Um novo estudo publicado na Communications Earth & Environment revela um dos aspectos mais devastadores da mineração de ouro na Amazônia: não é apenas o solo envenenado por metais pesados que impede a regeneração da floresta: é a água, que desapareceu.
“Sabemos que a degradação do solo retarda a recuperação florestal”, afirma Josh West, professor da USC Dornsife, explorador da National Geographic e coautor do estudo, em comunicado. “Mas isso é diferente. O processo de mineração seca a terra, tornando-a inóspita para novas árvores.”
A pesquisa, conduzida por cientistas do Woodwell Climate Research Center e da USC, analisou áreas devastadas da Floresta Amazônica na região de Madre de Dios, no Peru, próxima às fronteiras com Brasil e Bolívia.
A técnica mais usada, conhecida como mineração por sucção, destrói completamente a capacidade da terra de reter água. Jatos de água de alta pressão explodem o solo, separando o ouro e deixando para trás montes de areia e lagos estagnados, que se tornam cicatrizes permanente em uma das maiores biodiversidades do planeta.
Imagens térmicas de drones revelaram que essas pilhas de areia podem atingir até 60 °C, enquanto o solo natural nas florestas ao redor se mantém fresco. A água da chuva escorre quase 100 vezes mais rápido nesses depósitos, evaporando em questão de horas.
“Mesmo as mudas plantadas não conseguem sobreviver”, explica Abra Atwood, também autora do estudo. “Quando as raízes não encontram água e o calor é extremo, não há chance de regeneração.”
“É como tentar plantar uma árvore dentro de um forno”, disse West.
Apesar de algumas áreas próximas a lagos e baixadas apresentarem tímidos sinais de recuperação, vastas extensões permanecem completamente áridas, sem qualquer sinal de vida.
“Em Madre de Dios, um total de 95.750 hectares foram desmatados entre 1985 e 2017, apenas no âmbito das atividades de mineração. Somente entre 2009 e 2019, 64.586 hectares foram desmatados, uma área que, segundo a Fundação para a Conservação e o Desenvolvimento Sustentável (2023), equivale a 90.456 campos de futebol”, afirma um relatório feito por nove organizações de conservação da Amazônia, de seis países diferentes. No total, a mineração é responsável por quase 10% de toda a perda de floresta na Amazônia.
Se as descobertas científicas soam alarmantes, decisões recentes do Estado brasileiro adicionam uma camada ainda mais sombria ao cenário.
O Senado brasileiro aprovou recentemente um projeto de lei que flexibiliza drasticamente o licenciamento ambiental. Na prática, muitas obras e empreendimentos passariam a depender apenas de autodeclarações das empresas, eliminando etapas fundamentais de fiscalização ambiental. Agora, o texto do projeto será apreciado pela Câmara dos Deputados.
Além disso, no dia 19 de maio, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) avançou uma etapa no processo de eventual autorização da exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, uma região marinha entre o Amapá e o Pará, considerada uma das mais sensíveis ambientalmente.
Historicamente, o Ibama havia rejeitado os pedidos da Petrobras, alegando que os projetos não atendiam às exigências de proteção ambiental. Desta vez, no entanto, deu sinal verde para que a empresa fizesse vistorias e simulações na região. É uma fase pré-operacional do conceito do Plano de Proteção e Atendimento à Fauna Oleada (PPAF).
Em nota, o Ibama ressaltou “que tal inspeção não representa qualquer direcionamento conclusivo quanto a emissão ou não da licença ambiental referente à atividade de perfuração marítima no bloco FZA-M-59, na bacia da Foz do Amazonas”.
Mesmo assim, a reação foi imediata. Mais de 60 líderes indígenas do Oiapoque, no Amapá, divulgaram uma carta aberta acusando o governo de “disseminar desinformação” e de colocar em risco a própria sobrevivência dos povos originários. “Nos ameaçam com falsas promessas de desenvolvimento, mas quem pagará essa conta seremos nós, com nossa terra, nossa água e nossas vidas”, diz um trecho da carta.
Fonte: abril