A oposição ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Câmara dos Deputados quer que o projeto de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês inclua ações de corte de gastos da União como fontes de compensação.
O projeto, que tramita em regime de urgência, deve ser votado ainda nesta semana para começar a valer a partir de 2026. A proposta é a principal aposta do Planalto para recuperar a popularidade de Lula para o ano eleitoral. Também prevê alíquotas menores para quem recebe entre esse valor e R$ 7.350.
Com a iniciativa, o governo conseguiu emplacar o discurso da “justiça tributária”, transferindo ao setor produtivo a conta da benesse para parte da população, que deve custar R$ 100 bilhões aos cofres públicos até 2028.
Como a lei de Responsabilidade Fiscal exige que qualquer despesa extra seja aprovada com indicação da fonte de receitas, a ideia do Executivo é compensar os custos da isenção taxando em 10% os rendimentos acima de R$ 50 mil mensais, além dos lucros e dividendos remetidos ao exterior. Hoje, esses rendimentos são isentos.
As estimativas de arrecadação com as medidas somariam, segundo o projeto, R$ 112,9 bilhões até 2028. O excedente, segundo o governo, deve ser destinado ao abatimento da dívida pública. Mas o que a oposição quer é que, ao invés de taxar o setor produtivo, o governo apresente uma solução que priorize o corte de despesas.
“Nós somos totalmente favoráveis que isso aconteça [a isenção do Imposto de Renda], inclusive acho que deveria ser mais: entre R$ 7,5 mil e R$ 10 mil”, afirma o deputado Gilson Marques (Novo-SC). “Nós aprovamos e votamos sim à isenção do IR. Por que digo isso? Porque não concordamos com a compensação. A compensação apenas altera a vítima tributária”, afirmou.
Para ele, a taxação sobre altas rendas e dividendos acaba sendo repassada para toda a sociedade no preço de serviços e produtos oferecidos pelas empresas e pela redução de investimentos. Além disso, não resolve o dilema básico do governo, que é a necessidade de ajuste fiscal.
“Em 2023, o governo arrecadou R$ 100 bilhões a mais e, por outro lado, gastou R$ 230 bilhões”, lembra. “Ou seja, para cada R$ 1 que arrecada a mais, gasta outros dois, pelo menos. A solução que a gente propõe é: corte despesa, corte gasto, economize e não simplesmente compense com outra pessoa pagando esse valor.”
Oposição monta “bomba” fiscal, mas dá alternativas
O movimento da oposição foi considerado uma tentativa de lançar uma “pauta-bomba” para o governo Lula. Informações de bastidores indicam que lideranças do Centrão avaliam que os parlamentares – da Câmara e do Senado – podem votar contra o aumento e deixar Lula resolver como compensar a promessa eleitoral.
O deputado do Novo, no entanto, elencou em voto separado ao projeto uma série de alternativas compensatórias fiscais e orçamentárias a serem incorporadas para a isenção do Imposto de Renda. São basicamente propostas para modernizar o Estado, cortar despesas ineficientes e combater privilégios.
Destacam-se o fim progressivo dos supersalários, a privatização das estatais deficitárias e/ou dependentes da União, e a alienação de ao menos metade das participações acionárias do BNDES.
Também são sugeridos tetos para diversas rubricas da máquina pública: diárias e passagens, publicidade, emendas não impositivas no orçamento e para o fundo partidário e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).
O impacto fiscal total dessas medidas, segundo o deputado, é estimado em R$ 13,84 bilhões até 2028, mesmo após a consideração das renúncias fiscais propostas. Segundo o texto, seria possível, inclusive, aumentar o limite de receita bruta anual do Microempreendedor Individual (MEI) dos R$ 88 mil atuais para até R$ 144.642,86. (veja medidas abaixo)
Projeto é neutro, mas não resolve progressividade do Imposto de Renda
Especialistas consultados pela Gazeta do Povo observam que o projeto de isenção do Imposto de Renda, do jeito que está, não prevê impacto fiscal. No entanto, alertam para a necessidade de que as compensações sejam bem definidas para que a Lei de Responsabilidade Fiscal seja cumprida.
“A medida tende a ser neutra, desde que a compensação prevista se concretize, diz João Mário de França, da FGV-SP. O problema é que, muitas vezes, a arrecadação projetada não se realiza e isso abre espaço para mais desequilíbrio fiscal”.
O governo não pode se dar ao luxo de perder receitas numa situação em que a própria regra fiscal não é suficiente para manter o equilíbrio das contas públicas. “O arcabouço em vigor não resolve o problema estrutural do país, porque mesmo sendo cumprido, a dívida pública continua crescendo”, diz França. “Esse mecanismo deve durar até 2026 ou 2027 e depois será revisto.”
Para o economista, o projeto atende a um princípio de justiça tributária, onerando as classes mais altas. Mas ele admite que o corte de gastos, previsto no substituto da oposição, seria bem-vindo, desde que estejam incluídas despesas de toda a máquina federal, incluindo Congresso e Judiciário.
Já para o tributarista Flávio Molinari, sócio do Collavini Borges Molinari Advogados, o projeto de isenção “representa uma solução paliativa, mas não resolve estruturalmente o sistema”. “A justiça tributária estaria mais perto se o governo promovesse a atualização da tabela do Imposto de Renda”, diz.
O reajuste, segundo ele, é essencial para manter a progressividade do sistema – quem ganha mais paga proporcionalmente mais – e evitar que a tributação recaia indevidamente sobre a base da pirâmide. Sem essa atualização, a inflação empurra trabalhadores para faixas mais altas de tributação, mesmo sem aumento real de renda, fenômeno conhecido como “efeito de arraste”.
Desde 2015, data da última revisão da tabela do Imposto de Renda, não houve ajustes significativos. Em 2023 e 2024, o governo Lula apenas alterou o limite de isenção para dois salários mínimos, hoje em R$ 3.036. O teto, que acompanha o reajuste do salário mínimo, foi aprovado no início de agosto, pelo Senado Federal de forma simbólica.
Na prática, porém, esse limite só vale para pessoas que ganham no máximo esse valor e têm direito a uma espécie de antecipação do desconto simplificado do Imposto de Renda. Para quem ganha mais de dois pisos salariais, vale uma outra tabela, na qual a isenção vai só até R$ 2.259,20.
A falta de atualização das faixas de tributação resulta em uma carga mais pesada para contribuintes de rendas médias. A correção, no entanto, aumentaria a base de trabalhadores pagando menos e, consequentemente, reduziria a arrecadação do governo, “algo impensável em tempos de crise fiscal”.
Veja as sugestões de corte de gastos da oposição para compensar isenção do Imposto de Renda
• Fim progressivo dos supersalários:
◦ Problema: Cerca de 42,5 mil servidores ganham acima do teto constitucional, com 70% deles ligados ao Poder Judiciário, gerando um custo de R$ 11,1 bilhões por ano.
◦ Proposta: Limitar todos os rendimentos ao Teto Constitucional de forma escalonada até 2028. As verbas indenizatórias que não atenderem a requisitos específicos serão extintas gradualmente (30% em 2026, 60% em 2027, e 100% a partir de 2028).
◦ Economia estimada: R$ 11,1 bilhões/ano a partir de 2028. O impacto no cálculo de 2026 é de R$ 3,33 bilhões e R$ 6,66 bilhões em 2027.
• Privatização das estatais deficitárias e/ou dependentes:
◦ Problema: O governo gastou R$ 27 bilhões com 17 estatais dependentes em 2024, e o déficit dessas estatais fechou em R$ 8,073 bilhões.
◦ Proposta: Alienação da participação da União de todas as estatais deficitárias e dependentes da União.
◦ Economia estimada: R$ 8,073 bilhões/ano (redução do prejuízo/déficit) e entrada de bilhões em caixa pela venda das empresas a partir de 2026.
• Teto de diárias e passagens durante crise fiscal:
◦ Problema: Houve um aumento de 53% nos gastos com diárias e passagens oficiais do governo anterior para o atual, chegando a R$ 2,3 bilhões em 2024.
◦ Proposta: Limitar o gasto com diárias e passagens em R$ 1 bilhão durante a crise fiscal (déficit nominal das contas do setor público).
◦ Economia estimada: R$ 1,3 bilhão/ano a partir de 2028.
• Teto para a publicidade do Governo Federal durante crise fiscal:
◦ Problema: O governo anunciou elevação dos gastos com publicidade, podendo alcançar R$ 3,5 bilhões.
◦ Proposta: Limitar o gasto a R$ 100 milhões, pois o governo só precisa do estritamente necessário em crise fiscal.
◦ Economia estimada: R$ 3,4 bilhões a partir de 2028.
• Alienação das participações acionárias do BNDES:
◦ Problema: O BNDES detém participações acionárias em diversas empresas, como 20,8% da JBS (R$ 11,2 bilhões) e 28,2% da TUPY (R$ 1,5 bilhão), além de outras. A carteira completa de participações chega a R$ 87,6 bilhões.
◦ Proposta: Alienar ao menos metade das participações acionárias do BNDES em até 3 anos, com percentuais específicos de liquidação anuais (20,33% em 2026 e 2027, e 9,33% em 2028).
◦ Economia estimada: R$ 14,6 bilhões/ano (considerando a alienação de 50% da carteira ao longo de 3 anos), com impacto de R$ 17,805 bilhões em 2026 e R$ 17,80 bilhões em 2027, e R$ 8,19 bilhões em 2028.
• Redução das emendas não impositivas no orçamento:
◦ Problema: R$ 18,872 bilhões do orçamento da União são comprometidos com emendas do tipo RP2, RP3 e RP8.
◦ Proposta: Estipular um teto de R$ 5 bilhões para o global dessas emendas enquanto persistir o déficit nominal das contas do setor público.
◦ Economia estimada: R$ 13,87 bilhões a partir de 2028, com impacto de R$ 4,162 bilhões em 2026 e R$ 8,323 bilhões em 2027.
• Teto para o fundo partidário e FEFC (Fundo Especial de Financiamento de Campanha):
◦ Problema: Mais de R$ 1 bilhão é destinado ao fundo partidário e R$ 4,9 bilhões ao FEFC.
◦ Proposta: Fixar um teto de R$ 1 bilhão para cada um durante a crise fiscal.
◦ Economia estimada: R$ 1,47 bilhão em 2026 e R$ 4,41 bilhões em 2028.
Fonte: gazetadopovo