Saúde

Por que as pessoas adoram fofocar? Descubra a ciência por trás desse hábito popular

Grupo do Whatsapp Cuiabá
2025 word1



  • Texto Manuela Mourão Ilustração Gustavo Magalhães
    Design Juliana Krauss Edição Bruno Carbinatto e Rafael Battaglia

    Suetônio (69 d.C.-122 d.C.) foi uma espécie de colunista de fofoca do Império Romano. Com extensa carreira em cargos públicos, ele ficou conhecido por escrever sobre poetas e governantes. O seu foco, porém, não eram informações triviais do biografado (o ano de nascimento, a educação que recebeu), mas sim os causos e escândalos nos quais estivesse envolvido.

    A sua obra mais famosa, Os Doze Césares, reúne histórias de 12 comandantes de Roma, de Júlio César aos imperadores que o sucederam. São perfis detalhados, que descrevem as virtudes e os vícios de cada um. 

    Siga

    É graças aos relatos de Suetônio que descobrimos, por exemplo, que Nero matou uma de suas tias dando a ela uma dose fatal de laxantes. Ou que Calígula (que manteve uma relação incestuosa com sua irmã e matou um primo porque ele tossia demais) convocou três senadores à meia-noite no palácio só para que o vissem dançar trajando um biquíni dourado.

    “Os inesquecíveis relatos de sexo, escândalo e devassidão de Suetônio garantiram que sua obra desempenhasse um papel significativo na formação de nossa percepção da Roma imperial”, escreveu o historiador Caillan Davenport em um artigo para o site The Conversation.

    A fofoca não começou com Suetônio, é claro. É algo onipresente na espécie humana. E a ciência já mostrou que todo mundo se envolve em mesmo grau na conversa fiada (não é algo majoritariamente feminino, como séculos de estereótipos pintaram).

    Ilustração de um rapaz apoiado numa escada, conversando com uma garota debruçada na janela.
    “Tão dizendo por aí que é mega hair.” (Gustavo Magalhães/Superinteressante)

    Pesquisas sugerem que passamos uma hora por dia fofocando – isso sem contar o tempo que ficamos em redes sociais consumindo o disse me disse da vida de políticos, atletas e celebridades (1). O antropólogo e psicólogo evolucionista Robin Dunbar, da Universidade de Oxford, estima que 65% das nossas conversas são sobre outras pessoas (2).

    Não faltam exemplos no cotidiano. Uma das séries mais assistidas de todos os tempos da Netflix é Bridgerton, justamente um dramalhão sobre a nobreza britânica narrado e conduzido pela fofoqueira Lady Whistledown. No TikTok, vídeos com a hashtag #redditstories acumulam dezenas de milhões de visualizações – apenas com histórias narradas de fofocas publicadas no fórum Reddit. Podcasts, perfis no Instagram e livros sobre anedotas da vida alheia garantem o salário de muita gente.

    Mas existe uma dualidade em como percebemos a fofoca: apesar de ser extremamente popular, ela é, ao mesmo tempo, repreendida como uma atitude errada, imoral. Um prazer culposo, pelo qual nutrimos uma relação de amor e ódio. 

    O dicionário da Academia Brasileira de Letras traz descrições negativas sobre a fofoca: “Ação ou costume de fabular ou de distorcer ações alheias”, um “comentário maledicente ou indiscreto feito à boca pequena”. 

    A origem etimológica do termo, porém, não carrega esse juízo de valor. “Fofoca” provavelmente vem do termo iorubá òfófó, que seria algo como “o comentário feito sobre alguém”. Dentro dos candomblés, a palavra se transformou em “afofô” e, com o tempo e a mistura da língua, virou “fofoca”.  

    No estudo científico da fofoca, a maioria dos pesquisadores entendem o fuxico dessa mesma forma – a troca de informações sobre terceiros ausentes da conversa. Ou seja: não importa se o papo consiste em críticas, segredos, elogios ou simples comentários neutros. Se o sujeito do assunto não está presente, estamos fofocando. 

    Mas, afinal, quando é que fofocar se tornou algo malvisto? Será que existe alguma forma saudável e ética de fazer isso? É o que vamos ver nas próximas páginas. Antes, é preciso entender por que o nosso cérebro evoluiu para gostar tanto de xeretar a vida alheia.

    Ilustração, vista de cima, de dois porcos conversando em frente a uma casa.
    “Tô te falando. Ele recebeu uma parte maior da herança. Só isso explica os tijolos.” (Gustavo Magalhães/Superinteressante)

    Só sei que foi assim

    Quando um comportamento aparece em praticamente todas as culturas, idades e épocas, os cientistas logo suspeitam se tratar de um traço fundamental da natureza humana – algo moldado ao longo de gerações por oferecer vantagens reais de sobrevivência e convivência social. 

    Alguns fenômenos são fáceis de entender. Humanos já nascem gostando de chocolate porque milhões de anos de evolução nos transformaram em apaixonados por comidas ricas em gordura e açúcar (fontes de energia que não eram fáceis de conseguir em abundância na natureza; por isso, era importante que os nossos antepassados comessem o máximo quando os encontrassem). O prazer que sentimos em um orgasmo, por sua vez, é um dos estímulos inconscientes do cérebro que nos deixam um tantinho mais próximos da reprodução.

    Num primeiro momento, pode parecer absurdo colocar a fofoca nessa mesma categoria de “adaptações vantajosas”, mas a curiosidade constante sobre a vida alheia não é mero capricho. Trata-se de um subproduto de mecanismos mentais que surgiram na Pré-História para ajudar nossos ancestrais a navegar na complexa vida em grupo.

    Imagine a seguinte cena: você está na floresta e precisa decidir por qual trilha seguir: a da direita ou a da esquerda. Um dos integrantes do seu grupo (vamos chamá-lo de Joãozinho) sugere o caminho da direita – no outro, segundo ele, haveria onças. 

    Para tomar uma decisão, o mais provável é tentar recordar o que você sabe sobre o Joãozinho antes de julgá-lo confiável. Valeria, ainda, fazer uma pesquisa em grupo para procurar ressalvas sobre o comportamento dele. Só aí você escolheria seguir ou não pela direita. 

    Nas comunidades pré-históricas, cooperar com os membros do próprio grupo era vital para enfrentar ameaças externas. Ao mesmo tempo, eram justamente esses parceiros de convivência que competiam entre si por recursos limitados, aliados estratégicos e oportunidades reprodutivas. Saber quem era confiável, quem representava risco e quem se mostrava um par valioso podia determinar o sucesso ou o fracasso de alguém. Nossos ancestrais enfrentavam problemas adaptativos recorrentes que exigiam memória social detalhada e atenção às relações interpessoais. Não muito diferente da vida moderna, convenhamos.

    A fofoca fornece esse tipo de vantagem. A capacidade de prever e influenciar o comportamento alheio depende da troca constante de relatos. Os indivíduos que tinham um forte interesse nos assuntos privados dos outros tiveram mais sucesso em sobreviver e deixaram mais descendentes. A mente humana, consequentemente, evoluiu para valorizar o fuxico quase tanto quanto valoriza açúcar e sexo. 

    A fofoca ainda é responsável por outro benefício: o de controle social. Em um estudo (3), pesquisadores mostraram que fofoqueiros têm vantagens evolutivas não apenas porque espalham informações úteis mas também porque incentivam as pessoas a se comportarem de forma menos egoísta. Quando sabem que podem virar assunto no boca a boca, as pessoas tendem a agir de maneira mais altruísta para evitar ser alvo de comentários negativos do grupo. 

    Em outras palavras, a fofoca funciona como um sistema natural de monitoramento e regulação de comportamento – um resquício da nossa história evolutiva que continua ativo e influente, mesmo que vivamos em sociedades mais complexas do que as aldeias de nossos ancestrais. 

    Ilustração de uma criança e duas mulheres caminhando por um bosque. Ao fundo, vê-se uma pequena casa com chaminé.
    “Não deixa ela andar sozinha por aqui, viu? Minha comadre contou que tem um lobo na floresta.” (Gustavo Magalhães/Superinteressante)

    Não conta para ninguém

    Fofocar não se resume a contar ou escutar um pedaço de mexerico. A experiência é mais complexa – e divertida – do que isso. 

    Kelsey McKinney, autora do livro You Didn’t Hear This From Me (“Você não ouviu isso de mim”), descreve a sensação de fofocar “como se meu corpo fosse uma garrafa de refrigerante de dois litros toda agitada. O drama, a intriga e os segredos fervilham dentro de mim”.

    Fofocar aumenta os níveis de ocitocina mais do que conversas neutras ou mesmo emocionalmente carregadas (4). A ocitocina é um hormônio envolvido na construção de confiança, afetividade e cooperação. Ela é fundamental, por exemplo, para que casais passem da euforia da paixão de começo de namoro para um relacionamento mais duradouro. Não à toa, ela é conhecida como “o hormônio do amor”.

    Essa ideia dialoga com a teoria do antropólogo Robin Dunbar, mencionado no início do texto. O britânico propõe que a conversa humana funciona como o equivalente social do grooming – o ato de limpar e acariciar outros indivíduos frequentemente observado em grupos de primatas. Para macacos e grandes símios, esse comportamento serve para criar alianças, reforçar a confiança e entender o temperamento de aliados. A linguagem ampliou esse mecanismo: permite transmitir preferências, sentimentos, traços de personalidade e sinais de confiabilidade com muito mais eficiência do que o toque físico. 

    Ao fofocarmos, não apenas trocamos informações sobre terceiros, mas exibimos que confiamos na pessoa que escuta. O comportamento cria vínculos e, por isso, é uma baita vantagem em espécies sociais.

    Um estudo etnográfico (5) realizado ao longo de 11 meses em Riace, no sul da Itália – uma comunidade que recebe migrantes e refugiados há mais de duas décadas –, mostrou que a fofoca pode atuar como ferramenta de integração social dos recém-chegados. Em vez de promover exclusão ou tensão entre grupos, grande parte das conversas informais ajudava a reforçar normas locais, construir confiança e criar narrativas compartilhadas. 

    Em um nível mais íntimo, uma pesquisa (6) monitorou conversas de 76 casais, de gêneros iguais ou diferentes, e observou que episódios de fofoca entre parceiros estavam associados a maior felicidade e melhor qualidade no relacionamento. Como casais são, para muitos adultos, a principal fonte de troca emocional e conversas do dia a dia, o fuxico pode funcionar como um mecanismo discreto de conexão: um espaço para compartilhar percepções, alinhar valores e criar códigos comuns. 

    Ilustração, de dois soldados conversando, segurando lanças e guardando uma porta. Ao fundo, vê-se um adulto conversando com uma criança.
    “De quantas noites ela vai precisar para terminar essa história?” (Gustavo Magalhães/Superinteressante)

    Fofocar não é algo simples. Para decidir com quem compartilhar uma informação sensível, nosso cérebro usa o que os pesquisadores chamam de mapeamento cognitivo – a capacidade de esquematizar as relações entre pessoas do nosso círculo social (7).

    Essa teia é tecida conforme aprendemos coisas novas todos os dias. João amava Teresa, que amava Raimundo, e por aí vai. Enquanto dormimos, nosso inconsciente se encarrega de revisitar essas interações para atualizar o mapa cognitivo – o que, por sua vez, nos ajudará a tomar decisões quase automáticas sobre quem é um bom ou mau “canal” para espalhar informações.

    Ao fofocarem, as pessoas fazem cálculos sobre duas variáveis invisíveis: a distância social entre o alvo do comentário e o ouvinte e a popularidade desse ouvinte. Tendemos a fofocar menos com quem é próximo do alvo e mais com indivíduos que são populares, porém distantes do alvo. Esse jogo de cintura garante uma fofoca mais interessante, por se tratar de pessoas conhecidas, e evita que o alvo fique sabendo sobre o assunto – afinal, ser tachado de “boca de sacola” significa parar de receber as informações mais suculentas. 

    Essa análise é o que especialistas chamam de transmissibilidade [veja o infográfico abaixo]. Alice Xia, doutoranda da Universidade Brown, mapeou como a fofoca se espalha em um núcleo social. Ela explica que o processo é mais complexo do que parece: “Não se trata de simplesmente lembrar que A é amigo de B, C e D”. Segundo Xia, nós criamos também conexões indiretas de ligação entre pessoas de um grupo, exploradas na hora de transmitir informações. 

    Gráfico, em fundo lilás, explicando como uma fofoca se espalha.
    (Arte/Superinteressante)

    Quando você começa em um novo emprego, logo entende quem são os chefes e os subordinados. Com o tempo, porém, o mapeamento cognitivo é capaz de considerar como essas pessoas se comunicam e se comportam no escritório, o histórico profissional e até o quanto beberam na última confraternização. Tudo isso é levado em conta na hora de espalhar algo via rádio-peão.

    Todas essas explicações ajudam a entender por que nosso cérebro evoluiu para lembrar detalhes específicos sobre conhecidos. Fofocar sobre amigos, colegas de trabalho e vizinhos faz com que a gente saiba mais do nosso círculo social. Beleza – mas ainda falta entender por que, então, gostamos tanto de acompanhar a vida das celebridades, pessoas tão distantes do nosso dia a dia.

    Ilustração de seis anões, numa mina de ouro, fazendo comentários sobre um sétimo anão que está empurrando um pequeno vagão.
    “Esse é o cara que reclamou da cantoria no trabalho. Depois a mina entra em greve e ninguém sabe por quê.” (Gustavo Magalhães/Superinteressante)

    Você não vai acreditar

    De certa forma, nosso cérebro é enganado a sentir uma familiaridade com famosos. Tem nome para isso: relações parassociais. “Parassocial” foi inclusive escolhida como a palavra do ano de 2025 pelo dicionário Cambridge. O termo é usado para descrever uma conexão que as pessoas sentem por alguém que não conhecem – figuras públicas, personagens fictícios e até chatbots.

    Essa “intimidade” de via única, por mais fútil que possa parecer, tem uma função social. Celebridades se tornam referências culturais compartilhadas, úteis para iniciar conversas com colegas de trabalho, vizinhos novos ou desconhecidos em geral. Valeu, revista Caras. 

    Além disso, a exposição constante na mídia faz com que a gente veja como os famosos reagem a uma série de situações. O divórcio da Angelina Jolie, as picuinhas da família Kardashian e até a maneira como a princesa Diana lidava com a sogra (no caso, a rainha da Inglaterra). Tudo isso é armazenado pelo seu cérebro e usado no futuro caso algo similar (em maior ou menor grau, claro) aconteça com você.   

    “Não nos importamos exatamente com quem essas pessoas são, mas, ao prestarmos atenção no que fazem, sentimos que podemos aprender algo útil, alguma estratégia”, diz Frank McAndrew, doutor em psicologia experimental na Faculdade Knox (EUA). Os jovens recorrem a celebridades e à cultura popular para aprender lições de vida que antes só podiam ser aprendidas com modelos de seu próprio círculo social, desde como se vestir até como lidar com relacionamentos complexos. 

    “Vemos as celebridades como figuras glamourosas e bem-sucedidas, e observamos como chegaram lá, imaginando que talvez possamos repetir seus passos”, diz McAndrew, que dedica várias de suas pesquisas à análise da fofoca. “No fim, uma das razões pelas quais amamos celebridades é que elas nos oferecem tanto identificação quanto modelos de possibilidade.”

    Quem conta um conto…

    Se até falar da vida dos famosos pode trazer alguma vantagem, então por que a fofoca é encarada há milênios como algo ruim?

    A grande maioria dos textos e livros religiosos faz alguma crítica ao poder da língua solta. Na mitologia grega, por exemplo, a figura de Pheme é a personificação do espírito dos rumores, boatos e fofocas. Reza a lenda que ela tinha várias línguas e ouvidos e que não se importava se espalhava histórias boas ou ruins. 

    Talvez essa seja uma das grandes questões sobre o lado sombrio da força da fofoca. A cada nova boca, a fofoca corre o risco de se distorcer e virar uma subcategoria: o boato. 

    Por mais que a fofoca não exija o rigor de uma apuração jornalística, ela quase sempre nasce de algo real. O boato, não. Ele tem origem incerta ou desconhecida, e facilmente sai do controle.

    Quando a informação se desprende de sua origem e ganha vida própria, ela vira um caminhão sem freio, que pode destruir reputações inteiras sem que haja qualquer fundamento. Às vezes, até pior do que isso.

    Na Europa, a caça às bruxas matou entre 40 mil e 60 mil pessoas nos séculos 16 e 17. Não raro, um murmúrio mal-intencionado sobre uma vizinha bastava para iniciar uma investigação. Mas nem é preciso ir tão longe assim. Pense em quantas pessoas que você conhece que não tiveram a vida atrapalhada por conta de boato – talvez você mesmo tenha passado por isso. 

    Assim como uma doença contagiosa, boatos se espalham rapidamente quando encontram terreno fértil. No Grande Medo de 1789, uma onda de pânico e revoltas camponesas no início da Revolução Francesa, histórias de conspirações aristocráticas percorreram cidade após cidade, impulsionadas por estradas, mensageiros e, principalmente, por populações vulneráveis à fome e ao caos político. Uma pesquisa mostrou que, tal qual uma infecção em hospedeiros com imunidade baixa, esses boatos só geravam revoltas onde já havia fragilidade – como inflação alta e níveis elevados de injustiça social (8).

    Quando um boato perde o controle, surge ainda outro problema. “Você acaba compartilhando informações com pessoas que nem conhece. Ou seja, espalha para gente cuja confiabilidade é incerta – e que talvez não trate essa informação com responsabilidade”, diz McAndrew. “Nas redes sociais, isso se amplifica: você imagina estar falando apenas com dois ou três amigos, mas, na prática, centenas de pessoas veem o que você publicou, e você não faz ideia de quais conexões elas têm com o alvo da história. É muito fácil causar problemas reais.”

    Fofocas podem moldar nossas opiniões e até influenciar na maneira como enxergamos as pessoas – literalmente. Em um estudo que combinou rostos com fofocas positivas, neutras e negativas, foi observado que rostos associados a rumores negativos prenderam por mais tempo a atenção dos voluntários, como se ganhassem prioridade automática no cérebro (9)

    Isso acontece porque áreas ligadas a emoções básicas se conectam diretamente às regiões que processam a visão, fazendo com que nosso cérebro favoreça qualquer estímulo que pareça representar risco ou competição. Olhando pela lente evolutiva, faz todo sentido: somos inclinados a prestar mais atenção – e até a enxergar de outro jeito – àqueles envolvidos em rumores negativos, porque essa sensibilidade sempre ajudou a navegar disputas, alianças e hierarquias sociais. 

    Ilustração de um grupo de pessoas num tribunal.
    “Vai sobrar pra gente, irmã. Se te perguntarem, você não viu sapatinho nenhum.” (Gustavo Magalhães/Superinteressante)

    Você ficou sabendo?

    Diante de tantos problemas, será que não seria mais fácil simplesmente banir a fuxicagem?

    Em 2019, a cidade de Binalonan, nas Filipinas, proibiu a fofoca após o disse me disse ter originado conflitos graves relacionados a propriedades, casais e dinheiro. Segundo o prefeito da época, Ramon Guico III, era o jeito de “mostrar a outras cidades que Binalonan tem pessoas boas; é um lugar bom e seguro para viver”, disse ao jornal The Guardian.

    A punição para quem fosse pego fofocando era uma multa de 200 pesos filipinos (R$ 18,50) e três horas de serviço comunitário, recolhendo lixo. Reincidentes pagariam multa de até 1.000 pesos filipinos (R$ 92) e oito horas de serviço comunitário. A moda pegou por mais outras sete vilas do distrito.

    É difícil imaginar, porém, que o experimento se espalhe mais. “Banir a fofoca é completamente irrealista e impossível”, diz McAndrew. E tudo bem: não é preciso, afinal, ser extremista como a galera de Binalonan – pelos motivos que já explicamos até aqui, fofocar de maneira ética [veja mais abaixo] pode nos munir de importantes informações. 

    No trabalho, a rádio-peão funciona como um sistema informal de alerta – uma rede subterrânea de troca de informações que, muitas vezes, oferece mais proteção do que qualquer manual corporativo. Quando alguém avisa colegas que um chefe é explosivo ou imprevisível, não está apenas fofocando: está preparando o grupo para evitar crises, calibrar expectativas e adotar estratégias que minimizem danos. 

    Quando circula a notícia de que um gestor foi pego cometendo algo antiético, fazer com que esse relato circule até que seja investigado  pode ser uma forma de buscar justiça, pressionar por consequências e impedir que abusos continuem escondidos. 

    Esse fluxo de conversas desempenha um papel crucial para sindicatos e movimentos coletivos, que dependem dessa rede informal para construir solidariedade e visão compartilhada. O disse me disse que corre pelos corredores cria consciência de problemas estruturais e reúne pessoas que, isoladamente, achavam que suas experiências eram exceções.

    Nesse processo, minorias conseguem mobilizar resistência contra lideranças ruins e conquistar direitos que dificilmente surgiriam sem a força do todo. Basta lembrar do movimento #MeToo: relatos individuais de assédio sexual, antes espalhados em sussurros, formaram uma onda global capaz de derrubar figuras poderosas e transformar leis.

    Tabela, em fundo rosa, com seis dicas de conduta diante de uma fofoca.
    (Arte/Superinteressante)

    No fim, é ilusório imaginar um mundo sem fofoca. Compartilhar histórias sobre os outros é uma ferramenta humana essencial, uma forma de aprender sem precisar viver tudo na própria pele. É assim que nos protegemos, nos orientamos e tomamos decisões. O problema nunca foi a existência da fofoca, mas o uso que fazemos dela.

    O que ouvimos não pode, nem deve, ser tratado como verdade absoluta. Aqui entra uma regra básica do jornalismo – e da vida em sociedade: toda informação carrega um ponto de vista, um interesse, uma intenção. Questionar a fonte, entender o contexto e reconhecer os próprios vieses não elimina a fofoca, mas a torna mais consciente.

    Talvez a saída não seja tentar calar o fuxico, mas reorientá-lo. Quando usado em prol do coletivo, ele deixa de ser apenas um hábito e pode se tornar um mecanismo de cuidado social. Fofocar, enfim, é inevitável (mas, se te perguntarem, você não ouviu isso de mim).

    Fontes (1) artigo “Who gossips and how in everyday life?”; (2) artigo “Gossip in evolutionary p0erspective”; (3) artigo “Explaining the evolution of gossip”; (4) artigo “Something to talk about: Gossip increases oxytocin levels in a near real-life situation”; (5) artigo “Gossip, diversity and community cohesion: The case of multi-ethnic Riace”; (6) artigo “Spill the tea, honey: Gossiping predicts well-being in same- and different-gender couples”; (7) artigo “Knowledge of information cascades through social networks facilitates strategic gossip”; (8) artigo “Epidemiology models explain rumour spreading during France’s Great Fear of 1789”; (9) artigo “The visual impact of gossip”.

    Fonte: abril

    Sobre o autor

    Avatar de Redação

    Redação

    Estamos empenhados em estabelecer uma comunidade ativa e solidária que possa impulsionar mudanças positivas na sociedade.