Presidente do PP, ex-ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro e versado em astúcia, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) está perdendo seu prestígio. Mesmo sendo o primeiro parlamentar autorizado a visitar o ex-presidente em sua prisão domiciliar e chamando-o de “meu presidente” e “nosso capitão”, o senador declarou no dia seguinte que não assinaria o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes.
Imediatamente, Ciro foi alvo de críticas por parte de aliados do ex-presidente que o chamaram de “traidor”, como o pastor Silas Malafaia que também o chamou de “coronel do Nordeste” e um “apoiador do ditador da toga”.
A ressaca política veio forte. Em abril, ele aparecia com 45,95% das intenções de voto, favorito para garantir sua reeleição ao Senado pelo Piauí. Em agosto, o número caiu para 29,67%, segundo pesquisa do Instituto Amostragem que avaliou intenções de voto para o Senado no Piauí entre os dias 5 e 8 de agosto de 2025. O levantamento abrangeu 49 municípios distribuídos pelos 12 territórios do estado, com um nível de confiança de 95%. A perda de 16 pontos o colocou em terceiro lugar na disputa.
Parece que a base de Nogueira não aprovou o gesto com Bolsonaro. Mas o que está por trás da postura do senador? A resposta está na sua trajetória política.
De “fascista” a aliado
Uma entrevista de 2017 ajuda a explicar a metamorfose política do senador. Na época, ele chamou Bolsonaro de “fascista” e disse que Lula foi o melhor presidente da história.
Ciro exerceu quatro mandatos consecutivos como deputado federal. No primeiro, apoiou Fernando Henrique Cardoso. Nos dois mandatos de Lula (2003–2010), o PP e Ciro participaram da base aliada, mantendo a aliança com Dilma entre 2011 e 2014. A parceria do Centrão com os petistas foi sólida. Ciro foi cotado até mesmo para assumir um cargo no governo algumas vezes. O discurso, no entanto, mudou quando o piauiense se tornou ministro de Bolsonaro em 2021.
Essa variação não é novidade em sua carreira. Em 2016, Ciro foi um dos articuladores do impeachment de Dilma Rousseff, mas manteve proximidade com o então governador do seu estado, o Wellington Dias (PT), apoiando-o em acordos locais. A relação foi tão complexa que sua então esposa, Iracema Portella (PP-PI) ao votar favoravelmente à abertura do processo de impedimento da petista, declarou com a voz embargada: “Exclusivamente por orientação partidária, mas com um sentimento de tristeza, o meu voto é sim”.
Em 2018, mesmo com Haddad na disputa contra Bolsonaro, Nogueira não rompeu de vez com os petistas no estado. Mesmo contribuindo para afastar Dilma da presidência, Nogueira apoiou a eleição de Haddad (PT) que perdeu para Bolsonaro em 2018.
Presidente da Câmara na época do impeachment, Eduardo Cunha (MDB-RJ) atribui a Nogueira uma frase que sintetizou as negociações de 2016: “Não se tira presidente, se coloca presidente”. Ou seja: para Nogueira, segundo Cunha, o mais importante não era articular pelo afastamento de Dilma, e sim garantir as condições para que Michel Temer exercesse o comando do país.
Em 2010, o líder do PP foi eleito senador, e em 2018, venceu nova eleição para o Senado, renovando o mandato até 2026.
Um pé em cada barco?
Embora se apresente como opositor do governo Lula, Ciro mantém o partido dentro da base, repetindo a lógica que o PP (ou Progressistas) seguiu em gestões presidenciais anteriores. A postura pragmática, no entanto, aumenta a desconfiança entre aliados e adversários.
Por exemplo, mesmo compondo a CPI das Bets, em maio de 2025, Ciro Nogueira foi para Mônaco em jatinho de dono de casa de apostas, que é investigado pela comissão. O senador embarcou no Gulfstream G650ER avaliado em cerca de US$ 70 milhões, de propriedade de Fernandin OIG, presidente da One Internet Group, empresa de apostas online. A viagem, registrada no Aeroporto Executivo Catarina, em São Paulo, exemplifica a onipresença da sua agenda política; um dia ele investiga empresas de apostas, no outro, viaja com empresários do ramo.
Influência na indicação de Nunes Marques ao STF
Ciro Nogueira foi fundamental para que Bolsonaro escolhesse Kássio Nunes Marques para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em outubro do ano passado. A indicação surpreendeu a quase todos, pois Nunes Marques não aparecia entre os nomes cotados para o STF e nem preenchia um dos requisitos mencionados por Bolsonaro para o cargo, o de ser evangélico.

O senador foi o responsável por apresentar o presidente da República ao hoje ministro do STF. Bolsonaro ficou impressionado com Nunes Marques e resolveu convidá-lo. Nogueira minimizou seu impacto no processo e disse que a indicação se deveu a méritos do próprio magistrado, mas sua influência ficou evidente. Tanto Ciro Nogueira quanto Nunes Marques são do Piauí.
Política em família
Lucídio Portella, sogro de Ciro Nogueira, era senador pelo Piauí, mas não concorreu à reeleição em 2010. Com essa oportunidade, Ciro Nogueira se lançou candidato ao Senado, colocando a então esposa Iracema Portella para disputar a Câmara dos Deputados no seu lugar. Na ocasião, ambos venceram e ele assumiu a vaga deixada pelo pai dela em 2011.
Em 2019, Iracema e Ciro decidiram se separar depois de 25 anos de casados, mas mantêm a relação política e empresarial. O casal tem duas filhas e uma neta. No ano passado, ambos casaram uma das filhas em uma cerimônia luxuosa e com a presença de políticos e empresários famosos, como Hugo Motta (Republicanos-PB) e os irmãos Joesley e Wesley Batista.
Já em julho de 2021, foi a vez da mãe de Ciro também experimentar o gostinho de ser senadora. Ao ser nomeado ministro no governo Bolsonaro, Ciro Nogueira colocou Eliane Nogueira para assumir sua vaga no Senado. Ela havia sido eleita como primeira suplente e, mesmo inexperiente em cargos políticos, sinalizou o controle do senador em relação a estrutura de poder que conquistou.
Após deixar o ministério de Bolsonaro, cargo que exerceu entre agosto de 2021 e dezembro de 2022, Nogueira retornou ao Senado e intensificou sua postura crítica em relação ao governo Lula.
Investigação, denúncias e relações políticas
O Progressistas foi uma das siglas com maior número de políticos investigados na Lava Jato, com mais de 30 nomes citados em delações da Odebrecht e de empreiteiras ligadas à Petrobras, incluindo lideranças nacionais do partido. Entre eles, Ciro Nogueira chegou a ser réu por organização criminosa, após a 2ª Turma do STF receber denúncia em 21 de maio de 2019 sobre o chamado “quadrilhão do PP”. A acusação, porém, foi rejeitada em março de 2021.
O senador também foi denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro. Um relatório final da Polícia Federal, enviado ao STF em abril de 2022, apontou repasses envolvendo o grupo J&F, incluindo o suposto pagamento de propina por meio de uma mala com R$ 500 mil. Segundo o mesmo documento, cerca de R$ 5 milhões teriam sido pagos em espécie via Teresina em 2014. A defesa negou as acusações e o caso foi arquivado pelo STF a pedido da PGR.
Além das investigações, documentos da chamada “Planilha Odebrecht” associaram o codinome “Cerrado” a Ciro Nogueira, com lançamentos de valores vinculados ao senador, que sempre negou as acusações.
O benefício da inelegibilidade de Bolsonaro para o PP
Em 2025, o PP firmou federação partidária com o União Brasil, denominada União Progressista, que deve ser formalizada no dia 19 deste mês. O comando da federação foi estabelecido de forma compartilhada até o final do ano, quando será realizada eleição para definir a presidência. O grupo visa unir esforços para as eleições de 2026.
Nas palavras do próprio Ciro em entrevista a n: “A criação da federação se torna o maior partido do país, em todos os sentidos, seja em número de prefeitos, de vereadores, de deputados estaduais, deputados federais. Só no Senado que seremos o segundo”. Assim, além de tempo de televisão, fundo eleitoral e número de aliados, essa federação do Centrão, que se considera de centro-direita, está ávida para lançar um nome do grupo como presidenciável e começar a trabalhar o nome do pré-candidato até o próximo ano.
Nogueira já expressou discordâncias no protagonismo de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) na sua relação com Donald Trump e as sanções a Moraes. Assim, caso Bolsonaro aponte um dos seus familiares, Michelle, Eduardo ou Flávio para o cargo de presidenciável pelo PL, o plano de protagonismo da federação União-PP poderia ruir, já que o grupo perderia unidade em torno de um desses nomes.
As articulações de Ciro apontam para dois caminhos mais prováveis: Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) ou Ratinho Jr (PSD-PR) como presidenciáveis para que ele próprio, Ciro Nogueira, figure no posto de candidato a vice-presidente.
Nogueira espera que Bolsonaro antecipe a definição de um candidato da direita para 2026 e que o ex-presidente abandone o discurso de que disputará a eleição. Seu argumento é que o sucessor precisa de tempo para se preparar. A pressão contrasta com a estratégia do ex-presidente e de sua família, que preferem manter a postura de pré-candidatura para preservar capital político e capacidade de negociação.
O Centrão garantido
Em entrevistas, Ciro Nogueira demonstra entusiasmo com a possibilidade de Tarcísio de Freitas concorrer à Presidência, apesar das declarações públicas do governador paulista de que buscará a reeleição. O senador trabalha para fortalecer essa alternativa, posicionando-se como possível vice na chapa e articulando para reduzir o espaço de outros nomes da centro-direita, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União-GO). A antecipação do apoio, na visão de Ciro, evitaria dispersão de forças e consolidaria uma candidatura competitiva desde cedo.
Essa conjuntura favorece o PP, que poderia ampliar sua influência em um eventual governo Tarcísio e ocupar espaços estratégicos na formação da campanha. Sem Bolsonaro na disputa, o partido teria maior margem para negociar alianças e protagonizar a composição de uma chapa de centro-direita robusta, especialmente após a federação com o União Brasil.
O cálculo é: se uma frente ampla formada em torno de um nome moderado de centro-direita com o apoio dos “bolsonaristas” for capaz de superar a concorrência governista, o caminho para 2026 estaria garantido.
Polarização estratégica com o PT
O PP de Nogueira ocupa atualmente o Ministério do Esporte no governo Lula. A pasta é comandada por André Fufuca (PP-MA). Mas, a partir da formalização da federação com o União Brasil, o partido pretende entregar o ministério, para afastar-se do governo federal. Essa é uma intenção antiga de Nogueira que, publicamente, nunca defendeu o ingresso do partido no governo. Mesmo sendo presidente da sigla, Ciro diz que o acordo para o ministério foi costura própria do Fufuca.
A postura de oposição ao Lula, portanto, tem dois motivos. O primeiro é a manutenção de sua relevância política no Piauí, pois seu adversário local, Wellington Dias (PT-PI), é ministro do Desenvolvimento Social. A pasta milionária investe em programas com forte apelo eleitoral, como o Bolsa Família, por exemplo.
A outra razão é que, estrategicamente falando, o PP trabalha para ter dentro do eleitorado bolsonarista e de direita um número grande de correligionários eleitos em 2026, como ocorreu em 2024.
A estratégia deu certo no ano passado. O partido elegeu 752 prefeitos, ficando em terceiro lugar no ranking geral, atrás apenas do PSD (891 prefeitos) e do MDB (863 prefeitos). Além disso, o PP conquistou 6.942 cadeiras de vereadores, posicionando-se como o segundo partido com maior número de vereadores eleitos, atrás apenas do MDB.
Fonte: gazetadopovo