que aconteceu com o discurso do body positive? Onde estão as informaçÔes, que incentivavam a aceitação de todos os corpos? Ela não aumentou durante a pandemia? Ou ficou lå em 2017?
A redação da estĂĄ hĂĄ meses se fazendo essas perguntas. Estimulado pelo lançamento de novos remĂ©dios que prometem uma âfĂłrmula mĂĄgicaâ para emagrecer, o culto Ă magreza extrema â que, na verdade, nunca deixou de existir â volta a aparecer de forma escancarada no nosso dia a dia, nas passarelas de moda e nas redes sociais.
A internet estĂĄ infestada de imagens de âantes e depoisâ que mostram o processo de emagrecimento e trends que acreditam na mĂĄxima , alĂ©m de influenciadores considerados ativistas do movimento body positive, agora magros.
Esse conjunto de fatores resultou na perda da força do discurso pela exaltação de corpos reais e grandes. Boa parte do mercado se adaptou a esse discurso anterior por conveniĂȘncia e, agora, deixam de lado a valorização da diversidade corporal, que por um determinado perĂodo, foi lucrativa.
âNĂłs, pessoas gordas que lutamos contra o estigma associado ao nosso corpo para que ele nĂŁo seja tratado como uma doença, estamos aĂ resistindo todos os dias. EntĂŁo, o body positive pra gente nunca acaba, nĂ©?â, afirma JĂșlia Vecchi, criadora de em entrevista Ă .
Ela reforça a importùncia de entender que o combate à gordofobia é fundamental na sociedade, e que isso deveria ter caminhado com o movimento body positive, que por muitas vezes excluiu pessoas gordas maiores.
âO que estĂĄ acontecendo hoje em dia Ă© que as pessoas estĂŁo caindo na contradição de que para elas serem saudĂĄveis, elas precisam ter o corpo perfeito â e magroâ, completa.
Ellen Valias, criadora do perfil Atleta de Peso, no qual incentiva a prĂĄtica da atividade fĂsica para o bem-estar, valida esse pensamento.
âAtĂ© pessoas que nĂŁo sĂŁo gordas estĂŁo tomando [remĂ©dio com o objetivo de emagrecer]. Isso mostra que Ă© sĂł sobre ter um corpo magro, e isso Ă© vendido como um discurso de saĂșde. Porque a magreza Ă© vista como saĂșde na nossa sociedade. NinguĂ©m questiona a saĂșde de uma pessoa magraâ, declara.
Para ela, Ă© preciso falar de emagrecimento de forma honesta. âEu nĂŁo sou contra emagrecer. Cada pessoa tem o direito de fazer o que quiser com o seu corpo. O que eu nĂŁo concordo sĂŁo com discursos que desumanizam o corpo gord.â
âEntĂŁo, quando uma pessoa que era gorda emagrece e fala que foi por saĂșde, diante dessa onda de medicaçÔes, eu acho que nĂŁo Ă© uma coincidĂȘncia, nĂ©? Isso tem a ver com uma pressĂŁo [estĂ©tica]. Quando se fala que emagreceu por saĂșde, em um contexto no qual ser magro Ă© ser saudĂĄvel e ser gordo Ă© tudo de ruim, essa fala invisibiliza e desumaniza pessoas gordasâ, afirma.
A cada medicação que aparece pra emagrecimento rĂĄpido o movimento body positive vai sumindo, isso mostra que a romantização da magreza Ă© impactante e vista como referĂȘncia de saĂșde, as pessoas tĂŁo aparecendo cada vez mais magras, e na nossa sociedade o emagrecimento Ă© celebrando,âŠ
â Atleta de peso (@AtletaPeso) January 2, 2025
Mas, entĂŁo, o que Ă© possĂvel fazer para que o movimento volte a ter relevĂąncia a partir de agora? O olhar de Ellen para o futuro envolve extrapolar os limites do online para lidar com a romantização da magreza, que sempre vai existir enquanto houver uma indĂșstria farmacĂȘutica e cosmĂ©tica lucrando com ela.
âA vida real nĂŁo Ă© sĂł a luta na internet. Na vida real, eu vejo pessoas reais com corpos reais que nĂŁo tĂȘm acesso a essas medicaçÔes carĂssimas. Eu acredito muito nessa educação fora da internet e, por isso, tenho projetos fora dela. [âŠ] As crianças devem crescer entendendo que elas tĂȘm o direito de existir amando o corpo delas para que, ao se depararem com a romantização da magreza, possam ter discernimento para tomar uma decisĂŁo e lidar com o corpo delas.â
JĂșlia Vecchi ressalta que a de diferentes tipos de corpos Ă© essencial para que a luta contra a gordofobia avance e para que as pessoas se sintam bem com elas mesmas. âQuanto mais a gente se unir e continuar batendo de frente⊠à ser resistĂȘncia mesmo. Ă o que eu fui durante a minha vida toda. HĂĄ 10 anos eu falo sobre isso e pra mim nĂŁo faz sentido parar.â
Perante ao retorno descarado do culto ao corpo magro, vemos que o enfraquecimento do discurso body positive se deu apĂłs ser apropriado pelo mercado da beleza, que, pensando apenas no lucro, esvaziou seu significado. Agora, como fazem Ellen e JĂșlia, Ă© preciso continuar resistindo, e ainda bem que, mesmo que tentem, o espaço para isso nunca vai desaparecer.
Fonte: capricho