O regime comunista do Nepal baniu redes sociais para salvar-se. Terminou com ministros evacuados de helicóptero, prédios em chamas, soldados disparando contra estudantes. No meio do caos, a cena que mais me marcou: a esposa do ex-primeiro-ministro Jhalanath Khanal arrastada pela multidão, espancada até restar apenas um corpo disforme, queimado vivo e abandonado no asfalto. A massa em delírio exigia sacrifício. A escalada da violência política dissolveu-se em linchamento. É este o retrato da “primeira revolução digital” da geração nepalesa.
A história recente do Nepal parece saída de um manual de ilusões políticas. A insurgência maoísta dos anos 1990 prometia fundar uma república nova, depois de derrubar a monarquia e encerrar a guerra civil. A Constituição de 2015 foi celebrada como marco democrático. O que veio depois foi um desfile de gabinetes instáveis, cada qual mais frágil que o anterior. O paraíso anunciado na terra revelou-se o inferno de alianças quebradas, repartições corroídas e promessas devoradas pela burocracia parasitária dos comunistas no poder.
O comunismo não censura porque se desgastou. Censura porque é da sua natureza. O Estado comunista é um parasita. Não emancipa a classe trabalhadora: devora-a
No Nepal, os comunistas dominaram a cena, repetindo-se não como comédia, mas como tragédia. Venceram eleições, assumiram o poder, falaram em reformas sociais profundas. O que entregaram foi clientelismo e corrupção estrutural. Ministros envolvidos no escândalo dos falsos refugiados butaneses. Autoridades pegas em contrabando de ouro. Investigações seletivas. A revolução reduziu-se a balcão de negócios, operado com o cinismo de quem acredita que o poder é herança natural da emancipação da classe trabalhadora.
E aqui está o dado lamentável que os progressistas tentarão disfarçar: o comunismo não censura porque se desgastou. Censura porque é da sua natureza. O Estado comunista é um parasita. Não emancipa a classe trabalhadora: devora-a. A violência não é acidente de percurso, é método de sobrevivência. O banimento das redes sociais no Nepal não foi erro tático de um governo acuado: foi a forma mais pura de seu instinto despótico. Silenciar a palavra, sufocar a crítica, esmagar a rua.
Soljenítsin deixou o testemunho definitivo: cada utopia comunista abre caminho para seu próprio campo de trabalhos forçados. O Nepal não é exceção. É mais um elo de uma cadeia de ferro que começa com promessa e termina em tragédia.
Não vamos esperar os analistas progressistas com suas narrativas previsíveis. Já prevejo as seguintes justificativas.
Primeira justificativa: o complô externo. Dirão que a revolta não passa de manipulação imperialista. Que os Estados Unidos, a Índia ou “o neoliberalismo global” conspiraram para sabotar o experimento socialista. Assim, a repressão não seria brutalidade estatal, mas legítima defesa da soberania. O erro é óbvio: transformar cada fracasso interno em produto de complô externo. Comunistas são peritos em salvar o regime pela invenção de um inimigo.
Segunda justificativa: a juventude alienada. Os protestos serão descritos como capricho de uma geração viciada em redes sociais, sem consciência de classe. O banimento das plataformas, nessa leitura, foi gesto paternal: o Estado teria tentado “proteger” os jovens da intoxicação digital das big techs. Essa lógica é ainda mais grave: reduzir a voz popular a alienação e transformar o governo em tutor. É a pedagogia arrogante que infantiliza a sociedade para justificar a censura.
Terceira justificativa: a revolução inacabada. O discurso final dirá que o comunismo não falhou, apenas não foi implantado em sua pureza. A corrupção é culpa de indivíduos desviantes, não do modelo. Sempre falta um degrau para que o paraíso se realize. Enquanto esse degrau não chega, o inferno é explicado como etapa necessária. O erro é fatal: o comunismo é o único sistema que se justifica a partir do que nunca existiu, prometendo sempre um amanhã que só pode vir através da violência de hoje.
É preciso dizer sem hesitar: a tragédia é inevitável para quem acredita no paraíso terrestre. A lógica que promete redenção total desemboca em brutalidade total. O desfecho é lapidar. Réquiem para um sonho. O sonho maoísta de reinventar a sociedade terminou na mesma cena que encerrou tantas outras revoluções: ministros fugindo de helicóptero, jovens tombados no asfalto, a massa em delírio exigindo sangue. O regime que prometia igualdade entregou cadáveres. Ironia à parte, o povo na rua devolveu a sentença.
Fonte: gazetadopovo