvida que está sendo levantada é: “Se a mulher ficar 6 meses internada com o bebê, a empresa terá que arcar com 6 meses mais os 120 dias de licença-maternidade?”. A resposta direta é não. Tecnicamente, a empresa não “paga” pelos 6 meses de internação como se fossem licença-maternidade adicional.

A nova lei não adiciona o período de internação prolongada ao final da licença-maternidade. Em vez disso, ela posterga o início da contagem dos 120 dias (ou 180 dias, para o caso de “empresas cidadãs”, previsto na Lei n.º 11.770/2008) de licença-maternidade. Funciona da seguinte forma:

Período de internação: se a mãe ou o recém-nascido permanecerem internados por mais de 14 dias após o parto, o período de internação é tratado como uma incapacidade temporária, análoga a uma licença médica.

Início da licença-maternidade: os 120 dias (ou 180 dias) da licença-maternidade propriamente dita só começarão a ser contados a partir da data de alta hospitalar da mãe ou do recém-nascido, o que ocorrer por último.

Exemplo prático: se uma mãe dá à luz e o bebê (ou a própria mãe) precisa ficar internado por 6 meses, durante esses 6 meses a mãe estará afastada do trabalho por motivo de saúde (provavelmente recebendo auxílio-doença do INSS, após os 15 primeiros dias pagos pela empresa). Somente após a alta hospitalar (final dos 6 meses) é que começam a contar os 120 (ou 180) dias de sua licença-maternidade.

Portanto, a empresa não arca com os 6 meses de internação como licença-maternidade. O custo do salário-maternidade, conforme a legislação vigente, é de responsabilidade do INSS, que o reembolsa às empresas ou o paga diretamente à segurada. A grande mudança é que o período de afastamento total da trabalhadora da empresa pode ser substancialmente maior, demandando maior planejamento do departamento de recursos humanos.

A prorrogação da licença-maternidade em casos de internação prolongada traz um misto de benefícios e desafios para o cenário empresarial. Empresas que demonstram preocupação com o bem-estar de seus colaboradores, especialmente em momentos tão delicados como o nascimento e os primeiros cuidados com um filho com complicações de saúde, fortalecem sua marca empregadora (employer branding). Isso as torna mais atraentes para profissionais qualificados, que valorizam um ambiente de trabalho que oferece suporte e flexibilidade.

Colaboradoras que se sentem amparadas pela empresa em situações de maior vulnerabilidade tendem a desenvolver maior lealdade e compromisso. A lei pode reduzir a rotatividade de mulheres qualificadas que, de outra forma, poderiam se sentir forçadas a se desligar do mercado de trabalho para cuidar de seus filhos doentes.

Mães que conseguem resolver questões de saúde de seus filhos com o suporte necessário retornam ao trabalho mais tranquilas, focadas e engajadas. O estresse e a preocupação com um bebê internado são fatores que afetam diretamente a produtividade e o bem-estar mental. A medida contribui para que as empresas demonstrem sua responsabilidade social – um fator cada vez mais valorizado por investidores e consumidores, especialmente no contexto de práticas ESG – e promove uma cultura organizacional mais empática e humana, o que pode gerar benefícios indiretos para todos os colaboradores e para o clima organizacional.

Porém, o principal desafio reside na imprevisibilidade do período de afastamento. A licença-maternidade tradicional tem um período fixo. Com a prorrogação em caso de internação, a empresa não sabe ao certo quando a funcionária retornará, dificultando o planejamento de equipes e a alocação de recursos.

A necessidade de contratar substitutos por períodos mais longos e imprevisíveis pode gerar custos adicionais com recrutamento, seleção, treinamento e, por vezes, desligamento desses substitutos. Mesmo que o salário-maternidade seja pago pelo INSS, a gestão da ausência prolongada impacta o orçamento e a operação.

Em funções-chave ou em equipes pequenas, uma ausência prolongada e de duração incerta pode criar lacunas operacionais significativas, impactando a produtividade, a entrega de projetos e o atendimento ao cliente até que um substituto seja plenamente adaptado.

A gestão de licenças mais complexas, com diferentes marcos iniciais e a necessidade de acompanhamento médico e previdenciário, pode aumentar a carga administrativa dos departamentos de RH e pessoal.

Embora ilegal, a imprevisibilidade de longos afastamentos pode, em cenários menos ideais, levar algumas empresas (especialmente as de menor porte) a considerarem como um “risco” maior a contratação de mulheres em idade fértil, afetando a equidade de gênero no mercado de trabalho. Isso é uma preocupação social que a lei busca mitigar, mas à qual as empresas devem estar atentas para evitar.

A nova lei sobre a licença-maternidade reflete uma evolução social e legislativa sobre o tema, buscando proteger a família em momentos de vulnerabilidade extrema. Por outro lado, para as empresas, embora represente desafios em termos de gestão e planejamento, é uma oportunidade de reforçar seu compromisso com seus colaboradores e com as práticas de responsabilidade social.

Alessandro Vietri, advogado especialista em direito do trabalho e processo do trabalho pela PUC-SP. Sócio do Salles Nogueira Advogados e conselheiro da OAB/SP.

Fonte: gazetadopovo

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