Um bolo de chocolate simples leva uma xícara e meia de açúcar na receita – o que equivale a mil calorias, em média. Os outros ingredientes (ovos, farinha de trigo, chocolate em pó) contribuem menos para a densidade calórica da sobremesa.
É possível fazer um bolo com a mesma cor, mesma consistência e mesmo sabor dessa delícia – só que sem as mil calorias da xícara de açúcar. Nos anos 1960, a empresa Spherix Inc. criou açúcares especiais para a missão Viking 1 da Nasa, a primeira a fazer um pouso bem sucedido em Marte. Esses açúcares eram quase idênticos aos que encontramos no dia a dia, com a diferença de que não são metabolizados pelo corpo humano.
Para entender como isso é possível, precisamos explicar alguns conceitos de química. Moléculas como as de açúcar podem ter duas configurações diferentes, sendo uma a versão espelhada da outra. Imagine que uma molécula é como sua mão direita, e a outra é como esquerda. Apesar de terem a mesma fórmula, elas não podem ser sobrepostas uma sobre a outra (se você tentar colocar a sua mão direita sobre a esquerda, com as costas viradas para cima, verá que os dedões ficam sobrando).
Em termos técnicos, dizemos que as moléculas de açúcar, como a glicose e a frutose, são quirais, pois apresentam dois tipos de configuração espacial: a de mão direita e a de mão esquerda.
Em busca de vida em Marte
O açúcar é resultado da fotossíntese das plantas. E todo o açúcar produzido pelos seres terrestres tem apenas um formato: o de mão direita. Não há açúcar com a conformidade oposta, de mão esquerda, na natureza. Por isso, os seres vivos evoluíram para metabolizar apenas o açúcar de mão direita, que convencionamos chamar de açúcar-D.
Outros planetas, no entanto, poderiam ter formas de vida que metabolizam açúcar de mão esquerda (açúcar-L). Pensando nisso, o engenheiro Gilbert V. Levin pensou em um experimento para ser carregado a bordo das missões Viking 1 e Viking 2, que pretendiam verificar a existência de vida em Marte.
Ele recebeu financiamento e apoio técnico da Nasa para criar um monte de nutrientes radioativos. Se esses nutrientes fossem processados por algum ser vivo, liberariam dióxido de carbono radioativo, que então seria identificado por um equipamento. Significaria a presença de vida no planeta vermelho
Como não se sabia se os micróbios de Marte comeriam açúcar-D ou açúcar-L, Levin sintetizou os dois tipos em laboratório. Não queriam deixar passar nenhum possível sinal de vida. Inicialmente, o engenheiro produziu glicose-D e glicose-L, mas por limitações técnicas os açúcares que foram enviados na missão acabaram sendo lactose-D e lactose-L.
A missão Viking 1 foi lançada em 1975. Para a surpresa de todos, os resultados de Levin deram positivo para a presença de vida. Outros dois experimentos, no entanto, deram negativo. É provável que o teste de Levin tenha sido adulterado por oxidantes no solo Marciano.
O açúcar sem calorias
Apesar da frustração com a missão Viking, Levin havia criado um tipo de açúcar que não existe na natureza. Já se sabia que ele não era metabolizado pelo organismo – faltava saber se ele teria o mesmo gosto de um açúcar normal, do tipo D. Por meio da Spherix Inc. empresa que ele havia fundado em 1967, Levin submeteu o açúcar a testes com consumidores.
Nenhum dos participantes conseguiu notar a diferença entre as versões L e D do açúcar. O engenheiro, então, patenteou a glicose-L como um adoçante baixo em calorias. Havia encontrado a galinha dos ovos de ouro.
O problema é que a fabricação da glicose-L era muito cara para ser viável comercialmente. Ele tentou o mesmo com os açúcares frutose-L e gulose-L, mas a produção continuava cara.
A versão canhota dos açúcares nunca chegou ao mercado, mas a pesquisa não foi em vão. Levin descobriu que o açúcar tagatose-D, que existe em baixas quantidades na natureza, é semelhante à frutose-L. Ele é 92% tão doce quanto o açúcar que colocamos no café, e tem só 38% das calorias.
A Spherix descobriu um método em conta de produzir tagatose-D, que foi patenteado em 1988. O adoçante é considerado seguro pela FDA (agência reguladora dos Estados Unidos), mas ainda não é aprovado pela Anvisa. Quem sabe, no futuro, não veremos um novo adoçante nas prateleiras dos supermercados?
Fonte: abril