Em 2003, o filme Procurando Nemo cunhou o idioma falado por baleias: o baleiĂȘs. JĂĄ passava da hora, afinal, os estudos sobre a comunicação dos grandes mamĂferos iniciou-se na dĂ©cada de 1960 â e a conclusĂŁo das pesquisas Ă© sempre a mesma: os bichos sĂŁo tagarelas natos.Â
A baleia azul, o maior animal do mundo, nĂŁo escapa do tititi. Esses animais emitem vocalizaçÔes ao longo de todo o ano, produzindo sons caracterĂsticos como pulsos, grunhidos e gemidos, geralmente na faixa de 15 a 40 Hz. Muitas vezes, esses sons sĂŁo abaixo da audição humana, jĂĄ que nĂłs escutamos na faixa de 20 Hz a 20.000 Hz. Um som de 40 Hz, por exemplo, Ă© como o som graves de um trovĂŁo distante.Â
Por isso, os sons das baleias estĂŁo entre os mais graves e intensos do reino animal, podem alcançar nĂveis de atĂ© 189 dB subaquĂĄticos. Seu repertĂłrio acĂșstico inclui dois tipos principais: os cantos, formados por unidades longas e repetidas que podem se combinar em frases, e os chamados D calls, curtos e descendentes, usados irregularmente como forma de contato entre grupos. Os cantos apresentam variaçÔes geogrĂĄficas que permitem diferenciar populaçÔes, enquanto os D calls nĂŁo mostram diferenças regionais.Â
A Super jĂĄ explicou como funciona a comunicação entre baleias e a criação de suas frases, mais sobre vocĂȘ pode ler aqui.
O problema Ă© que, nos Ășltimos anos, esses sons vĂȘm desaparecendo das profundezas oceĂąnicas.Â
A mudança nĂŁo veio de um dia para o outro. Em 2013, uma massa de ĂĄgua anormalmente quente â apelidada de The Blob â surgiu no Golfo do Alasca. Ela nĂŁo se dissipou com as estaçÔes, como aconteceria com uma massa comum. Em vez disso, expandiu-se e atingiu temperaturas atĂ© 4,5°C acima do normal.
Em pouco tempo, espalhou-se por milhares de quilĂŽmetros, alterando a quĂmica marinha e dizimando populaçÔes de krill, o alimento essencial das baleias-azuis.
Monitoramentos acĂșsticos de longo prazo revelaram um padrĂŁo: durante esses anos de aquecimento extremo, as vocalizaçÔes caĂram quase 40%. âĂ como tentar cantar enquanto vocĂȘ estĂĄ famintoâ, explica John Ryan, oceanĂłgrafo do Monterey Bay Aquarium Research Institute, para a National Geographic. âAs baleias estavam ocupadas demais procurando comida para gastar energia em seus cantos.â
A mudança dos cantos foi documentada em um estudo publicado este ano. Nele, Ryan e sua equipe mostraram que as mĂșsicas das baleias azuis foram detectadas com menos frequĂȘncia do que anos antes.
Mas o impacto vai além da fome. A diminuição nas vocalizaçÔes não indica apenas dificuldades alimentares, mas também queda na atividade reprodutiva.
O fenÎmeno não se limitou à Califórnia. Na Nova Zelùndia, pesquisadores registraram um padrão semelhante entre 2016 e 2018. As åguas no estreito de South Taranaki Bight estavam anormalmente quentes. O resultado foi o mesmo: menos alimentação, menos cantos, menos atividade reprodutiva.
E esse estresse pode estar longe de acabar. Estudos mostram que a frequĂȘncia e intensidade das ondas de calor marinhas triplicaram desde a dĂ©cada de 1940. Com o aquecimento global acelerado, eventos como The Blob podem se tornar mais comuns â e mais duradouros.
O silĂȘncio Ă©, para os cientistas, mais do que a ausĂȘncia de som. Ă um alerta. âAs baleias-azuis funcionam como sentinelas do oceanoâ, diz Dawn Barlow, ecĂłloga do Marine Mammal Institute, tambĂ©m Ă NatGeo. âQuando elas param de cantar, Ă© porque algo estĂĄ profundamente errado no ecossistema.â
âA poluição sonora que causamos nos oceanos estĂĄ forçando as baleias a mudar seus cantos ou atĂ© a silenciar completamente. As baleias estĂŁo falando com a gente, mesmo que caladas â e nĂłs estamos ignorandoâ, diz David Farrier, professor da Universidade de Edimburgo e autor do livro Natureâs Genius, para a Super.Â
Fonte: abril