Esportes

ONG combate racismo e expande atuação para o futebol: Flamengo é alvo inicial

2025 word3
Grupo do Whatsapp Cuiabá

Uma das principais entidades ligadas ao movimento antirracista no Brasil, a Educafro, ajuizou uma ação civil pública contra o Flamengo no final de agosto, acusando o clube de praticar “racismo estrutural” há décadas. A ONG pede R$ 100 milhões por danos morais coletivos.

O principal motivo apontado pela entidade seria a fala de um diretor da base do Flamengo que, em julho deste ano, disse que “a África tem valências físicas como em quase nenhuma parte do mundo” enquanto “a parte mental estaria em outras zonas da Europa”. Na ocasião, Alfredo Almeida tratava dos pontos que considerava mais fortes nos atletas de cada continente.

No entanto, para a ONG, o funcionário do Flamengo “proferiu declarações de cunho flagrantemente discriminatório”. A entidade também listou outras ações que seriam racistas, como uma suposta subvalorização de jogadores considerados estrelas do clube, como Adílio e Andrade. Outros pontos, como a “elitização recente nos estádios, com ingressos cada vez mais caros”, também são apontados.

Além da indenização milionária, a Educafro pede, judicialmente, a criação de uma comissão de igualdade racial com participação de ONGs e a implementação de cotas raciais nos cargos de direção e liderança. 

Mas o Flamengo não deve ser o único clube a ser levado à justiça pela ONG. Segundo Frei David, fundador e diretor da Educafro, novos clubes tendem a ser alvo de investidas judiciais. “O nosso foco não é o Flamengo: são todos os clubes do mundo. Temos certeza de que irão entender que colocar frases antirracistas em camisas de jogadores, entrar no campo com faixas contra o racismo, não muda nada. Só faz cosquinha no racismo institucionalizado”, diz.

Educafro criou indústria lucrativa de indenizações por racismo

As ofensivas judiciais da Educafro não são mais uma novidade e acontecem desde 2021. Várias empresas já precisaram firmar, judicialmente, termos de ajustamento de conduta (TAC) e desembolsar cifras milionárias após serem alvo dos advogados da ONG.

A estratégia é sempre a mesma: usar falas ou condutas de empregados de grandes corporações – às vezes tiradas de contexto – para processar a organização como um todo exigindo indenizações exorbitantes. A maior parte dos valores em danos morais coletivos vai para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), vinculado ao Ministério da Justiça, mas a ONG também é beneficiada.

Como mostrado pela Gazeta do Povo, em 2021 a entidade ajuizou uma ação civil pública contra a rede Carrefour por um caso de suposto racismo por parte de seguranças terceirizados da empresa. Condenada, a rede teve que pagar R$115 milhões em indenizações, e a Educafro ficou com parte desse valor.

Isso porque parte dos 3% do valor firmado no TAC a título de honorários advocatícios (R$ 3,5 milhões) foi repassado à ONG. Na época, o advogado da Educafro disse à Gazeta do Povo que apenas uma parte do valor da indenização seria destinado à ONG como doação. Já o diretor da entidade afirmou que a própria Educafro faria a dispensação dos valores, e que uma “parte simbólica” seria destinada aos advogados.

A fórmula deu tão certo que a ONG passou a se especializar em processos com pedidos de indenizações por suposto racismo. Ainda em 2021, foi à Justiça contra a XP Investimentos e pediu R$10 milhões por conta da divulgação de uma foto institucional de funcionários da corretora, todos de cor branca. O detalhe é que até poucos anos atrás a empresa era sediada no Rio Grande do Sul que, segundo o Censo do IBGE, possui a maior proporção de brancos (78,4%) em todo o país.

O mesmo aconteceu com empresas como Zara, Google, Assaí e rede social X, além da CBF e Conmebol, do ex-piloto Nelson Piquet e agora o Flamengo. No total, a quantia pedida a título de danos morais coletivos já supera R$ 1,5 bilhão – entretanto, a Educafro não logrou êxito em todos os pedidos.

“Aprenderam conosco e passaram a fazer o mesmo”, diz advogado da ONG

As investidas judiciais da Educafro passaram a ser seguidas por outras entidades sem fins lucrativos autodenominadas antirracistas. Em reportagem da Gazeta do Povo publicada em 2024, o ex-juiz federal Márlon Reis, que advoga para a Educafro, disse que várias ONGs passaram a seguir o padrão de judicialização utilizado por eles. “Algumas das entidades que apresentaram essas queixas, curiosamente, aprenderam conosco e passaram a fazer o mesmo”, afirmou Reis. 

Faz parte do modus operandi das ONGs solicitar, nos termos de ajustamento de conduta, que o acordo inclua a destinação de cifras expressivas para financiar ou contratar outras entidades antirracistas. Essas entidades seriam responsáveis por consultoria e projetos educacionais ligados ao combate ao racismo estrutural dentro das empresas condenadas. A Educafro participa ativamente dos debates sobre como os recursos devem ser aplicados.

Brechas da lei favorecem indústria da indenização

Graças a brechas da lei, ações como a mais recente, contra o Flamengo, tornaram-se um negócio lucrativo, já que uma associação sem fins lucrativos corre poucos riscos ao ajuizar esse tipo de processo: a legislação a isenta do pagamento de custas e honorários mesmo em caso de derrota.

Em contrapartida, quando a associação vence, a parte contrária é obrigada a arcar com os honorários advocatícios da entidade, conforme entendimento do STJ. E esses honorários são calculados de forma proporcional ao valor da indenização pedida. Na prática, isso estimula que ONGs peçam indenizações nos patamares mais altos possíveis.

“Quando não se pode condenar a parte vencida ao pagamento de honorários à parte vencedora, corre-se o risco de uma enxurrada de ações judiciais que são verdadeiras aventuras jurídicas. Isso faz com que esse tipo de ação seja intentada sem critérios mínimos de responsabilidade processual”, explica o especialista em Direito Constitucional Aécio Flávio Palmeira Fernandes.

Em caso de êxito, parte da indenização paga pelo Flamengo pode ir direto para a ONG

Para além do cenário favorável a esse tipo de ofensivas judiciais, uma decisão do STJ proferida no mês passado firmou que é cabível a fixação de honorários advocatícios em favor das associações civis que ajuízam ações civis públicas, ainda que não haja má-fé da parte vencida.

Em termos práticos, a medida facilita que o dinheiro ganho por danos morais coletivos vá diretamente para as ONGs, sem depender da “boa vontade” de advogados em repassar parte do valor.

A decisão, aliás, foi muito comemorada pelo diretor da Educafro. “Esta conquista vai impulsionar o movimento social a demandar e lutar por seus direitos na Justiça. Estamos inaugurando uma nova etapa do movimento social combativo no Brasil”, publicou Frei David no dia 20 de agosto, após a decisão do STJ.

Em relação ao Flamengo, a mudança permitirá um acesso muito mais simples, por parte da Educafro, a parte dos valores pagos em danos morais coletivos caso o clube seja condenado.

“A decisão do STJ abre precedente perigoso para o intento de ações predatórias e celebração de parcerias de cunho puramente financeiro e completamente dissociado do objeto de existência dessas entidades”, diz Fernandes. “Tende a tornar-se um verdadeiro esquema de enriquecimento ilícito dessas entidades representativas”, prossegue.

Posicionamento Flamengo e Educafro

A Gazeta do Povo entrou em contato com o Flamengo abrindo espaço para posicionamento. O clube, entretanto, não retornou o contato. A reportagem também enviou questionamentos à Educafro, que não foram respondidos até o fechamento da matéria.

Fonte: gazetadopovo

Sobre o autor

Avatar de Redação

Redação

Estamos empenhados em estabelecer uma comunidade ativa e solidária que possa impulsionar mudanças positivas na sociedade.