A delegada Renata Cruppi, da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Diadema (SP), explicou os principais passos para a investigação de assédio sexual. O crime ganhou repercussão nacional nas últimas semanas por denúncias contra Silvio Almeida, ex-ministro de , e José Luiz Datena, candidato à Prefeitura de São Paulo.
Renata explicou que assédio é o ato de constranger uma pessoa de forma moral ou sexual. A ação é um crime previsto no Código Penal e tem como pena detenção de um a dois anos.
“Com esse constrangimento, a vítima vai prestar atenção nos detalhes”, disse Renata. “Então, ela verifica se há uma conotação sexual, se há uma conotação de apenas constrangimento, exposição, afastamento dela do grupo.”
Os casos de assédio sexual são comuns em ambientes de trabalho, conforme disse a delegada a . Os autores das ações costumam ser superiores às vítimas na hierarquia da empresa ou instituição.
A exemplo, a denúncia contra o apresentador José Datena envolve uma colega de trabalho. Em uma confraternização da TV Bandeirantes, Datena teria dito à repórter Bruna Drews que se masturbou pensando na colega e que seria “um desperdício” ela namorar uma mulher. O apresentador nega a acusação. Depois de denunciar o caso nas redes sociais, Bruna desistiu da ação — o Ministério público arquivou o processo contra o hoje candidato a prefeito de São Paulo pelo PSDB.
“Os casos mais comuns são na relação de trabalho, como superior hierárquico ou com algum superior não direto, mas que gera uma influência em relação àquela mulher, caso ela não cumpra aquilo que foi solicitado”, explicou Renata.
A delegada explica que o assédio também pode ocorrer em outros ambientes, como familiar ou estudantil. No caso de Silvio Almeida, a organização MeToo Brasil afirma que recebeu o relato de diversas alunas do ex-ministro. Para a titular da DDM de Diadema, os agressores aproveitam da influência para cometer os atos.
“Quanto mais visibilidade o assediador tem, mais receio essa vítima também tem”, disse a delegada. “A vítima se sente calada em relação ao seu superior. Principalmente se ele tem muita visibilidade, tem muita influência. Ela acredita que não será ouvida. Não será levado em consideração os seus relatos, mas isso não deve ser considerado, independente do ambiente.”
Silvio Almeida atuou como docente na Universidade São Judas Tadeu e na Universidade Mackenzie, ambas em São Paulo. A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, seria uma das vítimas. O ex-ministro nega o caso e chamou as denúncias de “mentirosas”. Mesmo assim, acabou demitido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo confirmou, com exclusividade a , que a Polícia Civil abriu uma investigação preliminar para apurar as denúncias contra Silvio Almeida. A Polícia Federal também investiga o caso.
A situação mais notória é da professora Isabel Rodrigues, que acusa Silvio Almeida de “violência sexual”. A docente, que é candidata a vereadora pelo PSB de Santo André (SP), disse, em um vídeo publicado no Instagram, que o político colocou a mão debaixo de sua saia.
O assédio teria ocorrido durante um almoço com alunos. Na ocasião, o ex-ministro havia convidado Isabel e outros estudantes para almoçarem juntos.
A delegada Renata Cruppi disse que os casos podem incluir o toque, como o que ocorreu com a professora Isabel. Porém, o fato de tocar não, necessariamente, se enquadra como estupro.
“O assédio vai variar de acordo com o contexto”, disse Renata. “Então, pode ter um assédio sexual com toque, que pode caracterizar um toque não consentido. Ele pode caracterizar até um estupro, uma importunação ou apenas uma injúria, tudo vai depender do caso concreto. Há tipos de toques, a vítima pode sofrer um toque lascivo ou um toque de constrangimento.”
A delegada explicou como ocorrem os atendimentos na DDM de Diadema, onde atua há 11 anos. De janeiro a julho deste ano, o município registrou 78 casos de importunação sexual e assédio sexual. Renata destacou que, no primeiro momento, o principal é acolher a vítima.
“Quando a pessoa consegue chegar na delegacia para fazer uma denúncia de assédio, os passos vão depender muito de como ela está emocionalmente”, explicou Renata. “Fazemos o acolhimento inicial para que ela consiga se tranquilizar. Depois, conseguir organizar tudo o que aconteceu para nos narrar. Muitas vezes a vítima não consegue contar no primeiro atendimento. Monitoramos para que ela retorne para fazer, mas não posso coagi-la.”
Segundo a delegada, o próximo passo é ouvir o relato da vítima para realizar um registro formal, por meio de um boletim de ocorrência. As informações são registradas por um escrevente de polícia e encaminhada para o delegado titular. Com o depoimento, o delegado busca identificar os crimes cometidos contra a vítima.
“Nos casos onde há o autor, quem praticou aqueles atos, instaura-se o inquérito policial e faz uma linha investigativa para que sejam iniciados os primeiros passos”, explicou Renata. “Nas situações onde não se tem o autor, é mais comum que haja investigações preliminares para que se encontre indícios de quem possa ter praticado aqueles atos. E, a partir desses indícios, há instauração de inquéritos com essa materialidade prévia.”
O inquérito policial é uma investigação conduzida pelo delegado de polícia. O processo visa a coleta de informações sobre a autoria e detalhes de um crime para auxiliar o promotor de Justiça na decisão de apresentar uma ação penal em tribunal. Durante a investigação, a vítima apresenta provas do crime.
“A vítima pode apresentar uma prova testemunhal, que é a testemunha presencial, aquela que viu ou ouviu situações que seja ou assédio”, contou Renata. “Há também a testemunha de referência, que é aquela que não viu, mas percebeu uma mudança de comportamento. A vítima foi na direção, por exemplo, do seu superior hierárquico para tratar de algum assunto e retornou completamente desestruturada emocionalmente.”
A delegada também explicou que as vítimas podem apresentar provas documentais, como print de conversas, e-mails e até mesmo print de redes sociais. Em alguns casos podem haver gravações da violência.
“Relatórios psicológicos também são importantes, principalmente na questão do assédio moral, que traz ali um estudo de toda a trajetória, dos fatores ali que desencadearam a fragilidade dessa pessoa que sofreu”, explicou Renata.
Durante o inquérito policial, os investigadores buscam encontrar o máximo de provas para embasar as denúncias das vítimas. Porém, em alguns casos só há a fala da vítima, sem testemunhas ou provas.
Renata salienta que, mesmo nesses casos, é necessário fazer o registro. Segundo a delegada, a polícia vai realizar investigações para verificar a situação.
“Recomendo que haja o registro”, disse Renata. “Muitas mulheres deixam de registrar porque acreditam que não vai dar em nada. Não é assim, não pode pensar dessa forma. Sempre há um desdobramento, sempre há uma conexão com outros casos que já tivemos conhecimento, que já nos trouxeram, então vamos fazer um link.”
No caso das provas documentais, Renata explicou que a investigação envia os documentos para análise. A SSP tem órgãos especializados em garantir a autenticidade dos documentos, como o Instituto de Criminalística da Polícia Científica. Além disso, em caso de estupro, o Instituto Médico-Legal realiza corpo de delito.
“Todos os elementos que colhemos são confrontados com algum outro elemento para que haja ali um mínimo de certeza do seu conteúdo”, afirmou Renata Cruppi. “Quando for, por exemplo, eletrônico, podemos encaminhar para perícia técnica, que é no Instituto de Criminalística. Eles vão verificar se realmente saiu daquele aparelho, se não foi montado, se ele tem algum rastro. Sempre quando há algo eletrônico, há rastros.”
Segundo a delegada, em alguns casos a perícia identifica irregularidades nas provas. Nesses casos, a polícia pode investigar a vítima por apresentar documentos falsos. Ao fim da investigação e com provas suficientes, o delegado encaminha o inquérito para o Ministério Público (MP).
“Quando vai para o MP, eles vão analisar toda a materialidade levantada pela investigação e vai oferecer a denúncia para a Justiça”, disse Renata. “O juiz vai aceitar, vai pedir para ajustar alguma coisa ou vai rejeitar a ação.”
O Ministério Público é responsável por receber as denúncias já investigadas da Polícia Civil e dar prosseguimento nas acusações em juízo. O órgão analisa as denúncias antes de enviar para a Justiça, mas também pode arquivar o caso.
Ao encaminhar para a Justiça, um juiz deve analisar o inquérito e decidir se aceitará a denúncia. Caso o magistrado decida acatar, é iniciado o “contraditório”, para ouvir quem acusa e o réu, antes de decidir a sentença.
Renata explicou que o processo é um pouco diferente para pessoas que possuem foro privilegiado. Silvio Almeida possuía o privilégio por ser ministro de Estado. Nesses casos, a investigação é por conta da Polícia Federal, e o Supremo Tribunal Federal é o responsável pelo julgamento.
“Essa prerrogativa é destinada a assegurar que as figuras de alta relevância institucional sejam julgadas por tribunais com maior compreensão das complexidades e responsabilidades de seus cargos”, explicou Renata.
Fonte: revistaoeste